Nota à Imprensa


Declaração da Secretaria-Geral da OEA sobre a Bolívia

  17 de março de 2021

Sobre a declaração do Ministério das Relações Exteriores da Bolívia divulgada ontem, a Secretaria-Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) nega o conteúdo e repudia seu tom repressivo e ameaçador, bem como o desejo de personalizar as decisões e posições institucionais de Luis Almagro, Secretaria-Geral.

A Secretaria-Geral reitera os fatos mencionados em seu comunicado reparação às vítimas e familiares das vítimas de todos os atos de violência, violações dos direitos humanos e crimes contra a humanidade ocorridos na Bolívia a partir de outubro de 2019.

Julgamentos justos, credíveis e imparciais são absolutamente necessários a esse respeito, e é nisso que consiste a proposta da Secretaria-Geral recentemente formulada. Entre outras coisas, levando em consideração os relatórios do Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas que indicou durante o governo de Evo Morales que “O Comitê reitera suas observações finais anteriores (CCPR / C / 79 / Add.74, para. 19) e observa com preocupação que persistem relatórios de que a interferência política e a corrupção no sistema judicial são generalizadas."

Infelizmente, essa situação se agravou, o que afeta substancialmente a credibilidade dos processos em andamento.

As ações de cooptação da justiça boliviana já foram divulgadas publicamente quando a OEA observou as eleições do Poder Judiciário no país, que atualmente parecem ser consistentes com o cancelamento ou exoneração de diversos julgamentos contra apoiadores do MAS, bem como ameaças judiciais, perseguição e assédio judicial efetivo a políticos que se opõem ao Governo.

Por outro lado, um judiciário independente que garanta os direitos à justiça, ao processo regular, à presunção de inocência, às devidas garantias judiciais consagradas, entre outros, nos artigos XVIII e XXI da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e o artigo 8 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, também fazem parte dos elementos da democracia que a Secretaria-Geral é responsável por promover e consolidar, como todos os órgãos e membros da OEA.

A Secretaria-Geral da OEA considera que as sentenças proferidas sobre autoridade moral e ética pelo Ministério das Relações Exteriores não são admissíveis.

Por outro lado, a Secretaria-Geral deseja deixar claro que a participação da Missão de Observação Eleitoral e da Missão de Auditoria foi realizada a convite do Estado Plurinacional da Bolívia, com acordos firmados entre a Secretaria-Geral e o país, e não por qualquer "interferência colonialista", um conceito completamente absurdo neste caso.

As missões da Organização são realizadas no campo somente a convite do Estado Parte e com a assinatura do correspondente acordo sobre imunidades e privilégios.

Reitera-se também que as conclusões dessas missões se baseiam na observação e verificação de fatos devidamente comprovados e documentados, obedecendo aos mais elevados padrões de observação. Seu desempenho foi avaliado positivamente em todas as ocasiões nos últimos anos em que teve ao observar eleições em países do hemisfério.

As linhas de ação indicadas no comunicado da Secretaria-Geral dizem respeito a garantir a independência da Justiça e as garantias do devido processo, a fim de evitar uma lógica discriminatória pela qual alguns são linchados e outros absolvidos de forma politicamente seletiva.

As Comissões Internacionais de Combate à Corrupção têm sido e são um importante instrumento de combate à corrupção em âmbito regional, garantindo equanimidade e equilíbrio para além das condições geradas pelo exercício do poder.

Por outro lado, o Tribunal Penal Internacional (TPI) constitui um instrumento de justiça absolutamente necessário também para a comunidade internacional. A Secretaria-Geral considera que o TPI tem um papel fundamental no julgamento de violações sistemáticas de direitos humanos ocorridas na Bolívia, incluindo os massacres de Sacaba e Senkata.

A impunidade nunca é uma opção para um povo.

Ambos os institutos constituem um caminho de paz e não de violência, um caminho de justiça e não de impunidade. São instrumentos de soberania porque asseguram ao Povo, único soberano, justiça e não submissão às vontades do poder.

A Secretaria-Geral reitera seu apoio às Missões de Observação Eleitoral e, em especial, reitera seu apreço pelo trabalho da MOE que observou as eleições na Bolívia em outubro de 2019, bem como pela Missão que realizou a auditoria integral desse processo eleitoral. As observações efetuadas foram devidamente documentadas e comprovadas em ambas as ocasiões, sendo absolutamente falso que não cumpriu as normas exigidas e que tenha emitido laudo sem testes e seja manipulada. Ao contrário, as evidências são avassaladoras e neste sentido convidamos o Governo do Estado Plurinacional da Bolívia a se reunir com o Departamento de Cooperação e Observação Eleitoral (DECO), para conhecer melhor as evidências coletadas e os conteúdos da observação, anexando a este comunicado algumas das conclusões da Secretaria para o Fortalecimento da Democracia.

É verdadeiramente inaceitável e repreensível afirmar que essas denúncias geraram violência e convulsão social. A violência e a convulsão social já se instalaram no país logo após o ato eleitoral de 19 de outubro de 2019.

