A CIDH condena o uso excessivo da força e a repressão contra os povos indígenas maias q'eqchi', jornalistas e meios de comunicação em El Estor, na Guatemala

4 de novembro de 2021

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Washington, D.C. – A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) condena o uso excessivo da força contra manifestantes e integrantes das comunidades maias q'eqchi', bem como atos repressivos contra jornalistas e meios de comunicação registrados nos últimos dias no Município de El Estor, departamento de Izabal na Guatemala; e urge o Estado a investigar as denúncias de violência com a devida diligência, e a respeitar e garantir a liberdade de expressão, o protesto social e os direitos dos povos indígenas.

Nos dias 22 e 23 de outubro, segundo informações públicas, agentes da Polícia Nacional Civil (PNC) reprimiram violentamente, com uso excessivo da força e emprego indiscriminado de gás lacrimogênio, manifestantes, jornalistas e integrantes do povo maia q'eqchi', que mantinham ações pacíficas e bloqueios há mais de 20 dias, em protesto contra o funcionamento da mina Fénix em seu território. A Procuradoria dos Direitos Humanos da Guatemala (PDH) informou que, após a ação indiscriminada dos agentes de segurança, várias pessoas ficaram feridas, entre elas crianças e adolescentes, idosos e jornalistas que se encontravam cobrindo os acontecimentos. De acordo com o PDH, em 23 de outubro, 7 agentes da PNC foram feridos por armas de fogo.

Como afirmado pela CIDH e sua Relatoria para a Liberdade de Expressão, o protesto representa uma ferramenta fundamental para que diferentes grupos da população possam expressar sua identidade e canalizar suas reivindicações, razão pela qual em muitos casos as manifestações sociais podem se traduzir em formas de discurso especialmente protegidos pelo direito à liberdade de expressão. Por isso, a Comissão chamou os Estados a adotar medidas positivas para garantir o direito de protesto a grupos especialmente vulneráveis, como os povos indígenas.

A Comissão lembra que, ainda que o Estado tenha o dever legítimo de garantir a segurança e a ordem pública, o uso da força deve se reger pelos princípios da legalidade, estrita necessidade e proporcionalidade; e que o Estado tem o dever de respeito e de garantia ao trabalho das pessoas jornalistas em contextos de manifestações, em atenção ao importante papel que cumprem na documentação dos fatos e da atuação da força pública. A CIDH rechaça o acionamento das forças de segurança para promover violência contra as pessoas manifestantes e a imprensa; além disso, insta o Estado a realizar uma investigação das denúncias de violência de maneira pronta, exaustiva e diligente.

A habilidade de se reunir e de se associar constitui um componente chave para o empoderamento das comunidades indígenas. Nesse sentido, conforme a Declaração das Nações Unidas sobre os direitos dos povos indígenas, as formas de associação e organização dos povos indígenas gozam de uma proteção específica quando estão relacionadas com direitos especialmente protegidos, como por exemplo sua identidade cultural e suas terras.

Em seu relatório sobre protesto e direitos humanos, a Comissão reiterou que, conforme as normas e parâmetros internacionais, os Estados devem restringir a realização de desalojamentos forçados e estão obrigados a adotar medidas de proteção às pessoas e comunidades prejudicadas por tais operações, pois os casos de desalojamento forçado são "prima facie incompatíveis" com os princípios do direito internacional.

Posteriormente às denúncias de violência registradas, em 24 de outubro, o Presidente da República decretou o estado de sítio no município de El Estor, entre outras razões, "ao considerar que foram realizadas ações que violaram a ordem, a governabilidade e a segurança dos habitantes" e "porque pessoas e grupos armados" realizaram "atos violentos contra as forças de segurança e a liberdade de locomoção dos habitantes". Após a declaração, ratificada pelo Congresso em 25 de outubro, agentes da PNC e do Exército foram destacados para o município de El Estor. Em tal contexto, a CIDH recebeu informações sobre batidas nas residências de casas de jornalistas da Prensa Comunitaria, assim como buscas policiais nas instalações da rádio comunitária Xyaab' Tzuultaq'a e na Defensoria Q'eqchi'.

Quanto ao estado de sítio decretado, a Comissão lembra ao Estado da Guatemala que tais medidas são excepcionais e devem se adequar aos requisitos do direito internacional, e que não constituem uma resposta sustentável e eficaz para enfrentar e resolver os conflitos sociais ou políticos. Por sua vez, o Estado guatemalteco afirmou à CIDH que o decreto de estado de sítio no município de El Estor atende aos parâmetros do direito internacional dos direitos humanos.

