A CIDH e a REDESCA expressam sua preocupação com a falta de acesso universal e equitativo às vacinas contra o COVID-19 nas Américas, conclamando à solidariedade regional com os países de menor renda

25 de outubro de 2021

Washington D.C. – Diante do impacto desproporcional da pandemia de COVID-19 nas Américas, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e a Relatoria Especial sobre Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (REDESCA) expressam sua preocupação em face dos obstáculos existentes para o acesso universal e equitativo às vacinas, especialmente para os países de baixa e média renda; em particular, com respeito a certos grupos em situação extrema de vulnerabilidade ou discriminação histórica.

A dez meses do começo da imunização contra o COVID-19 na região, a Comissão e a Relatoria Especial DESCA reiteram de maneira enfática que as vacinas são um bem público mundial e regional, o que requer não apenas que sejam tomadas medidas concretas para assegurar seu alcance a todas as pessoas – com base no princípio de igualdade e não discriminação -, como também que a equidade seja assegurada como um componente chave para a sua distribuição entre e dentro dos países, no âmbito das obrigações derivadas da Carta da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem, bem como da Convenção Americana de Direitos Humanos e do Protocolo de San Salvador. Isso também em conformidade com as recomendações estabelecidas pela CIDH para abordar a pandemia com um enfoque de direitos, por meio das suas Resoluções N° 1/2020N° 4/2020N° 1/2021, e demais pronunciamentos realizados no âmbito da sua SACROI-COVID19, em face dos quais se faz um chamado aos Estados para que tais parâmetros sejam implementados de maneira efetiva.

A CIDH e sua REDESCA observam que, das mortes em nível mundial por COVID-19, 30% se deram na região, ainda que represente apenas 8,4 % da população. Igualmente, registram a significativa disparidade em nível regional, na qual, no mês de julho, enquanto em alguns países da América do Norte a proporção da população com esquema de vacinação completo era de aproximadamente 49,3%, na América Latina e no Caribe a taxa era de 16,8% (com a América do Sul em 17,2%, a América Central em apenas 7,4% e o Caribe em 10%), com alguns países nos quais sequer se havia alcançado 1% de inoculação. Desse modo, no final de setembro, a Organização Pan-americana da Saúde (OPS) alertou que apesar da administração de mais de um bilhão de doses nas Américas desde que estiveram disponíveis, somente 35% das pessoas na América Latina e no Caribe haviam sido imunizadas completamente. Assim, ainda que, em outubro, alguns países da região tenham vacinado mais de 70% da sua população, a maioria não ultrapassa 40% de cobertura com esquema de vacinação completo, com seis países que não alcançaram sequer 20% da sua população e requerem maior apoio internacional – sendo estes: Jamaica, Santa Lúcia, São Vicente e Granadinas, Haiti, Guatemala e Nicarágua. Sobre isso, a OEA estimou que 90% das pessoas nos países de baixa renda não terão acesso a nenhuma vacina contra o COVID-19 no ano de 2021. Por sua vez, a CEPAL prevê que a região não conseguirá vacinar 80% da sua população neste ano.

Tal situação, que é capaz de prolongar a emergência sanitária em nível mundial e regional, seria resultado não apenas da presença de variantes perigosas – tais como a Delta ou a P1 do coronavírus, com maior carga viral e capacidade de transmissão – mas também do acesso desigual às vacinas entre e dentro dos países, com um impacto desproporcional nos de baixa e média renda, nos quais, em setembro, somente 20% das pessoas haviam recebido a primeira dose da vacina, em comparação com 80% das pessoas em países de renda alta e média alta. No mesmo sentido, se observa que diversos grupos em situação de mobilidade humana, pessoas em zonas rurais remotas ou de difícil acesso, pessoas em situação de rua, entre outras, não foram priorizadas nos planos de vacinação nacionais na maioria dos países da região.

Ao quadro acima exposto soma-se um panorama regional complexo que agrava a situação, que presentemente tem se caracterizado por um elevado ceticismo público quanto às vacinas; a ausência de planos de vacinação e roteiros de imunização, assim como atrasos na implementação dos planos de vacinação em alguns países da região ou a falta de sua difusão ativa. Além disso, em ao menos cinco países da região saíram a público casos de corrupção nos processos de imunização, nos quais se priorizou de modo irregular o acesso às vacinas para personalidades políticas, funcionários públicos e/ou pessoas empresárias reconhecidas, juntamente com seus próximos, apesar de não fazerem parte dos grupos prioritários.

No mesmo sentido, se observa com preocupação o predomínio da propriedade intelectual sobre os direitos humanos, que decorre da ausência de um intercâmbio suficiente de informações e tecnologia em matéria de vacinação e tratamentos, assim como da falta de consenso para liberar as patentes das vacinas, e, com isso, atrasos para a produção de mais vacinas e tratamentos relacionados para fazer frente ao COVID-19. Isto junto com a prevalência do sigilo e da opacidade nos contratos assinados com empresas farmacêuticas para compra de antígenos, que incluíram várias cláusulas de confidencialidade impeditivas do acesso efetivo à informação e que seriam prejudiciais à obrigação de transparência ativa e à capacidade de negociação dos Estados.

