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Washington, D.C. – A Comissão Interamericana de Direitos Humanos solicita que o Estado da Nicarágua garanta as condições propícias para o gozo dos direitos humanos num contexto de início de um diálogo, e reitera sua recomendação de supressão da repressão da população. Adicionalmente, a CIDH recomenda que se garanta, no âmbito desse processo, o cumprimento dos princípios de representatividade, paridade, liberdade e credibilidade, assim como a obrigação de permitir a realização de manifestações públicas. Nesse sentido, o Estado deve cessar a repressão e a ocupação policial desproporcional dos espaços públicos, a fim de desmontar o ambiente de intimidação, restaurar a personalidade jurídica das organizações da sociedade civil e os direitos e liberdades fundamentais, e avançar em direção à construção de uma solução pacífica, democrática e constitucional à grave crise de direitos humanos vivida pelo país.
De acordo com informação pública, em 21 de fevereiro de 2019, o Presidente da Nicarágua anunciou a convocação para uma mesa de negociação e diálogo, com o objetivo de “consolidar a paz” no país. A CIDH observa que este processo ocorre em um contexto segundo o qual persistem graves padrões de repressão e violações a direitos humanos contra as pessoas defensoras de direitos humanos, organizações da sociedade civil, bem como de pessoas privadas da sua liberdade como represália por sua participação em protestos sociais.
Até 15 de fevereiro, as organizações da sociedade civil contabilizavam 777 pessoas detidas, das quais 407 estariam sendo processadas e 138 já teriam sido condenadas. Por outro lado, até 22 de fevereiro o Estado informou à CIDH que o número de pessoas que continuam presas e acusadas chegava a 372 (345 homens e 27 mulheres). No que diz respeito à cifra de 325 pessoas assassinadas durante os protestos, registrada pela CIDH, o Estado informou que a Polícia Nacional teria esclarecido 32 casos, enquanto que 21 ainda se encontram com processo judicial em tramitação. No entanto, as autoridades nicaraguenses somente reconhecem que 198 pessoas faleceram no contexto da crise.
A CIDH, através do Mecanismo Especial de Seguimento para a Nicarágua (MESENI), vem observando a situação dos direitos das pessoas privadas da sua liberdade no contexto dos protestos iniciados em 18 de abril de 2018. A CIDH está particularmente atenta à intensificação das agressões e maus tratos contra as pessoas privadas de liberdade por funcionários do sistema penitenciário nicaraguense. Assim sendo, no último 7 de fevereiro, a CIDH tomou conhecimento sobre a agressão e maus tratos contra oito mulheres privadas de liberdade na penitenciária “La Esperanza”. Em consequência. Irlanda Jerez, presa desde julho do ano e beneficiária de medidas cautelares outorgadas através da Resolução 84/18, estaria sem condições de levantar da sua cama. A sra. Jerez sofre de uma valvuloplastia cardíaca, da qual é convalescente crônica, requerendo, portanto, tratamento e monitoramento permanentes. Adicionalmente, Jeisy Lagos e Brenda Muñoz teriam sido retiradas de sua cela, e o seu atual paradeiro é desconhecido.
A CIDH também recebeu informações sobre a persistência de represálias contra as pessoas detidas na penitenciária “La Modelo”, em virtude de sua participação nos protestos e, especialmente, sobre a ocorrência reiterada de agressões por agentes antimotim. Segundo foi denunciado, os agentes invadem as celas de forma repentina para agredir os presos com socos, pontapés e cassetetes, às vezes com a presença de cachorros adestrados. Tais operações culminaram também na transferência forçada dos presos com destino desconhecido, possivelmente para celas de castigo ou isolamento. Neste contexto, na madrugada de 19 de fevereiro, agentes antimotim agrediram de forma surpreendente vários reclusos que se encontravam nos pavilhões 16-1 e 16-2 da penitenciária Modelo, o que resultou em sérias lesões. No dia seguinte, aproximadamente ao meio-dia, uma outra agressão teria ocorrido. Durante esta, Levis Artola Rugama, beneficiário de medidas cautelares mediante a Resolução 56/18, foi transferido a celas de segurança máxima como represália por se recusar a assinar um documento contendo as acusações feitas contra ele.
A Comissão também expressa sua preocupação pela situação das pessoas privadas de liberdade que necessitam de atenção ou tratamentos médicos, como no caso de Max Francisco Cruz Gutiérrez, que está preso em “La Modelo” apesar de apresentar um quadro de séria infecção na sua perna direita devido a um disparo de arma de fogo ocorrido no momento da sua detenção, em outubro de 2018. Segundo as informações recebidas, Max Cruz Gutiérrez não recebeu qualquer assistência médica, e as autoridades se negaram a aceitar que a família lhe proporcionasse medicamentos para o tratamento de sua infecção, ou o transferisse para um centro hospitalar.
De forma similar, a partir de informações e testemunhos coletados através do MESENI, a CIDH observa que continuam ocorrendo detenções ilegais e arbitrárias em todo o país. Dentre outros casos, em 12 de fevereiro, a CIDH soube da situação de 16 jovens detidos em operações policiais em Estelí. Os jovens detidos haviam participado dos protestos iniciados em 18 de abril em todo o país. Além disso, são notórias as novas detenções que vêm ocorrendo atualmente.
