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Comunicado de Imprensa

CIDH e REDESCA condenam incidentes de repressão violenta na Venezuela e solicitam que o Estado garanta urgentemente os direitos humanos da população diante da crise política, econômica e social

1 de março de 2019

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Washington, D.C. – A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e sua Relatoria Especial sobre Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (REDESCA) condenam os incidentes de repressão violenta ocorridos na Venezuela, e solicitam que o Estado garanta urgentemente os direitos humanos em face da crise política, econômica e social.

A CIDH coletou informações sobre a ocorrência de graves fatos violentos na Venezuela em 23 de fevereiro de 2019, durante as ações destinadas a tentar permitir o ingresso de ajuda humanitária a partir de vários pontos fronteiriços com a Colômbia e o Brasil. Durante a repressão, atuaram funcionários da Polícia Nacional Bolivariana (PNB); da Guarda Nacional Bolivariana (GNB) e grupos de civis armados.

Segundo o Observatório Venezuelano de Conflitos Sociais (OVCS), quatro pessoas foram assassinadas em Santa Elena de Uairén, Bolívar, todas por disparos de armas de fogo: José Hernández de 25 anos, José Esley Perez Márquez de 20 anos, José Barrios Carrasco de 23 anos, e Kliver Alfredo Pérez Rivero de 24 anos. A CIDH recebeu informações sobre outras quatro pessoas que talvez foram assassinadas nos estados de Bolívar e Táchira, mas estas não foram identificadas até o momento. Por sua vez, o OVCS informou sobre 295 feridos em pelo menos 12 estados, por armas de fogo, substâncias tóxicas e diversas formas de agressão. Também informou sobre dois caminhões que foram queimados quando tentavam ingressar ao território venezuelano levando ajuda humanitária.

O Fórum Penal também registrou 32 prisões, que ocorreram nos estados de Zuila (16), Bolívar (6), Lara (4), Anzoátegui (3), Táchira (2) e Aragua (1). Das pessoas detidas, 10 são indígenas da etnia Pemón, dos quais 9 eram da comunidade Kumaracapay, e 1 de Santa Elena de Uairén, Gran Sabana, estado de Bolívar.

Adicionalmente, em 22 de fevereiro, a CIDH recebeu informações sobre a morte de 1 pessoa e pelo menos outros 15 feridos na comunidade indígena Kumaracapay, em San Francisco de Yuruaní, Bolívar, quando caminhões com agentes do Exército e da Guarda Nacional Bolivariana que se deslocavam à fronteira com o Brasil abriram fogo contra integrantes da comunidade.

A Comissão observa com preocupação que os fatos registrados nos últimos dias se inserem no contexto da repressão a protestos ocorridos nos meses de janeiro e fevereiro; da repressão e uso de força letal durante manifestações, de perseguição e estigmatização de pessoas opositoras e cidadãos; das denúncias de busca e apreensão sem ordem judicial e detenções arbitrárias efetuadas durante e com posterioridade aos protestos; a expulsão e detenção de jornalistas e as violações à liberdade de expressão da população através do bloqueio ou suspensão de websites, plataformas e da internet.

Durante este período, o Observatório Venezuelano de Conflitos Sociais (OVCS) e o PROVEA registraram um total de 35 mortes relacionadas com o contexto dos protestos em 10 estados do país, entre os dias 22 e 28 de janeiro. Todas as vítimas fatais foram mortas por disparos de armas de fogo. Em aproximadamente 80% dos casos, foi documentada a presença de forcas de segurança das Forças de Ações Especiais (FAES), da Polícia Nacional Bolivariana (PNB), e da Guarda Nacional Bolivariana (GNB). Segundo os dados do Fórum Penal, entre 21 de janeiro e 21 de fevereiro, foram registradas 1.122 detenções arbitrárias no marco dos protestos, incluindo 141 mulheres e 141 menores de idade, sendo que 1.030 pessoas detidas foram apresentadas perante os tribunais, e 636 permanecem detidas, incluindo 75 mulheres. Além disso, há informações das últimas semanas sobre detenções e campanhas de estigmatização e perseguição contra pessoas defensoras de direitos humanos e aqueles que realizam trabalho humanitário no país.

