Imprensa da CIDH
Washington, D.C. – A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) publica o relatório "Concentração de Poder e Enfraquecimento do Estado de Direito na Nicarágua", que aborda a grave crise política, social e de direitos humanos na Nicarágua em um contexto de completo enfraquecimento do Estado de Direito e de uma profunda deterioração em matéria de direitos humanos no período que antecede as próximas eleições gerais a serem realizadas no dia 7 de novembro.
A concentração do poder pelo Executivo facilitou a transformação da Nicarágua em um estado policial, no qual o Governo instalou um regime de supressão de todas as liberdades, por meio do controle e da vigilância da cidadania e da repressão através dos órgãos de segurança estatais e paraestatais, endossados pelos demais poderes do Estado, e em acordo com as instituições de controle. Não existe no país um sistema de pesos e contrapesos, já que todas as instituições respondem às decisões do Executivo.
Neste ano, a CIDH constatou a intensificação da repressão através da detenção arbitrária e da criminalização de mais de 30 pessoas sob acusações infundadas e sem as devidas garantias judiciais, incluindo 7 pessoas pré-candidatas à Presidência, que permanecem privadas de liberdade, e algumas das quais contam com medidas provisórias da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH). Nesse sentido, durante o ano de 2021 a CIDH emitiu 32 resoluções de medidas cautelares para pessoas beneficiárias, em sua maioria, pessoas defensoras, líderes de opinião e/ou opositoras ao Governo, entra as quais se encontram lideranças de movimentos sociais, jornalistas, mulheres defensoras de direitos humanos e pessoas pré-candidatas presidenciais.
Também se observou a supressão da personalidade jurídica de 3 partidos políticos e o contínuo assédio às organizações civis e de direitos humanos mediante o contínuo fechamento do espaço democrático e da imprensa independente. Com tais ações, o Governo busca se perpetuar no poder através de eleições que não dão as mínimas garantias de liberdade, acesso à informação, transparência e pluralidade, em um contexto de fechamento de todos os espaços democráticos e de impunidade estrutural.
A Comissão analisa como esta situação veio sendo gestada desde há mais de duas décadas, com o chamado pacto "Alemão-Ortega" de 1999, pelo qual se instaurou no país um sistema bipartidário com o objetivo de facilitar a cooptação dos mais altos cargos da administração pública, e que segue vigente no presente. O processo de concentração do poder no Executivo se intensificou no ano de 2007 quando o Presidente Daniel Ortega assumiu seu segundo mandato na Presidência da República, e terminou por se consolidar a partir da crise de direitos humanos iniciada em abril de 2018.
Estas ações puderam se materializar mediante o concurso de diferentes instituições estatais, a Assembleia Nacional, as instituições do Poder Judiciário, como a Corte Suprema de Justiça, o Conselho Supremo Eleitoral, e mediante a falta de órgãos de controle independentes e imparciais. Além disso, foram realizadas uma série de reformas em matéria eleitoral, de modo sucessivo até 2021, que, no seu conjunto, incorporaram regras que restringem a competência eleitoral e o exercício dos direitos políticos.
Desse modo, apesar de existir uma vedação constitucional para a reeleição, em 2010 o Pleno da Corte Suprema permitiu que o Presidente Daniel Ortega se apresentasse como candidato à presidência nas eleições de novembro de 2011. Posteriormente, mediante uma reforma constitucional, a Assembleia Nacional habilitou a reeleição presidencial indefinida. Na recente Opinião Consultiva OC-28-21 "A figura da reeleição presidencial indefinida em sistemas presidenciais no contexto do Sistema Interamericano de Direitos Humanos", a Corte IDH estabeleceu que a habilitação da reeleição presidencial indefinida é contrária aos princípios de uma democracia representativa e, portanto, às obrigações estabelecidas na Convenção Americana e na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem.
Tal como tem reiterado em numerosos relatórios e comunicados de imprensa, para a CIDH, o Poder Judiciário da Nicarágua carece de independência e imparcialidade, devido, entre outros fatores, à sua conformação bipartidária e às reformas legais que desde 2010 permitiram processos de designação e permanência contrários ao princípio da independência judicial. A tais fatores se soma uma carreira judicial sem garantias de imparcialidade. Além disso, a designação de pessoas de filiação partidária e próximas ao Executivo no Ministério Público tem significado a progressiva perda da sua independência e autonomia por meio da sua instrumentalização aos interesses do governo, conforme se observa claramente nos fatos ocorridos neste ano.
Toda essa situação não teria sido possível sem que houvesse o controle dos organismos e instituições encarregadas da segurança do Estado, como a Polícia Nacional, o Exército e a criação de aparatos de controle e vigilância da cidadania como os Conselhos de Poder Cidadão (CPC). Tudo isso ficou em evidência na repressão estatal aos protestos sociais iniciadas em 2018 e conforme tem reiterado a CIDH em seus diversos relatórios e comunicados de imprensa nos últimos anos.
O relatório da Comissão dá conta do papel de todas as instituições mencionadas tanto no processo de concentração do poder político, como nas diferentes modalidades de repressão que foram denunciadas pela CIDH. Em especial, sobre as diferentes etapas e modalidades da repressão e como elas terminaram na completa ruptura do princípio da separação dos poderes e na instalação de um estado de exceção de fato, que foi corroborado no relatório sobre os casos de violência ocorridos entre 18 de abril e 30 de maio de 2018 do GIEI-Nicarágua, publicado em 20 de dezembro de 2018. A Comissão identificou, entre outros, assédio e repressão contra qualquer pessoa considerada como opositora ao Governo, o uso arbitrário da força letal e não letal, o que resultou em violações ao direito à vida e à integridade pessoal, detenções arbitrárias, buscas, ameaças, maus-tratos, criminalização mediante processos judiciais com acusações infundadas, irregularidades nas garantias judiciais e no acesso à justiça, o fechamento de espaços democráticos, suspensão de liberdades e violações da liberdade de expressão. Tudo isso perpetrado por grupos policiais e milícias afins ao Executivo.
No âmbito da grave crise de direitos humanos iniciada em 18 de abril de 2018 e da profunda deterioração da institucionalidade democrática que afeta o país, as eleições gerais de novembro de 2021 representavam para a sociedade nicaraguense a possibilidade de se iniciar um período transicional para alcançar o restabelecimento do Estado de Direito e da democracia, assim como a garantia do direito à memória, à verdade e ao acesso à justiça das vítimas da violência estatal. No entanto, todas as medidas arbitrárias adotadas pelo Executivo, em especial as executadas no presente ano, evidenciam que o processo eleitoral das próximas semanas não cumpre com todos os parâmetros interamericanos para garantir eleições livres, justas, transparentes e pluralistas.
O grande desafio que hoje a Nicarágua enfrenta é o restabelecimento das garantias e liberdades fundamentais de um Estado Democrático de Direito que permitam retomar a democracia representativa e participativa e a separação efetiva dos poderes. Para tanto, devem ser garantidas as condições para a realização de eleições justas, livres e transparentes em conformidade com os princípios estabelecidos na Carta Democrática Interamericana. Nesse contexto, a Comissão realiza no relatório uma série de recomendações voltadas ao Estado da Nicarágua e à comunidade internacional.
A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato surge a partir da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem como mandato promover a observância e defesa dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA na temática. A CIDH é composta por sete membros independentes, que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal, sem representarem seus países de origem ou de residência.
No. 284/21
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