Imprensa da CIDH
Washington, D.C. – A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) apresentou em 13 de fevereiro de 2021 perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) o caso Santiago Leguizamón Zaván e família, relativo ao Paraguai. O caso se refere à morte de Santiago Leguizamón em 26 de abril de 1991, um importante e conhecido jornalista e defensor de direitos humanos de Pedro Juan Caballero, uma das zonas mais violentas do Paraguai na fronteira com o Brasil, por motivos que estariam vinculados à sua profissão, assim como à falta de adoção de medidas adequadas e oportunas por parte do Estado para protegê-lo e prevenir a ocorrência de tais fatos. Também diz respeito à falta de uma investigação efetiva e diligente desses fatos, consistente com os parâmetros internacionais aplicáveis, e à impunidade na qual o caso se encontra.
Em seu Relatório de Mérito, a Comissão destacou que o jornalismo representa uma das manifestações mais importantes da liberdade de expressão e de informação. Também destacou o papel transcendental que o jornalismo cumpre para que a sociedade se mantenha informada, condição necessária para fortalecer o debate público. Por isso, pessoas jornalistas e trabalhadoras dos meios de comunicação podem se encontrar em uma situação de vulnerabilidade devido ao papel que cumprem na sociedade, que em muitas ocasiões as coloca em uma situação de risco para sua vida e para sua integridade pessoal.
A CIDH analisou a violação do direito à vida sob o dever de proteção e prevenção como componente da obrigação de garantia, visto que o assassinato do jornalista teria sido de autoria de atores não estatais; e considera-se que havia elementos de convicção suficientes e consistentes para permitir concluir que o assassinato de Santiago Leguizamón estava vinculado ao seu trabalho jornalístico, em especial porque investigava temas de grande interesse público nos quais estariam envolvidos importantes grupos de poder em uma zona violenta no Paraguai, com presença do crime organizado. A Comissão também considerou que o jornalista recebeu uma série de ameaças, inclusive de morte, como resposta ao tipo de investigação que realizava e aos artigos que publicava, em virtude do que se encontrava em uma situação de risco real e imediato. Também concluiu que o Estado teve conhecimento do risco no qual se encontrava Santiago Leguizamón e que, apesar disto, não realizou uma análise da situação, não ofereceu informações oportunas sobre as medidas disponíveis, em especial em face da desconfiança por parte do periodista sobre a efetividade das medidas que o Estado poderia adotar, nem tomou medidas de proteção oportunas e necessárias em benefício do jornalista para prevenir a sua morte. Por todo o exposto, a CIDH concluiu que o Estado do Paraguai é responsável internacionalmente pela morte do jornalista, já que não atuou em conformidade com o seu dever de prevenção e proteção, e não garantiu seu direito à liberdade de expressão.
A Comissão também concluiu que a investigação e o processo penal não observaram os parâmetros de devida diligência e de prazo razoável, nem seguiram uma linha lógica de investigação vinculada ao exercício do trabalho jornalístico da vítima que buscasse identificar e investigar todos os possíveis autores materiais e intelectuais do crime. Ademais, se ressaltou a falta de devida diligência e de atrasos injustificados nas solicitações de cooperação internacional dirigidas ao Brasil, visto que o assassinato ocorreu em uma zona fronteiriça e que vários dos supostos autores materiais se encontrariam no país limítrofe, sem possibilidade de serem extraditados. A CIDH ressaltou a importância de se criar protocolos de investigação para os delitos cometidos contra a liberdade de expressão que sigam critérios mínimos e estabeleçam a obrigação de esgotar as linhas lógicas de investigação relacionadas à referida ocupação. Nesse sentido, concluiu que o Estado do Paraguai violou o direito às garantias judiciais e à proteção judicial em prejuízo da família de Santiago Leguizamón.
A Comissão também declarou responsável o Estado pela violação do direito à integridade psíquica e moral em prejuízo da família do jornalista, pelo sofrimento e aflição gerados pelas referidas violações.
Com base nas considerações acima, a CIDH concluiu que o Estado do Paraguai é responsável pela violação dos direitos à vida e à liberdade de expressão reconhecidos nos artigos 4.1 e 13 da Convenção Americana, combinados com as obrigações estabelecidas em seu artigo 1.1, em prejuízo de Santiago Leguizamón. Também concluiu que o Estado é responsável pela violação dos direitos à integridade pessoal, às garantias judiciais e à proteção judicial, estabelecidos nos artigos 5.1, 8.1 e 25.1 da Convenção, combinados com as obrigações estabelecidas em seu artigo 1.1, em prejuízo da sua esposa, filha e filhos.
Em seu Relatório de Mérito, a Comissão recomendou ao Estado:
1. Realizar uma investigação completa, imparcial, efetiva, de maneira célere, que permita esclarecer as circunstâncias do assassinato do jornalista Santiago Leguizamón Zaván e determinar as responsabilidades correspondentes, tanto quanto a sua autoria material como intelectual.
2. Solicitar a cooperação do Estado do Brasil para que exerça sua jurisdição com respeito aos supostos autores de cidadania brasileira do assassinato do jornalista Santiago Leguizamón Zaván que não possam ser extraditados ao Paraguai, cumprindo os requisitos formais que permitiam a solicitação ao Brasil em conformidade com os acordos em vigor entre ambos os países.
3. Colaborar com o Estado do Brasil para que se realize uma investigação completa, imparcial, efetiva e dentro de um prazo razoável que permita esclarecer as circunstâncias do assassinato do jornalista Santiago Leguizamón Zaván.
4. Adotar medidas de caráter legislativo, institucional e judicial voltadas a reduzir a exposição ao risco de jornalistas e trabalhadores dos meios de comunicação que se encontram em situação de risco especial pelo exercício do seu trabalho jornalístico. Nesse sentido, o Estado deve desenvolver programas e medidas adequadas e rápidas de resposta institucional que permitam a proteção efetiva de jornalistas e trabalhadores da mídia em situações de risco especial pelo exercício da sua profissão, e, se for o caso, dos seus familiares, sejam as ameaças provenientes de agentes estatais, sejam originadas de particulares. Em especial, elaborar e implementar protocolos de avaliação de risco adequados e programas de proteção para as pessoas jornalistas e suas famílias.
5. Fortalecer a capacidade institucional para combater o padrão de impunidade frente a casos de ameaças e mortes de jornalistas e trabalhadores da mídia, por meio da elaboração de protocolos de investigação que levem em conta os riscos inerentes ao trabalho que realizam os jornalistas, e, em particular, que conduzam à sanção dos responsáveis e a uma reparação adequada das vítimas, em conformidade com os parâmetros e critérios estabelecidos no relatório de mérito.
6. Reparar integralmente as violações de direitos humanos declaradas no relatório de mérito tanto no aspecto material como imaterial. O Estado deverá adotar as medidas de compensação econômica e de satisfação.
7. Elaborar programas de formação e capacitação que incluam os parâmetros e critérios estabelecidos no relatório de mérito, em especial, os que se referem à investigação de crimes contra jornalistas, para os operadores jurídicos do Poder Judiciário, Ministério Público e Polícia investigativa, encarregada de investigar casos de violência contra jornalistas.
A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato surge a partir da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem como mandato promover a observância e defesa dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA na temática. A CIDH é composta por sete membros independentes, que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal, sem representarem seus países de origem ou de residência.
No. 041/21