De acordo com o OVCS, durante o ano de 2018, 89% dos protestos registrados no país tinham relação com a falta de garantia dos DESCA. Apenas no mês de janeiro de 2019, o Observatório registrou 2.573 manifestações, o que equivale a 86 protestos diários em todo o país. Destas, aproximadamente 36% ocorreram devido a reivindicações sobre o direito à saúde, alimentação, direitos laborais e o acesso a serviços básicos. A perda do poder aquisitivo resultou num salário mínimo oficial na Venezuela de 6 dólares por mês.

A CIDH e sua REDESCA alertam que os fatos de repressão e violência estão inseridos em uma situação geral de crise permanente, especialmente no que diz respeito à garantia efetiva dos direitos à alimentação e à saúde, que afetam de forma diferenciada pessoas e grupos em situação de vulnerabilidade. No últimos dois anos, a produção de alimentos diminuiu, o custo dos mesmos aumentou, e há restrições no acesso aos mesmos, o que provoca graves consequências para a população. Uma pesquisa da organização católica Cáritas estabeleceu que, até novembro de 2018, 57% de 4.013 crianças de 5 anos avaliadas apresentava algum nível de desnutrição, e 7.3% tinham desnutrição severa. Dentre os fatores que fazem com que crianças e adolescentes sofram de forma particular as consequências do desabastecimento, estão a escassez e o alto custo dos produtos essenciais para a sua nutrição adequada, como o leite e seus derivados, alimentos de alto valor biológico, cerais, proteínas, complementos vitamínicos e suplementos alimentícios. Além disso, as mulheres também sofrem um especial impacto pela crise alimentícia; a desnutrição afeta as mesmas especialmente durante a gravidez e a amamentação, que são momentos cruciais para a vida saudável da mulher e do feto, portanto muitas mulheres decidiram optar por operações de esterilização.

Adicionalmente, a situação de emergência humanitária vivida na Venezuela também atinge os povos indígenas com difícil acesso aos bens, serviços e recursos econômicos. A malária, a gripe e o sarampo, assim como outras doenças infectocontagiosas, chegaram a comunidades como a dos Warao, no estado Delta Amacuro, e os Yanomami na fronteira com o Brasil. A falta de acesso a centros de assistência nestes casos traduz-se em risco de morte. Essas barreiras de natureza geográfica exigem que se leve atenção médica e alimentícia até os territórios mais afastados e, portanto, dependem de uma logística de transporte muito bem articulada. A falta de comunicação entre os prestadores de serviço e as comunidades indígenas, bem como a falta de compreensão de suas realidades e representações socioculturais é outro grande inconveniente.

À luz das normas e parâmetros internacionais vigentes, a CIDH e sua REDESCA recordam que o direito à alimentação só pode ser efetivo quando as pessoas têm acesso físico e econômico a uma alimentação adequada ou a meios para obtê-la em qualquer momento. Assim sendo, o Estado venezuelano deve redobrar os seus esforços para garantir níveis essenciais para proteger sua população da fome, inclusive diante da situação de graves restrições de recursos.

A escassez e o desabastecimento de medicamentos, insumos, material e tratamento médico na Venezuela vêm se agravando desde 2014. De acordo com as cifras produzidas pelo PROVEA e CodeVida, na atualidade há 90% de escassez de remédios e insumos em nível nacional. Também há um colapso na infraestrutura hospitalar em nível nacional, visto que 50% dos cirurgiões estariam inativos, e 80% dos serviços de diagnóstico encontram-se imprestáveis, de acordo com o Censo Nacional de Hospitais. O desabastecimento crônico de medicamentos atinge especialmente pessoas que sofrem de doenças crônicas como o HIV, diabetes, insuficiência renal, câncer e pessoas com esclerose múltipla. Dentre os hospitais especialmente atingidos pela crise do setor estão o JM de los Ríos (Caracas), a Maternidade Concepción Palacios (Caracas), e o Hospital Universitário de los Andes (Iahula).

