Imprensa da CIDH
Washington, D.C.- A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e sua Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão (RELE) tomam nota das intensas discussões das últimas semanas que levantam preocupações importantes sobre a garantia da liberdade de expressão na internet. Particularmente, reconhecem que o hemisfério se encontra em um ponto de inflexão caracterizado pela deterioração generalizada do debate público no qual os Estados democráticos enfrentam a potencial transferência da violência online para espaços físicos com certa capacidade de dano; as tentativas de captura do debate público estimuladas pela desinformação; e os dilemas de compatibilidade dos processos, das decisões e dos modelos de negócio de empresas privadas com os parâmetros democráticos e de direitos humanos. Trata-se de um desafio regional que afeta a todos os Estados das Américas, que contamina uma parte considerável das suas deliberações internas e que colocará à prova seus futuros processos eleitorais e a fortaleza das suas instituições.
Esta Comissão e sua Relatoria sustentam que os direitos humanos gozam da mesma proteção e amplitude em ambientes analógicos e digitais. A Internet é uma plataforma e um meio para o exercício dos direitos humanos como a liberdade de expressão, a participação política, os direitos de associação e reunião, direitos econômicos, sociais e culturais, entre outros. Os Estados estão chamados a garantir as condições necessárias para o gozo e o exercício desses direitos.
Para a CIDH e a RELE é desejável que as discussões democráticas sejam amplas e com plenas garantias para a controvérsia, isto as faz vigorosas e plurais. Nesse sentido, os que protagonizam debates de interesse geral participam de um espaço público que também são chamados a cuidar. Enquanto o embate de argumentos e a exposição pública dos desacordos enriquecem o debate, a violência e os discursos que estimulam o ódio corroem o sistema democrático. A CIDH manifesta sua preocupação com as rachaduras no sistema partidário, e também com os freios e contrapesos institucionais e faz um chamado para que somem esforços para assegurar que as pessoas com posições de notoriedade ou que aspiram a cargos de representatividade contribuam ativamente para que as deliberações democráticas estejam livres de violência, desinformação, ódio e manipulação.
A Declaração Conjunta dos Relatores da Liberdade de Expressão já alertava em 2017 sobre como a desinformação, a violência e a polarização social atentam contra a integridade da democracia e a vigência dos direitos humanos, afetando principalmente as pessoas em situação de vulnerabilidade. Neste âmbito, a Comissão e sua Relatoria tomam nota da preocupação que surgiu na região em torno à plena vigência dos direitos humanos na internet e convidam os Estados membros da OEA a refletirem conjuntamente sobre os desafios implicados neste momento. As respostas a essa problemática, tanto do setor público como do setor privado têm de estar necessariamente ajustadas ao marco do direito internacional dos direitos humanos.
A CIDH reconhece os esforços para aumentar a conectividade à internet na região, contudo, lamenta a ausência de esforços efetivos que atendam à urgente necessidade de se avançar em programas de alfabetização digital orientados ao desenvolvimento de habilidades cívicas em perspectiva de convivência democrática e com enfoque de direitos humanos. A Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão desde 2013 incorporou esta recomendação em seu relatório Liberdade de Expressão e Internet, a reiterou nos Parâmetros para uma Internet Livre, Aberta e Inclusiva (2016) e estabeleceu recomendações a respeito em seu Guia para enfrentar a desinformação deliberada em contextos eleitorais (2019). É transcendental que o hemisfério avance nos marcos que facilitem o desenvolvimento dessa tarefa pendente através de processos sustentáveis e plurais que levem em consideração enfoques diferenciais com especial atenção às pessoas mais vulneráveis.
A pluralidade e a diversidade fazem parte essencial da liberdade de expressão e neste âmbito o regime interamericano, assim como o universal e o europeu, distingue especialmente a proteção de certos discursos, como o discurso político e o de interesse público. Os bloqueios massivos, a remoção de conteúdos, a suspensão permanente de usuários, ou o que nos últimos dias tem sido chamado de "deplatforming" são medidas severas que devem ser avaliadas à luz de parâmetros internacionais de liberdade de expressão particularmente em se tratando de informações de interesse público ou de funcionários públicos no exercício das suas funções.
Um dos desafios inevitáveis é detectar de modo participativo consensos que contribuam para estabelecer critérios claros – conforme os direitos humanos – para que a moderação de conteúdos na Internet esteja de acordo com as aspirações de democracias abertas, com pluralidade de vozes, meios, plataformas e oportunidades. Tais critérios devem responder à necessidade de clareza e especificidade das restrições, zelar pela não discriminação, e considerar sua escalabilidade e replicabilidade. Não é claro que nos debates eleitorais vindouros aqueles que tomarem essas decisões contem com um contexto equivalente ao que têm nos países onde estão sediados.
A posição de garantes dos direitos humanos faz com que os Estados estejam chamados a acompanhar esse processo zelando por regimes de responsabilidade intermediários que incentivem o desenvolvimento tecnológico, ofereçam segurança jurídica e facilitem a implementação de parâmetros de direitos humanos em todos os setores respeitando os mecanismos propostos pela governança multisetorial, aberta e plural da internet.
A CIDH convida a trabalhar conjuntamente no enfrentamento dos desafios
apresentados e encomendou à Relatoria Especial de Liberdade de Expressão a
tarefa de traçar uma rota de diálogo interamericano que inclua a convocatória a
um grupo de trabalho formado por Estados, sociedade civil, reguladores e
plataformas de tecnologia com o fim de formular recomendações que contribuam
para a melhoria das condições do debate democrático, tomem nota de experiências
de alfabetização digital para o desenvolvimento de habilidades cívicas, e ajude
a compatibilizar a moderação de conteúdos na internet com parâmetros de direitos
humanos. Ao final desse processo a Comissão receberá um conceito da RELE e
avaliará dentro dos mecanismos à sua disposição aquele que considere mais idôneo
para propor parâmetros interamericanos que atendam a esses desafios. A CIDH
estimula todas as partes interessadas a acompanhar e participar desta iniciativa.
A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato surge a partir da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem como mandato promover a observância e defesa dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA na temática. A CIDH é composta por sete membros independentes, que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal, sem representarem seus países de origem ou de residência.
No. 026/21