Imprensa da CIDH
Washington, D.C. – A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) manifesta sua preocupação com o notável aumento das situações de deslocamento interno forçado na Colômbia, e chama o Estado a adotar medidas integrais para prevenir as causas subjacentes a esses fenômenos, assim como a garantir a proteção e a segurança das pessoas afetadas.
A Comissão reconhece os esforços empreendidos pelo Estado para fazer frente às situações de deslocamento forçado, em especial por medidas como: 1) a "Política Marco de Convivência e Segurança Cidadã", que tem por objeto o fortalecimento da polícia e a articulação com as forças militares para contribuir na segurança e na convivência em regiões nas quais atuam grupos armados organizados; 2) a "Estratégia de Proteção para populações vulneráveis" (ESPOV); e 3) o "Sistema de Alerta Precoce para as Forças Armadas e a Polícia Nacional".
Apesar de tais esforços, os casos de deslocamentos forçados massivos no país aumentaram significativamente. Nesse sentido, segundo o Relatório sobre Tendências Globais de Deslocamento Forçado do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), a Colômbia segue tendo o número mais alto de pessoas deslocadas internamente no mundo, um total de 8,3 milhões de pessoas no final do ano de 2020. Ainda, conforme o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA), entre janeiro e agosto de 2021, a quantidade de pessoas deslocadas internas no país aumentou em cerca de 135% em comparação com o mesmo período em 2020. Em especial, as cifras indicam que neste período mais de 57.000 pessoas foram deslocadas em 110 eventos de emergências em massa, cuja causa principal foram as ameaças diretas de grupos armados não estatais. No mesmo sentido, segundo cifras da Defensoria do Povo da Colômbia, durante o primeiro semestre deste ano, ocorreram 102 eventos de deslocamento massivo, nos quais 44.290 pessoas foram deslocadas à força. Sobre isto, a Defensoria afirmou que o número de eventos de deslocamento interno dobrou em comparação ao ano anterior.
De acordo com o OCHA, a maioria das situações de deslocamento massivo ocorreram de forma recorrente nos municípios Roberto Payán (Nariño), Argelia (Cauca), Cáceres e Ituango (Antioquia), Buenaventura (Valle del Cauca) entre outros departamentos da costa pacífica e da região noroeste do país. Além disso, a sociedade civil manifestou sua preocupação com os deslocamentos ocorridos nos municípios de Santa Rosa, departamento de Bolívar, e Litoral de San Juan, no departamento de Chocó. Do mesmo modo, foram registradas as denúncias efetuadas pelas organizações da sociedade civil sobre as situações de deslocamento ocorridas em Buenaventura, entre os meses de janeiro e março de 2021, e que atingiu aproximadamente 3.625 pessoas. Em especial, afirmaram que os fatos de violência que geraram o deslocamento estariam vinculados ao controle territorial com o propósito de se poder construir infraestruturas portuárias e turísticas.
A CIDH observa com preocupação a magnitude do deslocamento individual e familiar, que, de acordo com as organizações da sociedade civil, apesar de sua natureza ser de difícil registro, acaba afetando uma quantidade maior de pessoas que os deslocamentos massivos. Isso é especialmente relevante no caso de lideranças sociais que tiveram que se deslocar dos seus territórios em virtude de ameaças sofridas. Igualmente, organizações da sociedade civil informaram que lideranças sociais, cuja função é reivindicar territórios de famílias e comunidades deslocadas, são alvo de diversos atos de violência, incluindo assassinato.
Por outro lado, e apesar dos esforços estatais destacados, organizações da sociedade civil também informaram que a resposta estatal não seria adequada em face da dimensão do fenômeno; além disso, que ela não garante uma efetiva proteção dos direitos das vítimas de deslocamento interno.
Quanto às causas que dão origem ao fenômeno, foram recebidas informações sobre os escassos avanços na implementação do Acordo de Paz, especialmente em relação aos pontos que procuram mitigar as causas estruturais da violência através da substituição de cultivos de uso ilícito (PNIS) e do desenvolvimento econômico com enfoque territorial (PDET).
