Imprensa da CIDH
Washington, D.C. – Após um ano da decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos no caso Dobbs v. Jackson Women's Health Organization, que suprimiu o direito ao acesso ao aborto e aumentou as barreiras de acesso aos serviços de saúde reprodutiva das mulheres, especialmente aquelas em situação de vulnerabilidade agravada, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) urge os governos Federal e estaduais a adotar medidas para garantir o acesso a serviços de saúde reprodutiva e prevenir danos irreparáveis à saúde e à vida das mulheres no país.
Após a revogação do precedente de Roe v Wade, ao menos 13 estados proibiram ou restringiram severamente o acesso ao aborto, através do estabelecimento de sanções civis e/ou penais para profissionais de saúde que forneçam o serviço e a proibição explicita de utilizar medicamentos abortivos. Também foram apresentadas iniciativas en vários estados para punir as mulheres que abortem ou busquem esses serviços. De especial preocupação são os processos judiciais para limitar o acesso a medicamentos utilizados para emergências obstétricas e abortos seguros, inclusive em estados onde o aborto é legal.
A convergência de várias normas sobre o aborto em alguns estados, somada à redação pouco clara de alguns dispositivos, tem gerado confusão entre os cidadãos sobre o que é legal ou não. Em especial, tem gerado incerteza entre os profissionais de saúde sobre as informações e serviços que podem fornecer sem estarem sujeitos a sanções judiciais ou administrativas. Nesse contexto, as mulheres são impedidas de receber as informações necessárias para tomar decisões informadas sobre a sua saúde, ao mesmo tempo em que o pessoal médico se vê forçado a comprometer a qualidade da sua prática médica por temor de serem punidos, mesmo em caso de emergências obstétricas, complicações da gravidez ou check-ups pré-natais, independentemente de se buscar ou não a continuação da gravidez.
Por outro lado, alguns estados têm adotado leis que protegem o acesso ao aborto, inclusive em nível constitucional, e que facilitam o fornecimento do serviço de saúde a pessoas residentes de outros estados. Em nível federal, foram emitidas instruções específicas para garantir o acesso a serviços e medicamentos de saúde reprodutiva, incluindo serviços de aborto, e para fortalecer a proteção da privacidade na matéria. No entanto, tais esforços poderiam ser insuficientes para garantir o acesso a esses serviços às mulheres residentes de estados nos quais existe uma proibição absoluta ou severa. Quanto a isso, após a interrupção do fornecimento de serviços de aborto, os hospitais onde os serviços de aborto são prestados ficaram saturados, levando a atrasos no atendimento e à escassez dos recursos necessários.
No âmbito do exposto acima, preocupam os riscos à saúde e à vida enfrentados pelas mulheres, dadas as restrições no acesso ao aborto, que poderiam repercutir no incremento das taxas de mortalidade materna no país. Em especial, se alerta para a situação de especial vulnerabilidade das mulheres negras, afrodescendentes, indígenas, migrantes, que vivem em zonas rurais e/ou em situação de pobreza, e que enfrentam maiores limitações para se deslocarem a estados nos quais possam receber a assistência médica requerida, e correm maior risco de serem criminalizadas por buscarem serviços de aborto.
A Comissão expressou preocupação em face das medidas de retrocesso que proíbem ou restringem o acesso à interrupção da gravidez, inclusive em casos de estupro ou incesto, perigo de vida da mulher ou pessoa gestante e emergências obstétricas. Nesse sentido, a CIDH chamou os Estados a assegurar que os direitos das mulheres não sejam afetados de modo desproporcional através da criminalização absoluta do aborto, e a garantir o acesso à informação, bens e serviços de saúde integral, incluindo os serviços para a interrupção voluntária da gravidez, com enfoque de gênero, idade, e interseccionalidade, que lhes permitam decidir de maneira informada e livre de toda violência sobre sua vida reprodutiva.
Nessa toada, e em concordância com os chamados do Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial e de Especialistas das Nações Unidas, a Comissão urge os Estados Unidos da América a adotar medidas para mitigar e ressarcir os efeitos negativos sobre a saúde e a vida das mulheres a partir da revogação da proteção do acesso ao aborto, considerando o impacto desproporcional dessa medida sobre as mulheres em situação de maior vulnerabilidade, e isso mediante a adoção de medidas legislativas, orçamentárias, de política pública, incluindo serviços de aborto, assim como a adoção de protocolos de atuação que garantam a prática médica conforme os mais altos parâmetros de saúde e em concordância com as obrigações internacionais na matéria.
A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato deriva da Carta da OEA e da Convenção Americana de Direitos Humanos. A Comissão Interamericana está mandatada para promover a observância dos direitos humanos na região e atuar como órgão consultivo da OEA sobre o assunto. A CIDH é composta por sete membros independentes, eleitos pela Assembleia Geral da OEA em caráter pessoal, e não representam seus países de origem ou residência.
No. 134/23
8:00 AM