A este respeito, a MOE assinalou que “os observadores da OEA constataram que a violência obrigou à interrupção do processo de computação em seis departamentos: La Paz, Cochabamba, Chuquisaca, Potosí, Oruro e Beni. Em Potosí, Pando e Tarija, a infraestrutura do Tribunal Eleitoral Departamental (TED) foi totalmente incendiada, assim como as instalações do Serviço de Cadastro Cívico de Potosí e Chuquisaca”. Em 6 de novembro de 2019, a Missão de Observação Eleitoral da Organização dos Estados Americanos (OEA) na Bolívia condenou veementemente “os atos de violência que foram registrados em várias partes do país nos últimos dias e faz um apelo urgente à calma”. A violência não ocorre na democracia, por isso a Missão exorta todos os atores políticos e sociais, bem como o público em geral, a aguardar com serenidade e tranquilidade os resultados da auditoria realizada por uma equipe técnica da Secretaria-Geral da OEA."

Em 10 de novembro de 2019, a Secretaria-Geral da OEA indicou que “O mais valioso a se ter em mente neste momento é o direito à vida dos bolivianos e evitar qualquer confronto violento entre compatriotas”.

Em 12 de novembro, foi declarado perante o Conselho Permanente da Organização que “Condenávelmente, este processo não estava isento de violência, a pior, de um lado e de outro, violência absolutamente condenável. O ódio e o discurso de ódio devem ser erradicados, o ódio e a violência entre os bolivianos devem ser erradicados. Não pode haver um processo que custe aos bolivianos mortos, feridos e sofrimento. O ódio transformado em violência tem um custo muito alto para as pessoas e deve ser interrompido imediatamente."

Não é aceitável fingir que uma denúncia documentada e comprovada gera atos de violência.

A esse respeito, a Secretaria-Geral também emitiu declarações pedindo a paz social e condenando a violência ocorrida naquele período, bem como organizando a visita da CIDH ao país e, posteriormente, a instalação de um Grupo Interdisciplinar de Peritos Independentes (GIEI) para permitir uma investigação imparcial do ocorrido no país. A Secretaria-Geral sempre instou a investigações sobre o ocorrido.

É oportuno reiterar que a Secretaria-Geral tem adotado como regra geral respaldar sempre os comunicados e relatórios da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), considerando que estes a obrigam em suas conclusões (como também é institucionalmente obrigatório pelos relatórios dos MOEs), bem como pelas resoluções aprovadas na Assembléia Geral e no Conselho Permanente da Organização.

A Secretaria-Geral da OEA continuará realizando suas ações no âmbito dos princípios fundamentais da Carta da OEA e de outros instrumentos aprovados pelos Estados membros para promover e consolidar a democracia representativa, respeitando o princípio da não intervenção no continente.

Tanto a Carta da OEA quanto a Carta Democrática Interamericana proporcionam, por sua vez, os meios para que a Secretaria-Geral cumpra essas obrigações. De nenhum deles ele partiu.

Por todas essas razões, reiteramos ao governo nossas propostas, cujo único propósito é fortalecer as instituições para o fortalecimento do Estado de Direito, certos de que com elas nada mais fazemos do que cumprir as obrigações impostas pela normativa interamericana.

A Secretaria-Geral da OEA condena qualquer forma de ameaça expressa contra o Secretário-Geral, funcionários da OEA ou membros das Missões de Observação Eleitoral ou de Auditoria que tiveram que realizar trabalhos relacionados com a situação institucional da Bolívia ou seus processos eleitorais.

A respeito da acusação absurda de participação da OEA em um golpe de Estado, o que foi afirmado em 10 de novembro de 2019 -quando o relatório da auditoria foi apresentado- é reiterado que “A situação do país exige que os atores governem (principalmente) e os políticos das diferentes opções, assim como todas as instituições atuem de acordo com a Constituição, responsabilidade e respeito aos meios pacíficos.” E acrescentou que “Da mesma forma, entende-se que não se deve interromper os mandatos constitucionais, inclusive o do presidente Evo Morales”. A OEA foi o único organismo regional ou multilateral que solicitou o respeito a esse mandato constitucional.

Em decorrência do exposto, e com o desejo inabalável de que a verdade, a justiça e a não repetição sejam o sinal que norteia a convivência do povo boliviano, a Secretaria-Geral da OEA organizou os trabalhos necessários para encaminhá-lo ao Ministério Público do Tribunal Penal Internacional dos antecedentes correspondentes aos supostos atos contra a humanidade desde o último governo do ex-presidente Evo Morales até o presente, com a necessária investigação do governo de transição a esse respeito, especialmente nos casos de Sacaba e Senkata.

A Secretaria-Geral também enviará as conclusões e relatórios do GIEI ao TPI, por entender que sem luz pública sobre os fatos ocorridos e as responsabilidades individuais que possam corresponder, não será possível fazer jus ao passado recente na Bolívia.

Referencia: P-024/21