Imprensa da CIDH
Washington, D.C. – A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) apresentou em 3 de fevereiro de 2021 perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos o caso Raghda Habbal e filhos, relativo à Argentina. O caso se refere à privação arbitrária da nacionalidade argentina de Raghda Habbal adquirida por naturalização e da residência permanente das suas três filhas e filhos, assim como às violações das garantias judiciais que se deram no âmbito de ambos os processos.
Raghda Habbal e suas filhas e filhos menores de idade, de nacionalidade síria, obtiveram a residência permanente na argentina em 4 de julho de 1990 através do marido da senhora Habbal, que havia obtido uma permissão de residência. Em 3 de abril de 1992, a senhora Habbal obteve a nacionalidade argentina por naturalização, prévio juramento e renúncia da sua nacionalidade de origem. No entanto, no mês seguinte o Diretor Nacional de População e Migrações emitiu a Resolução Nº 1088, que declarou nulas as residências de Raghda Habbal e suas filhas e filhos, em virtude de uma resolução prévia que havia anulado a residência do seu marido. Em 27 de outubro de 1994, mediante sentença judicial, se declarou nula a decisão que concedeu a cidadania argentina em razão de um acionamento fraudulento para a sua obtenção. Habbal apresentou recurso de apelação e nulidade alegando que não teria sido notificada do processo de acordo com os requisitos legais, que não existia prova sobre a suposta falsidade ideológica dos documentos nem de sua má-fé, e que o Juiz Federal devia ter esperado a decisão no processo penal para determinar se existiu ou não fraude na concessão da cidadania. Tal recurso, assim como todos os que foram interpostos posteriormente, foram denegados.
Em seu Relatório de Mérito, a Comissão observou que a Direção Nacional de Migrações não realizou nenhuma consideração sobre a qualidade de nacional da senhora Habbal e omitiu por completo seu status de cidadania. A Comissão declarou que, embora não haja provas de que as ordens de expulsão e detenção preventiva tenham sido executadas, é apropriado analisar se elas eram compatíveis com a Convenção Americana, já que, ao não terem sido anuladas, incidiram na situação e nos direitos dessas pessoas. Nesse sentido, a Comissão concluiu que a ausência de verificação da condição de nacional, assim como a ordem de expulsão, implicaram na incompatibilidade da decisão proferida com o direito à liberdade de circulação e residência.
Em acréscimo, a CIDH observou que a Resolução Nº 1088 foi proferida de ofício, sem a participação das partes afetadas no processo. Também concluiu que não consta que a senhora Habbal tenha recebido uma comunicação sobre as acusações que contra ela foram apresentadas, que tenha sido ouvida no processo e nem que tenha sido permitida a sua defesa, incluindo representação legal em um momento no qual poderia expor que era nacional e que não era permitida a sua expulsão, tampouco que tenha existido a possibilidade de se questionar a decisão perante autoridade de maior nível hierárquico. Em relação às crianças, estabeleceu que, dado que não está provada sua nacionalidade argentina, devem ser consideradas migrantes em território argentino. Sobre isso, observou que a Resolução Nº 1088 foi emitida sem que tenham sido cumpridas as garantias mínimas que devem ser oferecidas nesse tipo de processo, conforme os parâmetros da jurisprudência interamericana. Concluiu que não consta que Raghda Habbal ou seu esposo, como mãe e pai de três crianças, tenham recebido uma comunicação sobre o procedimento que se precipitava, nem que tenham sido escutados no processo ou que lhes tenha sido permitido contar com representação legal.
Com relação à ordem de detenção contra Habbal e suas filhas e filhos, a CIDH considerou que ela não foi motivada, já que teve como único fundamento o fato de que as quatro pessoas envolvidas no processo eram consideradas migrantes irregulares. Concluiu que a medida de detenção preventiva não identificou qual era o fim legítimo que perseguia, nem porque era necessária, idônea e proporcional. No caso da senhora Habbal, a CIDH também observou que a ordem não era procedente porque a senhora Habbal era cidadã argentina, e no caso das crianças considerou que não foi respeitado o princípio da não detenção migratória de crianças, porque o Estado não explicou a existência de circunstâncias excepcionais e legalmente previstas, suscetíveis de justificar a detenção preventiva. Ademais, observou que as autoridades não consideraram que Raghda Habbal havia concebido um filho na Argentina.
Por último, a Comissão considerou que as autoridades argentinas não levaram em conta que a senhora Habbal poderia estar em uma situação de apatridia, visto que lhe foi exigido renunciar à sua nacionalidade de origem para obter a argentina e, posteriormente, se viu privada desta última; e concluiu, além disso, que as violações das garantias judiciais se deram tanto no âmbito do processo administrativo que anulou as residências, quanto no processo judicial que privou Raghda Habbal da nacionalidade argentina.
Diante do exposto, a Comissão determinou que o Estado da Argentina é responsável pela violação dos direitos às garantias judiciais, do princípio da presunção da inocência, do princípio da legalidade, dos direitos das crianças, do direito à nacionalidade, à liberdade de circulação e residência e à proteção judicial, dispostos nos artigos 8.1, 8.2 b), c), d) e h), 9, 20, 22.1, 22.5, 22.6 e 25.1 da Convenção Americana, combinados com seu artigo 1.1.
Em seu Relatório de Mérito a Comissão recomendou ao Estado:
1. Reparar integralmente as violações de direitos humanos declaradas no relatório de mérito tanto no aspecto material como imaterial. O Estado deverá adotar as medidas de compensação econômica e satisfação.
2. Deixar sem efeito a Resolução Nº 1088 da Direção Nacional de População e Migrações que anulou a residência das vítimas.
3. Caso seja desejo da vítima, reabrir o processo judicial que culminou na anulação da nacionalidade argentina da senhora Raghda Habbal e desenvolvê-lo em conformidade com os princípios do sistema interamericano expostos no relatório e com respeito ao princípio da presunção da inocência, da legalidade, dos deveres de prevenção da apatridia e das garantias processuais.
4. Adotar uma política de capacitação das autoridades nacionais competentes em matéria migratória e de nacionalidade, a fim de assegurar seu treinamento nos parâmetros do sistema interamericano relacionados à população migrante e aos limites das autoridades estatais a emitir ordens de anulação de residência, de cidadania, assim como de detenção preventiva e de expulsão de pessoas de um território. Em especial, enfatizar os limites das autoridades quando adotam tais decisões em relação a crianças.
A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato surge a partir da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem como mandato promover a observância e defesa dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA na temática. A CIDH é composta por sete membros independentes, que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal, sem representarem seus países de origem ou de residência.
No. 039/21