Imprensa da CIDH
Washington, D.C. – A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) apresentou, em 5 de janeiro de 2022, perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), o Caso Comunidades Quilombolas de Alcântara, relativo ao Brasil, sobre a violação da propriedade coletiva de 152 comunidades, devido à falta da emissão de títulos de propriedade das suas terras, à instalação de uma base aeroespacial sem a devida consulta e consentimento prévio, a expropriação das suas terras e territórios, e a falta de recursos judiciais para remediar tal situação.
Esses povos tradicionais, majoritariamente de ascendência indígena e africana, se assentam no município de Alcântara, na região noroeste do Brasil. Eles formam uma unidade composta por uma rede de aldeias baseada na interdependência e na reciprocidade, que reclama aproximadamente 85.537 hectares de terras e territórios ancestrais. Em 1980, foi declarada a "utilidade pública" de 52 mil hectares do território habitado por 32 comunidades quilombolas. O Estado brasileiro expropriou tais hectares, reassentou seus habitantes em 7 agrovilas e iniciou a criação do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) para desenvolver um programa espacial nacional.
Em seu Relatório de Mérito, a CIDH analisou as obrigações do Estado quanto à propriedade tradicional das comunidades quilombolas. Com relação às comunidades não reassentadas, observou que até o presente não contam com títulos de propriedade coletiva sobre os seus territórios tradicionais, apesar das gestões realizadas pelas comunidades, e considerou que a falta de titulação tem impedido que possam usar e gozar das suas terras de modo pacífico.
Com respeito às comunidades reassentadas, concluiu que o Estado descumpriu suas obrigações internacionais ao não garantir que as restrições ao direito de propriedade por motivos de utilidade pública tenham respeito o direito à propriedade ancestral e à consulta prévia. Além disso, determinou que o Estado não realizou um processo de reassentamento adequado, não concedeu uma indenização integral que permitisse às comunidades participar dos benefícios do projeto, nem realizou estudos socioambientais para identificar o impacto sobre os direitos das comunidades quilombolas.
Por outro lado, concluiu que o desenvolvimento do CLA alterou o modo de vida de todas as comunidades quilombolas de Alcântara, visto que estas estão estruturadas em um sistema de intercâmbio de bens e recursos que permite seu desenvolvimento e sobrevivência. A Comissão ressaltou que as restrições e proibições impostas impediram o livre acesso das comunidades às suas terras e lugares sagrados, violando suas tradições e sua sobrevivência cultural e espiritual. Atualmente, as populações reassentadas não contam com acesso a uma moradia digna e enfrentam diversas dificuldades devido à má qualidade das terras alternativas, à escassez de água, à degradação do meio-ambiente causada pela exploração madeireira e pelas restrições de acesso a determinados lugares, incluindo o mar, aspectos que têm afetado a agricultura, o cultivo de alimentos para sobrevivência, a caça e a pesca. Tudo isso inserido em um contexto geral de múltiplas vulnerabilidades, o que aprofunda a discriminação sistemática, a ausência de proteção territorial, a falta de acesso à justiça, o abandono, a indiferença e ausência do Estado para resolver a problemática que afeta essas comunidades historicamente excluídas e em situação de pobreza extrema.
Com base em tais determinações, a Comissão concluiu que o Estado é responsável pela violação dos direitos à integridade pessoal, às garantias judiciais, à liberdade de expressão e associação, à proteção à família, à propriedade, aos direitos políticos, à igualdade perante a lei, à proteção judicial e aos direitos econômicos, sociais e culturais da Convenção Americana, combinados com seus artigos 1.1 e 2, assim como de diversos direitos estabelecidos na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem.
A CIDH recomendou ao Estado brasileiro, entre outras: adotar medidas para obter a delimitação, demarcação e a titulação completa do território ancestral das comunidades quilombolas de Alcântara, garantindo a elas uma posse segura de acordo com os limites reconhecidos e conforme a sua identidade cultural, estrutura social, sistema econômico, costumes, crenças e tradições distintivas; adotar medidas para que as terras alternativas ocupadas atualmente pelas comunidades reassentadas garantam a livre determinação dos seus membros e seu direito de viver de maneira pacífica seu modo de vida tradicional; e reparar integralmente as consequências das violações declaradas no relatório de mérito.
A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato surge a partir da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem como mandato promover a observância e defesa dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA na temática. A CIDH é composta por sete membros independentes, que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal, sem representarem seus países de origem ou de residência.
No. 013/22
11:45 AM