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Comunicado de Imprensa

CIDH condena a persistência de atos de repressão na Nicarágua no contexto da Mesa de Negociação

5 de abril de 2019

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Washington D.C.- A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) expressa a sua grave preocupação pela persistência de atos de repressão na Nicarágua, que vêm ocorrendo no marco da “Mesa de Negociação pelo Entendimento e pela Paz”, iniciada em 27 de fevereiro de 2019 entre o Governo e a Aliança Cívica pela Justiça e pela Democracia. Persistem particularmente as detenções arbitrárias e ilegais, o impedimento de toda forma de manifestação ou protesto social, a negação do restabelecimento da personalidade jurídica a organizações civis, assim como o recrudescimento da repressão contra as pessoas privadas de liberdade. A CIDH reitera a sua recomendação de cessar a repressão e restabelecer as liberdades públicas no país.

A Comissão observa os acordos de 20 e 27 de março de 2019, no contexto do diálogo, e recebe com satisfação o compromisso de liberar as pessoas privadas de liberdade no marco dos protestos, e solicita que isto se realize prontamente, assim como parabeniza o acompanhamento do Comitê Internacional da Cruz Vermelha a este processo. A Comissão acompanha com muita atenção a importância de chegar a uma lista completa de pessoas privadas de liberdade que possa ser cotejada e acordada pelas partes. Para tanto, em 18 de março de 2019, a CIDH entregou à Secretaria Geral da OEA uma lista de pessoas que permanecem privadas de liberdade por fatos relacionados com os protestos. Esse registro é atualizado de maneira permanente pela CIDH através de um plano de trabalho colaborativo com organizações de direitos humanos, pessoas defensoras, e representantes legais das pessoas detidas e processadas na Nicarágua.

Detenções arbitrárias e impedimento de protestos sociais

Apesar do início da Mesa de Negociação, através do Mecanismo Especial de Seguimento para a Nicarágua (MESENI), a CIDH recebeu informações sobre a persistência de detenções arbitrárias e ilegais contra manifestantes e pessoas dissidentes. Entre fevereiro e março, pelo menos 60 pessoas teriam sido detidas e transladadas a instalações da Direção de Auxílio Judicial e delegacias de polícia no interior do país.

Em relação a restrições a protestos sociais, em 23 de março de 2019, a polícia voltou a emitir um comunicado público que proibiu todo tipo de manifestação de protesto, indicando que a “Polícia Nacional não permitirá nenhuma atividade que altere a ordem pública, ameace ou atente contra o direito constitucional ao trabalho, livre mobilização, integridade física de pessoas, famílias e bens públicos e privados.” Além disso, a Comissão foi informada sobre a aplicação de uma prática consistente e documentada de ocupação policial desproporcional de todos os espaços públicos nos quais poderiam ocorrer protestos sociais, com o objetivo de impedi-las antes que ocorram e gerar um ambiente intimidatório e hostil contra estas manifestações.

Nas últimas semanas, outro padrão registrado pela Comissão para impedir toda forma de protesto social é a detenção e pronta liberação de pessoas no marco das manifestações, ou “plantão expresso.” Em 16 de março, a marcha pela liberação de todas as pessoas detidas nos protestos da Nicarágua, convocada pela Unidade Nacional Azul e Branco, foi frustrada pela Polícia Nacional mediante a detenção preventiva de manifestantes. Segundo informações da Polícia Nacional, 107 pessoas foram detidas e logo liberadas; enquanto que organizações não governamentais reportaram a detenção e liberação de aproximadamente 195 pessoas.

Adicionalmente, segundo informações públicas, outras 12 pessoas teriam sido detidas e posteriormente liberadas no marco de demonstrações ocorridas em 30 de março em Manágua, Estelí e León. Em Manágua, o Estado informou que uma pessoa teria ficado ferida em virtude de ações violentas praticadas por manifestantes em um centro comercial da cidade. Segundo informações da sociedade civil, esta pessoa, posteriormente identificada como militante do partido do governo, teria sido rendida por manifestantes após os atacar com uma arma de fogo, resultando em três pessoas feridas.

