Especialistas em Liberdade de Expressão da ONU e da
CIDH expressam preocupação diante de ameaças de morte ao jornalista Glenn Greenwald,
Diretor
do The Intercept Brasil, e a seus
Familiares
1 de julho de 2019
WASHINGTON D.C.: O Relator Especial para a Liberdade
de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), Edison
Lanza, e o Relator Especial das Nações Unidas sobre a Promoção e Proteção do
Direito à Liberdade de Opinião e Expressão, David Kaye, expressam sua
preocupação com as ameaças, desqualificações feitas por
autoridades e intimidações recebidas pelo jornalista Glenn Greenwald, da
agência de notícias The Intercept Brasil,
e seus familiares, após a difusão de informações e reportagens de interesse
público.
Os Relatores Especiais instam ao Estado do Brasil a realizar uma investigação completa, efetiva e
imparcial das ameaças recebidas pelo jornalista e sua família. Do mesmo modo,
relembram às autoridades brasileiras as suas obrigações de prevenir e proteger
jornalistas em risco, e de garantir a confidencialidade das fontes de
informação.
De acordo
com informações de conhecimento público, no dia 9 de junho, o veículo de
comunicação The Intercept Brasil começou
a publicar vazamentos de informações expondo supostas irregularidades na
operação anticorrupção denominada "Lava Jato".
Imediatamente após publicar essas informações, o jornalista Greenwald começou
a receber insultos, difamações e ameaças de morte. Adicionalmente, sob a hashtag #DeportaGreenwald, foi
viralizada uma campanha coordenada de hostilização contra o jornalista, o veículo
de comunicação do qual é fundador e editor, seu esposo – o deputado federal
David Miranda – e os filhos do casal.
Autoridades públicas apontaram
a natureza supostamente ilegal do material vazado que The Intercept Brasil recebeu através de uma fonte anônima, de modo a tentar desqualificar ou restringir a
liberdade de imprensa.
Deputados federais também defenderam a possibilidade
de convocar o jornalista Glenn Greenwald à Câmara dos Deputados e o acusaram de
cumplicidade com práticas de "ativismo
jornalístico através de um ato criminoso, o que lhe faz cúmplice". Esses
legisladores expuseram o jornalista como um agente que estaria enfrentando as
instituições e autoridades brasileiras ou "cometendo crimes contra a segurança
nacional", insinuando que ele poderia ser punido criminalmente ou deportado do
país.
Os Relatores Especiais também documentaram postagens de um legislador
federal que expôs uma foto de Greenwald no Facebook com o enunciado "Inimigo do
Brasil". A publicação também envolvia seu esposo David Miranda.
Por meio de um comunicado datado de 17 de junho, Miranda levou ao
conhecimento público a existência de uma série de ameaças recebidas por ele e
seus filhos. O deputado informou também que registrou uma denúncia na Polícia
Federal brasileira devido ao crescente número de agressões que recebeu depois
que o seu esposo publicou os vazamentos de informações.
Adicionalmente, a Relatoria Especial da CIDH toma nota das informações
prestadas antes de emitir este comunicado pelo Estado do Brasil, que indicou
que o jornalista pode acionar o "Programa de Proteção aos Defensores de
Direitos Humanos, Comunicadores Sociais e Ambientalistas" (PPDDH), que
desde setembro de 2018 expandiu seu escopo de atuação para incluir jornalistas
e comunicadores sociais.
Em diversas oportunidades, os Relatores Especiais destacaram o
importante papel que os meios de comunicação desempenham para a democracia, em
especial quando se trata do jornalismo de investigação ativo. Como
consequência, os jornalistas que investigam casos de corrupção ou ações
indevidas de autoridades públicas não devem se tornar alvo de assédio judicial
ou outro tipo de hostilização como forma de represália ao seu trabalho. O Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas afirmou
que atentados contra pessoas que exercem a sua liberdade de expressão não podem
ser compatíveis, em qualquer circunstância, com o artigo 19 do Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos. Nesse
sentido, os Estados Membros da Organização dos Estados Americanos reafirmaram
que "a atividade jornalística deve ser exercida livre de ameaças, agressões
físicas ou psicológicas ou outros atos de hostilidade", e instaram a
implementar medidas integrais de prevenção, proteção e realização da justiça na
matéria por meio da Resolução AG/RES. 2908 (XLVII-O/17), aprovada pela
Assembleia Geral da OEA durante o seu 47º período ordinário de sessões.
Os Relatores Especiais recordam ao Estado do Brasil a sua obrigação de
prevenir, proteger, investigar e punir a violência contra jornalistas, em particular,
a violência contra aqueles que tenham sido objeto de intimidação, ameaças ou
outro ato de violência. A obrigação de prevenir pressupõe, entre outros
elementos, a obrigação de adotar um discurso público que contribua à prevenção
da violência contra os jornalistas, o que "requer que os funcionários públicos
se abstenham de fazer declarações que exponham jornalistas e funcionários de
meios de comunicação a um maior risco de atos de violência". Adicionalmente, a
Relatoria Especial da ONU afirmou que "O Estado deve zelar pela integridade
física e psicológica dos jornalistas".
Do mesmo modo, a proteção das fontes jornalísticas é um princípio
constitutivo do direito à liberdade de expressão, em função do seu valor
inestimável para que a sociedade tenha acesso a informações de interesse
público que, sem essa proteção, dificilmente poderiam se tornar públicas. O
Princípio 8 da Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão da CIDH
afirma: "todo comunicador social tem o direito de reserva de suas fontes de
informação, anotações, arquivos pessoais e profissionais". E em nível
internacional, a confidencialidade das fontes deriva das garantias do direito
de buscar, receber e difundir informações, o qual está consagrado no artigo 19
do Pacto.
O Sr. David Kaye (EUA) foi designado Relator Especial
sobre a Promoção e Proteção do Direito à Liberdade de Opinião e Expressão em agosto de 2014 pelo Conselho de Direitos Humanos
da ONU.
Os Relatores Especiais são parte do que se conhece
hoje como os Procedimentos
Especiais do Conselho de Direitos
Humanos. Os Procedimentos Especiais – o maior órgão de especialistas
independentes no Sistema ONU para os Direitos Humanos – é o nome geral dos
mecanismos de investigação e monitoramento do Conselho de Direitos Humanos para
lidar com situações concretas nos países ou com questões temáticas em todo o
mundo. Os especialistas dos Procedimentos Especiais trabalham de forma
voluntária; eles não são membros da equipe de funcionários da ONU e não recebem
salário pelo seu trabalho. São independentes de qualquer governo ou organização
e atuam a título individual.
O Sr. Edison Lanza (Uruguai) é o Relator Especial para a Liberdade de Expressão da
Comissão Interamericana de Direitos Humanos. O Escritório do
Relator Especial para a Liberdade de Expressão foi criado pela CIDH para promover a defesa do
direito à liberdade de pensamento e expressão no continente, considerando o
papel fundamental que esse direito desempenha na consolidação e no
desenvolvimento do sistema democrático.
R164/19