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Washington DC. – A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) manifesta a sua preocupação pela Lei de Anistia aprovada recentemente pela Assembleia Nacional da Nicarágua, cujo conteúdo ambíguo e amplo pode deixar na impunidade as graves violações de direitos humanos que foram amplamente documentadas, evitar o estabelecimento da verdade, justiça, reparação e garantias de não repetição, assim como restringir os direitos e garantias da sociedade nicaraguense previstos na Convenção Americana.
Conforme informações veiculadas publicamente, em 8 de junho de 2019, a Assembleia Nacional da Nicarágua aprovou a referida Lei através de um procedimento sumaríssimo pelo Congresso Nacional, em 24 horas. Esta lei não foi consultada com a sociedade civil, nem com as vítimas de graves violações de direitos humanos. De acordo com o conteúdo da Lei, é concedida “ampla anistia a todas as pessoas que participaram dos fatos ocorridos em todo o território nacional a partir de 18 de abril de 2018 até a data de entrada em vigor da presente lei.” Além disso, esta será aplicada aos “crimes políticos e crimes comuns conexos com estes que são tipificados no ordenamento jurídico penal vigente na Nicarágua”, com exceção daqueles regulamentados em tratados internacionais dos quais a Nicarágua é parte. De acordo com o único considerando, “diante dos atos violentos e destrutivos iniciados em 18 de abril de 2018, é vontade do Estado buscar a estabilidade, assegurar a paz, melhorar as condições econômicas para alcançar o desenvolvimento integral das famílias nicaraguenses.”
Nesse sentido, preocupa a Comissão a ambiguidade do conteúdo da mesma e seu âmbito de aplicação que poderia deixar na impunidade as graves violações de direitos humanos cometidas no país, que foram amplamente documentadas pela CIDH e outros organismos internacionais e nacionais de direitos humanos. Conforme a jurisprudência reiterada da Corte e da Comissão Interamericanas, as obrigações de investigar, determinar e punir os responsáveis por graves violações de direitos humanos possuem caráter irrenunciável. No mesmo sentido, a Corte IDH estabeleceu que são inadmissíveis as disposições de anistia, prescrição e excludentes de culpabilidade que pretendam impedir a persecução penal, assim como qualquer obstáculo de direito interno mediante o qual se pretenda impedir a investigação e punição dos responsáveis pelas graves violações de direitos humanos, porque transgredem direitos inderrogáveis reconhecidos pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos. As leis de anistia que sejam incompatíveis com a CADH carecem de efeitos jurídicos.
Em relação aos crimes aplicáveis, preocupa a CIDH a imprecisão e ambiguidade na definição dos “crimes políticos e [...] crimes comuns conexos” aos quais se aplica a Lei, visto que deixa a sua interpretação sujeita à discricionariedade das autoridades, em violação do princípio de legalidade estabelecido no artigo 9 da Convenção Americana. Com efeito, a Comissão estabeleceu anteriormente que o princípio de legalidade é violado quando a legislação nacional utiliza tipos penais consagrados em termos difusos, abstratos ou imprecisos que obstaculizam a necessária segurança jurídica que o Estado deve garantir neste âmbito.
Finalmente, com relação à disposição da Lei que estabelece que “as pessoas beneficiadas [...] devem deixar de perpetrar novos fatos que incorram em condutas repetitivas que geram os crimes aqui contemplados,” pois do contrário, o benefício estabelecido poderia ser revogado, a ambiguidade dessa disposição permitiria que pessoas beneficiárias possam ser objeto de novas detenções por exercer seus direitos políticos, de reunião pacífica, assim como os direitos à liberdade de associação e liberdade de expressão. Assim sendo, as garantias da sociedade nicaraguense contidas na Convenção Americana estariam restringidas, persistindo um contexto de suspensão de liberdades no país.
A Comissária Antonia Urrejola, Relatora para a Nicarágua e sobre Memória, Verdade e Justiça afirmou: “Reiteramos a importância e a obrigação do Estado da Nicarágua de estabelecer investigações diligentes, imparciais e exaustivas a fim de alcançar justiça, reparação e memória sobre as graves violações aos direitos humanos cometidas no contexto da crise, garantindo assim a sua não repetição.” Acrescentou que “o Estado deve garantir os direitos e liberdades de todas as pessoas sob sua jurisdição.”
A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato surge a partir da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem como mandato promover a observância e defesa dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA na temática. A CIDH é composta por sete membros independentes, que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal, sem representarem seus países de origem ou de residência..
No. 145/19