Em relação com estes últimos protestos, a Comissão ressalta com preocupação o ataque perpetrado por pessoal policial, contra repórteres e jornalistas que cobriam os fatos, que incluiu a detenção, agressão física, e confisco ou destruição de seus equipamentos de trabalho. Em particular, a CIDH recebeu informações sobre a detenção da jornalista Marlen Chow, e de que agentes da Direção de Operações Especiais (DOE) ou antimotins atacaram jornalistas e manifestantes que estavam dentro do estacionamento do Banco FISE de Manágua, no sul da capital, onde haviam se abrigado em virtude da ameaçadora presença policial na área. Nesse contexto, a repórter Cinthya Torres do jornal La Prensa, teria sido agredida física e verbalmente pelos agentes policiais, que tentaram apreender e destruir seu telefone, no momento em que fazia uma transmissão ao vivo pela sua rede social; o câmera do Canal 12, Luis Alemán e seu companheiro Marcos Medina também teriam sido atacados por um grupo de policiais uniformizados. A Comissão também foi informada de que o repórter da agência internacional AFP, Luis Sequeira, teria sido golpeado por agentes antimotins, os quais confiscaram a sua câmera, e a jogaram no chão e quebraram, quando eles estavam filmando uma das prisões.

A CIDH solicita que o Estado da Nicarágua garanta o direito de protesto e manifestação pública. Em várias oportunidades, a CIDH afirmou que o protesto social é uma ferramenta fundamental para o trabalho de defesa dos direitos humanos, e essencial para a expressão crítica política e social das atividades das autoridades. A Comissão recorda que, na democracia, os Estados devem agir com a presunção de que os protestos ou manifestações públicas são lícitas e não constituem uma ameaça à ordem pública.

Além disso, recorda que a Nicarágua tem o dever de garantir que os jornalistas e comunicadores que estejam trabalhando para informar o público durante uma manifestação pública não sejam detidos, ameaçados, agredidos ou limitados de quaisquer formas em seus direitos por estar exercendo a sua profissão. Seu equipamento e ferramentas de trabalho não devem ser destruídos nem confiscados pelas autoridades públicas. A proteção do direito à liberdade de expressão exige que as autoridades assegurem as condições necessárias para que jornalistas possam cobrir fatos de notório interesse público, como aqueles referentes aos protestos sociais.

Situação jurídica das pessoas liberadas no marco da Mesa de Negociação

A Comissão toma nota da liberação, entre 27 de fevereiro e 18 de março de 2019, de 154 pessoas detidas durante os protestos, conforme os anúncios realizados pelo Governo em 27 de fevereiro e 15 de março. Nesse sentido, preocupa a Comissão que, segundo as informações recebidas, as pessoas colocadas em liberdade não possuem informação precisa sobre a sua situação jurídica. O Estado observou genericamente que se trata do benefício de “convivência familiar” ou a modificação da medida cautelar por uma medida que não implica a detenção preventiva. Sobre estes processos, o MESENI documentou uma série de violações às garantias judiciais previstas na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, tais como o direito à defesa adequada e a recursos judiciais efetivos. Além disso, o MESENI recebeu vários relatórios denunciando a perseguição e a recaptura temporária de pessoas liberadas, como ocorreu no caso das detenções arbitrárias temporárias de Alex Vanegas, em 28 de fevereiro, e de Bryan Alemán, em 19 de março. Segundo informações públicas e testemunhos obtidos pelo MESENI, essas detenções possuem o objetivo de dissuadir as manifestações públicas.

A CIDH chama atenção sobre a necessidade de que todas as pessoas liberadas tenham informação precisa sobre sua situação jurídica e garantias para sua segurança mediante a interrupção de atos de perseguição, intimidação e/ou ataques à sua integridade. E ainda, recomenda que a Nicarágua libere todas as pessoas privadas de liberdade de forma ilegal e arbitrária, e enfatiza a importância de que recebam um tratamento digno até serem liberadas, especialmente aquelas que se encontram em celas de máxima segurança.