Vinculado ao acima relatado, as organizações denunciaram a expansão de grupos armados não estatais que ameaçam e expulsam a população local dos seus territórios; a redução do orçamento para lidar com contingências; a ausência ou insuficiência de assistência às vítimas, e a realização de retornos imediatos sem análise de risco e garantias de retorno seguro. Em acréscimo, se observa que segundo a Defensoria do Povo da Colômbia, os coletivos majoritariamente afetados pelo fenômeno são os que enfrentam uma situação de vulnerabilidade histórica e estrutural, tais como as comunidades étnicas indígenas e afrodescendentes (em 59% dos casos) e a população campesina.
A CIDH também observa o impacto diferenciado do deslocamento interno sobre as mulheres. Nesse sentido, uma vez deslocadas, as mulheres passam a enfrentar necessidades e problemas específicos decorrentes da sua condição de mulher. Quanto a isso, a Corte Constitucional da Colômbia destacou que o deslocamento interno forçado gera para as mulheres riscos específicos baseados no gênero. Entre eles, se destacam o risco da violência, exploração ou abuso sexual; a exploração ou escravização para fins de trabalho doméstico; o risco de recrutamento forçado de filhos e filhas; e os obstáculos no acesso à propriedade da terra e na proteção do seu patrimônio.
Frente a esta realidade, a Comissão reitera que o deslocamento interno forçado constitui uma violação contínua e múltipla dos direitos humanos, e que se reflete de modo direto na violação de um grande número de direitos, entre os quais se destacam: o direito a um nível de vida adequado, à liberdade de circulação, à liberdade de residência, à moradia, à saúde, à educação, ao emprego, e à vida familiar. Por sua vez, a Corte Interamericana de Direitos Humanos afirmou que a situação de deslocamento se mantém até que as pessoas possam retornar aos seus lugares de origem de maneira voluntária, digna e em condições seguras ou que tenham ocorrido os seus reassentamentos voluntários em outra parte do país. Além disso, segundo esse Tribunal, a crise de deslocamento interno provoca uma crise de segurança, visto que os grupos de deslocados internos se convertem em um novo foco de recrutamento para os próprios grupos armados não estatais.
Nesse sentido, à luz dos Princípios Orientadores dos Deslocamentos Internos e do Guia Prático sobre Diretrizes para a Formulação de Políticas Públicas sobre Deslocamento Interno, a CIDH urge o Estado colombiano a cumprir com as obrigações de: 1) prevenir o deslocamento; 2) proteger e fornecer assistência técnica durante o deslocamento; 3) prestar e facilitar a assistência humanitária; 4) adotar medidas de retorno, reassentamento ou reintegração local, em condições seguras; e 5) garantir que toda medida adotada para a proteção dos direitos das pessoas deslocadas incorpore o enfoque de gênero e diversidade, e considere as necessidades e os impactos específicos para os grupos em situação de discriminação histórica.
Em acréscimo, a Comissão reforça que a obrigação de devida diligência no marco dos processos de investigação, sanção e reparação às vítimas de deslocamento interno forçado deve funcionar como mecanismo de garantia para a prevenção das situações que dão lugar ao deslocamento.
Finalmente, tal como foi realizado no âmbito do Relatório Verdade, Justiça e Reparação: Quarto Relatório sobre a situação de direitos humanos na Colômbia , a CIDH reitera que o Estado deve realizar diversas ações relacionadas à matéria, tais como:
Em tal sentido, a CIDH urge o Estado da Colômbia a redobrar seus esforços para a formulação e implementação de políticas públicas que efetivamente transformem as causas estruturais da violência no país, por meio de ações integrais que garantam para essa população tanto o direito à vida, à segurança e à justiça, quanto o acesso aos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais. Nesse sentido, faz um chamado especial ao Estado para fortalecer as medidas voltadas ao cumprimento integral do Acordo de Paz, considerando-se que este constitui uma ferramenta idônea para enfrentar as causas estruturais da violência no país. Ainda, reitera sua vontade para colaborar nesse processo e põe à disposição do Estado e da sociedade civil seus mecanismos de cooperação técnica.
A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato surge a partir da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem como mandato promover a observância e defesa dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA na temática. A CIDH é composta por sete membros independentes, que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal, sem representarem seus países de origem ou de residência.
No. 258/21
9:00 AM