Segundo informação recolhida pela REDESCA, mais de 11 mil pessoas com insuficiência renal estariam em risco, devido à escassez e dificuldades de acesso ao insumos adequados, falta de manutenção das máquinas, e deficiências nos serviços de luz e água. Por sua vez, foram diminuídas as horas de terapia semanal como uma medida de contingência diante da falta de insumos, e por isso as pessoas estariam fazendo hemodiálise apenas uma vez por semana, e por menos tempo do que o necessário. De acordo com a informação recebida, entre outubro de 2017 e junho de 2018, 2.486 pessoas que recebiam regularmente hemodiálise teriam falecido, sem que se conte com dados atualizados. Além disso, a Comissão recebeu informações sobre pacientes com insuficiência renal que faziam diálise regularmente em San José de Cúcuta, e foram impedidos de receber tratamento como consequência do fechamento da passagem fronteiriça, em violação ao seu direito à saúde. Sobre este ponto, a CIDH e sua REDESCA recordam que a saúde é um direito humano fundamental e indispensável para o exercício adequado dos demais direitos humanos, e que a obrigação geral dos Estados implica no dever de garantir o acesso das pessoas a serviços essenciais de saúde, assegurando uma assistência médica eficaz e de qualidade, assim como o estímulo à melhoria das condições de saúde da população.

Adicionalmente, em se considerando que o acesso a medicamentos é parte integral do direito à saúde, esse componente deve ser garantido e respeitado, dentre outras ações, fornecendo medicamentos essenciais destinados a combater doenças que apresentem um risco à saúde pública ou às necessidades prioritárias para a saúde da população na Venezuela. O processo de seleção de tais remédios e priorização de doenças, ainda, deve estar baseado em evidências científicas, sendo transparente e participativo, particularmente para os grupos mais gravemente atingidos.
Como consequência das violações massivas aos direitos humanos, assim como a grave crise alimentar e sanitária enfrentada pelo país, a CIDH observou com preocupação como milhões de pessoas venezuelanas foram forçadas a migrar para outros países da região nos últimos anos. Esta situação tornou-se a principal crise de migração forçada da qual se tem notícia na região, e uma das maiores em nível mundial na atualidade. De acordo com cifras do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) e da Organização Internacional para as Migrações (OIM), até 1 de fevereiro de 2019, havia cerca de 3,4 milhões de pessoas migrantes e refugiados venezuelanos, dos quais 2,7 milhões estão em países da América Latina e do Caribe, sendo que os principais países receptores são: Colômbia, Peru, Chile, Equador, Argentina e Brasil. O referido contexto de crise também provocou o deslocamento forçado dos povos indígenas.

A crise na Venezuela alcança todos os direitos humanos em sua indivisibilidade e interdependência. A CIDH expressa sua crescente preocupação com a situação de extrema vulnerabilidade enfrentada pelo povo venezuelano, dentro e fora de suas fronteiras, em virtude da pobreza generalizada e das profundas restrições de acesso a direitos como alimentação, saúde, educação, trabalho ou moradia, assim como da referida repressão estatal contra os protestos e a liberdade de expressão.

A Comissão enfatiza sua máxima preocupação pelos novos incidentes de repressão que vêm acontecendo, e pela continuidade e recrudescimento da violência, e recomenda com urgência que o Estado garanta os direitos à vida, integridade pessoal, liberdade pessoal, liberdade de expressão, liberdade de associação, direito de reunião pacífica e participação social e política da população. Além disso, insta as autoridades a se abster de realizar campanhas de perseguição contra pessoas defensoras de direitos humanos e aquelas que realizam trabalho humanitário no país. A CIDH recomenda que o Estado cesse toda a forma de violência, e não utilize força letal sob nenhuma circunstância. E ainda, a CIDH solicita que o Estado venezuelano e todos os atores envolvidos diminuam as tensões e evitem uma escalada maior da violência, cujo impacto pode recair sobre os setores mais vulneráveis, especialmente crianças e povos indígenas.

A REDESCA é uma dependência da CIDH, que foi especialmente criada para apoiar a Comissão no cumprimento de seu mandato de promoção e proteção dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais no continente americano.

A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato surge a partir da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem como mandato promover a observância e defesa dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA na temática. A CIDH é composta por sete membros independentes, que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal, sem representarem seus países de origem ou de residência.

 

No. 052/19