Por outro lado, as informações recebidas pela CIDH afirmam que as atividades de exploração da mina Fênix, pela empresa Compañia Guatemalteca de Níquel (CGN), subsidiária da empresa russa Solway Investment Group, poderiam contaminar gravemente o lago Izabal, destruir a flora e a fauna regionais, e pôr em perigo a saúde e a vida da população da zona; razão pela qual foram rechaçadas pela população da zona e pelos Conselhos Ancestrais e comunidades maia q'eqchi'. Nesse contexto, a Comissão Interamericana tomou conhecimento de que, mediante sentença de 18 de junho de 2020, a Corte de Constitucionalidade da Guatemala confirmou um recurso de amparo provisório deferido em 2019 às comunidades afetadas.

Em sua sentença, a CC determinou que houve a violação aos direitos dos povos indígenas em participar na formulação, aplicação e avaliação dos planos e programas de desenvolvimento econômico, social e cultural que os afetam diretamente. Em consequência, ordenou às autoridades competentes que realizassem um processo de consulta prévia previsto na Convenção 169 da OIT, com os povos assentados na área de influência do Projeto de Mineração Fénix. Quanto a isso, o Estado da Guatemala afirmou à CIDH que, nesse caso, se guiou pela legislação desenvolvida no momento no país para a implementação de consultas a povos indígenas, respeitando, também, o direito efetivo das populações de se manifestarem sobre temas que lhe digam respeito. Afirma que dialogou com as pessoas que solicitaram serem inscritas no processo de consulta prévia e com pessoas que apresentaram seus recursos de amparo, escutando atentamente suas reivindicações e respondendo a elas a partir dos critérios que a mesma Corte estabelece para o desenvolvimento da consulta. A CIDH observa que, ainda que a CC tenha ordenado manter a suspensão das atividades de mineração enquanto não fosse concluído o processo de consulta, as atividades da mineradora continuaram.

A CIDH reitera que a relação única entre os povos indígenas e seus territórios têm sido amplamente reconhecida no direito internacional dos direitos humanos, assim como o dever dos Estados de garantir e proteger tais territórios. Além disso, reafirma que o direito à livre determinação dos povos indígenas tem estreita relação com o uso e a disposição das terras e territórios. Nesse sentido, a Comissão reitera o dever do Estado da Guatemala de consultar de forma prévia, livre e informada os povos indígenas sobre as atividades administrativas e legislativas com o fim de obter o consentimento. Não o fazer contraria os parâmetros internacionais sobre a matéria e põe em perigo seus direitos fundamentais à participação e às suas terras, territórios e recursos naturais.

Além disso, a CIDH lembra à Guatemala o dever de cumprir com as obrigações de respeito e garantia dos direitos humanos relacionadas às atividades empresariais que se desenvolvem em seu território, exortando à aplicação urgente dos critérios, parâmetros e recomendações contidos no relatório "Empresas e Direitos Humanos: Parâmetros Interamericanos", elaborado pela Relatoria Especial sobre os Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (REDESCA), no âmbito dos fatos descritos. Em especial, a CIDH e a REDESCA lembram ao Estado seu dever de ouvir efetivamente as pessoas, comunidades e populações afetadas, levando a sério suas preocupações, como parte da sua obrigação de prevenir violações e supervisionar o efetivo gozo dos direitos humanos no âmbito das atividades empresariais.

Tais obrigações são reforçadas quando, como ocorre com os habitantes do Município de El Estor, da proteção dos seus territórios depende a realização de outros direitos, como o direito à alimentação, à água ou ao meio-ambiente sadio, cuja satisfação é fundamental para a subsistência dos povos que ali habitam. Assim, a CIDH e sua REDESCA chamam o Estado à aplicação urgente de uma perspectiva de direitos humanos, também de direitos humanos e empresas, em todas as medidas que sejam adotadas para lidar com os conflitos sociais gerados pelas atividades da Mina Fénix, incluindo-se o efetivo exercício do direito à consulta prévia, livre e informada dos povos indígenas e a participação efetiva da população em relação a projetos e atividades empresariais que a afetem.

A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato surge a partir da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem como mandato promover a observância e defesa dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA na temática. A CIDH é composta por sete membros independentes, que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal, sem representarem seus países de origem ou de residência.

No. 293/21

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