Nesse cenário, a CIDH e a REDESCA estão preocupadas com os anúncios e planos para fornecer doses de reforço contra o COVID-19 por alguns Estados, dos quais quase um terço dos países das Américas iniciaram ou estão prestes a iniciar a aplicação de doses de reforço. Isto enquanto na maioria dos países da região uma grande proporção das pessoas segue sem sequer ter recebido a primeira dose – incluindo, em alguns casos, pessoal de saúde e grupos priorizados, tais como pessoas idosas ou que vivem com enfermidades preexistentes. Vale notar que são precisamente aqueles países que já fizeram uso da maior parte do fornecimento de vacinas contra o COVID-19 os que estão se adiantando com esse tipo de iniciativa.

Em tal cenário, e considerando as obrigações interamericanas na matéria, a CIDH e sua REDESCA chamam os Estados membros da Organização dos Estados Americanos a:

  • Pôr em marcha planos nacionais que assegurem o acesso equitativo e universal às vacinas, sem discriminação, e que considerem o Marco de valores do Grupo de Especialistas em Assessoramento Estratégico sobre Imunização (SAGE) da Organização Mundial de Saúde (OMS).
  • Garantir, a partir de enfoques diferenciados, interseccionais e interculturais, a divulgação ativa de informações adequadas e suficientes sobre as vacinas, os planos de vacinação e as informações relativas à aquisição, importação, distribuição, priorização e aplicação das vacinas, além dos processos e procedimentos de controle e vigilância.
  • Para fazer frente ao ceticismo público quanto às vacinas, implementar ações concretas que contribuam para o fortalecimento da segurança nas instituições de saúde pública e no conhecimento de base científica sobre a segurança das vacinas contra o COVID-19 e seu processo de desenvolvimento.

A partir da disponibilidade de informações suficientes e adequadas, e no intuito de salvar vidas com base no princípio da solidariedade, a Comissão e sua REDESCA fazem um chamado para que toda pessoa que tenha a possibilidade de se vacinar prossiga com seu processo de imunização, não apenas com o propósito de salvaguardar sua saúde e sua vida, mas também com o de contribuir para conter a pandemia de COVID-19.

Por sua vez, a CIDH e sua REDESCA fazem um firme chamado para erradicar a corrupção no âmbito da distribuição e aplicação das vacinas, assim como para garantir que a propriedade intelectual, as patentes e o segredo empresarial não sigam sendo um impedimento para o direito à saúde no contexto da pandemia. Em acréscimo, a Comissão e sua Relatoria Especial DESCA aderem ao chamado da OMS para implementar uma moratória às doses de reforço até pelo menos o final do ano, para que ao menos 40% da população de todos os países esteja vacinada e a lacuna na vacinação não continue aumentando.

Nesse sentido, se exorta a fortalecer a cooperação internacional para articular ações regionais efetivas que impulsionem o desenvolvimento tecnológico e o intercâmbio de informações e tecnologia em matéria de vacinação e tratamentos frente ao COVID-19, fortalecendo a capacidade de produção de medicamentos e tecnologias sanitárias essenciais diante do COVID-19 nas Américas. Diante desse ponto, a CIDH e sua REDESCA registram a aprovação por parte dos países membros da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) das diretrizes e propostas para um plano de autossuficiência sanitária para a América Latina e o Caribe elaborados pela CEPAL. No mesmo sentido, destacam a iniciativa da OPS, em colaboração com a OMS, para a produção de vacinas na região.

A Comissão e sua Relatoria Especial DESCA reiteram que a cooperação internacional deve estar orientada pelo princípio da solidariedade internacional, segundo o qual as medidas associadas às restrições à mobilidade humana no contexto da pandemia – incluindo os passaportes sanitários ou outros documentos que comprovem a imunização contra a COVID-19 -, devem observar os princípios de igualdade e não discriminação, assim como as particularidades dos planos de vacinação dos países de origem. Assim, se deve evitar que mediante a imposição desse tipo de medida se forneçam informações que não estejam baseadas no conhecimento científico e que se convertam em um vetor de desinformação sobre as vacinas e sua segurança.

Isso para garantir o direito à saúde, o direito de usufruir dos benefícios do progresso científico, outros DESCA e o conjunto dos direitos humanos, no âmbito da pandemia e suas consequências. Especificamente, se conclama a que essas ações tenham um enfoque de direitos humanos e estejam orientadas pelo princípio da solidariedade internacional, atendendo em especial os desafios para o acesso às vacinas contra o COVID-19 por parte dos países de menor renda. Isso conforme o disposto na Resolução 1/2020 sobre Pandemia e Direitos Humanos nas Américas, a Resolução 4/2020 sobre os direitos das pessoas com COVID-19 e a Resolução 1/2021 sobre as vacinas contra o COVID-19 no âmbito das obrigações interamericanas de direitos humanos.

Por último, diante dos sérios riscos que continuam sendo gerados pela falta de acesso universal, equitativo e oportuno às vacinas contra o COVID-19 na região, se exorta à adoção de políticas públicas, incluindo políticas fiscais, que permitam uma redistribuição equitativa das vacinas e o fortalecimento dos sistemas de proteção social e dos sistemas de saúde.

A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato surge a partir da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem como mandato promover a observância e defesa dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA na temática. A CIDH é composta por sete membros independentes, que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal, sem representarem seus países de origem ou de residência.

No. 282/21

10:00 AM