Negação do restabelecimento da personalidade jurídica de organizações civis

Neste contexto de diálogo, a CIDH lamenta que não se haja restabelecido a personalidade jurídica das organizações da sociedade civil. A Comissão manifesta a sua preocupação pela informação recebida sobre a detenção de três pessoas representantes da Federação Coordenadora de ONGs que Trabalham com Crianças e Adolescentes (CODENI) no país, em 20 de março de 2019. Sem nenhuma fundamentação jurídica, elas teriam sido interrogadas na Delegacia Policial de Juigalpa, departamento de Chontales, por aproximadamente duas horas.

A Comissão reitera que o direto à associação caracteriza-se por possibilitar às pessoas criar ou participar em entidades ou organizações com o objetivo de atuar coletivamente na consecução dos mais diversos fins sempre e quando os mesmos forem legítimos. Além disso, a CIDH recorda que as restrições ao exercício do direito de associação, além de estar previstas em lei, devem buscar uma finalidade legítima e, em última instância, ser necessárias e proporcionais em uma sociedade democrática.

A CIDH exorta o Estado da Nicarágua a suspender o efeito da anulação da personalidade jurídica das entidades afetadas, devolver os seus bens e instalações, e cessar a perseguição, ameaças, intimidação e outras formas de perseguição, tanto destas organizações, como de outras entidades da sociedade civil, permitindo o exercício do direito de associação a serviço da livre difusão de ideias e informação, assim como a defesa de direitos, próprias de uma sociedade democrática.

Agressões a pessoas privadas de liberdade

A CIDH tomou conhecimento de operações de agentes públicos contra pessoas detidas, ocorridas nos dias 5, 8 e 9 de março nas dependências da penitenciária masculina de máxima segurança, La Modelo, que resultaram em revistas e agressões contra os detentos, que estavam protestando dentro da penitenciária. Como resultado destas operações, os detentos Francisco Sequeira, Chester Membreño, Jeffrey Isaac Jarquín, Fredrych Castillo, Ricardo Baltodano e Yubrank Suazo teriam ficado feridos e, além disso, teriam sido transferidos a celas de castigo conhecidas como “inferninho”.

A CIDH recorda o Estado que as revistas, quando realizadas, devem ser praticadas de acordo com protocolos e procedimentos claramente estabelecidos por lei, e de forma tal que respeitem os direitos fundamentais das pessoas privadas de liberdade. Do contrário, podem tornar-se um mecanismo utilizado para castigar e agredir arbitrariamente os reclusos.

O Relator para os Direitos das Pessoas Privadas de Liberdade e para a Prevenção e o Combate à Tortura, Comissário Joel Hernández, observou que “toda manifestação de violência por parte das autoridades quando as pessoas privadas de liberdade estão indefesas poderia caracterizar, dependendo do caso, tortura ou tratamentos cruéis, desumanos e degradantes.”

Por sua parte, a Presidenta da CIDH, Comissária Esmeralda Arosemena de Troitiño expressou: “solicitamos que o Estado da Nicarágua cesse urgentemente os atos de repressão descritos no presente comunicado, os quais persistem desde abril de 2018, e colocam em dúvida a vontade do Estado de avançar para garantir a verdade, justiça, reparação e garantias de não repetição a que toda a sociedade nicaraguense tem direito, e especialmente as vítimas.”

Adicionalmente, a Comissária Antonia Urrejola, Relatora para a Nicarágua, observou: “ressaltamos novamente a importância do respeito e garantia dos direitos humanos, e a liberdade para todas as pessoas privadas de liberdade de forma ilegal e arbitrária.”

A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato surge a partir da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem como mandato promover a observância e defesa dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA na temática. A CIDH é composta por sete membros independentes, que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal, sem representarem seus países de origem ou de residência.

 

No. 090/19