“O contexto de privação da liberdade na Nicarágua constitui uma das principais preocupações da Comissão”, observou o Comissário Joel Hernández, Relator para os Direitos das Pessoas Privadas da Liberdade. “Apesar das obrigações do Estado, e que resultam do dever que o mesmo possui em relação a pessoas sob sua custódia, estas continuam enfrentando uma situação muito séria de risco que atenta contra sua vida e integridade”, adicionou.
A CIDH segue com atenção os últimos acontecimentos no país, e em 27 de fevereiro tomou conhecimento de que 100 pessoas privadas de liberdade receberam “o benefício de convivência familiar e outras medidas cautelares”, conforme um comunicado para a imprensa emitido pelo Estado. Nesse sentido, a CIDH solicita que o Estado nicaraguense esclareça as condições jurídicas a respeito dessas liberações, assim como o número de pessoas colocadas em liberdade.
A CIDH alerta que as pessoas defensoras e as organizações da sociedade civil continuam sendo afetadas por atos de intimidação e perseguição. Em 7 de fevereiro, a Rede Nicaraguense pela Democracia e o Desenvolvimento Local (Rede Local), em Manágua, teve sua sede invadida sem ordem judicial. Durante o referido incidente, os agentes do Estado confiscaram documentos, um cofre e um veículo. Adicionalmente, a administradora e o contador da organização teriam sido detidos e conduzidos ao Ministério de Governo, onde foram submetidos a interrogatórios e ameaças. Outras pessoas que trabalham na Rede Local também sofreram assédio em suas próprias casas por agentes da Polícia Nacional. Isto provocou a suspensão das atividades da Rede Local, a qual trabalha em democratização e projetos de desenvolvimento social, e reúne cerca de 20 organizações de base correspondentes a 111 municípios do país.
Além disso, a Comissão Permanente de Direitos Humanos (CPDH) denunciou a vigilância policial constante que sofre, em virtude da presença desproporcional de agentes nas imediações de suas sedes, que teria como resultado a intimidação das pessoas que habitualmente comparecem para apresentar denúncias por violações a direitos humanos. E ainda, conforme informado durante a audiência pública sobre a “Situação geral de direitos humanos na Nicarágua”, realizada durante o 171º Período de Sessões da CIDH, a perseguição policial contra esta e outras organizações restringe gravemente o trabalho das defensoras e defensores, especialmente daqueles que representam judicialmente pessoas acusadas por sua participação nos protestos.
A CIDH também recebeu denúncias relativas à participação das estruturas partidárias locais e comunitárias (por exemplo, através dos denominados “Conselhos do Poder Cidadão”) no sentido de conferir uma nuance política às organizações que trabalham no país. Ademais, recebeu informações sobre a apresentação de um projeto de reforma tributária que outorgaria às autoridades a faculdade de outorgar isenções ou impor multas referentes ao imposto de renda das organizações da sociedade civil, conforme a uma avaliação discricionária sobre suas atividades. Estas medidas, caso sejam aprovadas, poderiam facilitar o controle político das organizações civis e contribuir à manutenção de um ambiente hostil para a defesa dos direitos humanos no país, caracterizado pela anulação da personalidade jurídica de organizações, as buscas e apreensões arbitrárias de seus bens e documentos, a criminalização de suas atividades de defesa e denúncia, e a expulsão de defensores do país.
A respeito deste ponto, a CIDH recorda que as defensoras e defensores de direitos humanos, de distintos setores da sociedade e, em alguns casos, das instituições estatais, contribuem fundamentalmente para a vigência e o fortalecimento das sociedades democráticas. Por essa razão, o respeito dos direitos humanos em um Estado democrático depende, em grande parte, das garantias efetivas e adequadas de que dispõem as defensoras e defensores para realizar suas atividades livremente.
“O Estado da Nicarágua deve cessar a repressão e a criminalização das pessoas que participaram dos protestos sociais, liberar todas as pessoas detidas neste contexto, restituir a personalidade jurídica de todas as organizações que a tiveram cancelada, oferecer as garantias para um julgamento imparcial sobre os fatos ocorridos a partir de abril de 2018, assim como restabelecer os direitos à liberdade de expressão e à informação”, indicou a Comissária Antonia Urrejola, Relatora sobre o País.
A Comissão Interamericana solicita que o Estado da Nicarágua desenvolva um diálogo efetivo e legítimo. Para tanto, esse processo deve estar pautado pelos princípios de representatividade, incluindo os familiares das vítimas e distintos setores sociais, paridade no diálogo dos distintos setores sociais e de gênero, liberdade dos presos políticos, e credibilidade no cumprimento dos acordos. Além disso, deve permitir, na prática, as demonstrações públicas, cessando a ocupação policial desproporcional dos espaços públicos, a fim de desconstruir o ambiente de intimidação e repressão em todo o país. Similarmente, a CIDH lembra que, em todo o caso, o Estado deve cumprir com suas obrigações internacionais em matéria de verdade, justiça e reparação.
A CIDH coloca-se à disposição do Estado da Nicarágua para apoiar o processo de diálogo e o encaminhamento dos acordos que eventualmente sejam alcançados em matéria de direitos humanos.
A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato surge a partir da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem como mandato promover a observância e defesa dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA na temática. A CIDH é composta por sete membros independentes, que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal, sem representarem seus países de origem ou de residência.
No. 51/19