Três anos após o início da crise de direitos humanos na Nicarágua, a CIDH condena a persistência da impunidade

19 de abril de 2021

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Washington D.C.- Três anos após o início da crise política, social e de direitos humanos na Nicarágua, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) condena a impunidade generalizada e a prolongada ruptura do Estado de Direito que persiste no país. Além disso, a CIDH insta o Estado a adotar as medidas necessárias para a superação da crise e o restabelecimento da institucionalidade democrática, em especial mediante processos que garantam o direito à verdade, à justiça e à reparação integral das vítimas e seus familiares.

Violações massivas e sistemáticas aos direitos humanos

Desde a sua visita, em 17 de maio de 2018 e até os dias atuais, a CIDH tem registrado a perpetração de graves violações de direitos humanos cometidas no âmbito da repressão violenta aos protestos sociais iniciada em abril desse mesmo ano. De acordo com a informação registrada a través do Mecanismo Especial de Seguimento para a Nicarágua (MESENI), até hoje, a crise dos direitos humanos na Nicarágua causou a morte de ao menos 328 pessoas e resultou em cerca de 2 mil pessoas feridas, como consequência das ações de agentes estatais ou de civis agindo com a aquiescência e tolerância dos agentes estatais; alegações de maus-tratos generalizados e sistemáticos, vários dos quais poderiam atingir o limiar da tortura. Adicionalmente, relatórios determinaram que pelo menos 1614 pessoas foram vítimas de privação arbitrária de liberdade em represália por terem participado de atos de protesto ou oposição ao governo. Tanto o trabalho de monitoramento e acompanhamento da CIDH quanto as informações públicas fornecidas pelo ACNUR indicam que mais de 100 mil pessoas teriam migrado da Nicarágua, presumivelmente para proteger suas vidas, sua integridade física e sua liberdade pessoal.

O trabalho da CIDH, em estreita colaboração com a sociedade civil, também produziu informação alarmante sobre situações em que houve um tratamento diferenciado em função do gênero, registrando-se denuncias no contexto da crise relacionadas às mulheres e comunidades LGBTI que indicam o desrespeito à identidade de gênero e a violência sexual, inclusive registrando-se denúncias de abuso e de estupro. Preocupam também os maus-tratos, até hoje impunes, de crianças e adolescentes no contexto da crise, tanto nos ataques à integridade e à vida, assim como em contextos de privação de liberdade.

A Comissão lembra que, segundo as informações fornecidas pelo Grupo Interdisciplinar de Peritos Independentes (GIEI-Nicarágua), no contexto do ataque sistemático perpetrado contra a população civil em retaliação aos protestos sociais, ocorreram eventos que, segundo o direito internacional, devem ser caracterizados como crimes contra a humanidade.

Da mesma forma, a CIDH condena os assassinatos, que até hoje permanecem impunes, de camponeses e camponesas nas zonas rurais do país, que são lideranças, ativistas ou pessoas identificadas como opositoras. Além disso, chama a atenção para a situação de colonização de territórios indígenas e o padrão de ataques ocorridos neste contexto, que seguem causando vítimas fatais, deixando pessoas feridas, deslocando famílias e comunidades de povos indígenas e afrodescendentes nas regiões autônomas do Caribe, sem que até agora tenha informação que indique processos de verdade e justiça nesses casos, ou medidas para evitar sua ocorrência.

A CIDH denunciou que as autoridades utilizaram diversas estratégias além de impedimentos legais e físicos - através do uso da força nas fases de maior violência estatal - com o objetivo de silenciar vozes dissidentes exigindo o fim da impunidade e a democratização do país. Entre elas a CIDH destaca a expulsão de pelo menos 150 estudantes de universidades públicas e mais de 400 trabalhadoras e trabalhadores da saúde pública. No mesmo contexto, a CIDH registrou o ataque à liberdade de imprensa através do cerco policial e da perseguição institucional aos veículos de comunicação e aos trabalhadores e trabalhadoras da mídia independente, o que levou ao fechamento de vários veículos de imprensa, à ameaça de fechamento de outros, e ao exílio de mais de 90 jornalistas.

A Comissão também observou a persistência da privação de liberdade como uma estratégia para impedir as liberdades públicas e silenciar as vozes dissidentes. Em abril de 2021, registra-se ao menos 115 pessoas privadas de liberdade. O cerco, a vigilância e as ameaças, o impedimento do direito de associação e reunião e até mesmo o deslocamento por agentes policiais e parapoliciais de lideranças egressas do sistema carcerário é outra medida identificada que indica um projeto claro das autoridades estatais de impedir qualquer articulação social ou política que desafie a impunidade que procura impor.

Por outro lado, a Comissão observa com preocupação que a situação de risco que enfrentam as pessoas defensoras de direitos humanos na Nicarágua continua se deteriorando como resultado da intensificação de agressões, ameaças, assédio, intimidações e outros atos de violência contra elas, cometidas tanto por grupos simpatizantes do Governo quanto por agentes da Polícia Nacional. Também é preocupante a persistência de atos destinados a restringir a capacidade das organizações de defesa dos direitos humanos de realizar seu trabalho legítimo em defesa dos direitos humanos, incluindo a destruição das sedes de organizações que permaneciam ocupadas arbitrariamente desde 2018.

Impunidade

A CIDH lamenta a evidente relutância do Estado nicaraguense em superar a impunidade e, de forma geral, a grave crise que afeta o país. Até hoje, entre as mais altas autoridades do Estado persiste uma narrativa que tende a negar as violações dos direitos humanos e estigmatizar as vítimas. Além disso, o conjunto de leis aprovadas em 2019 que são incompatíveis com o direito à verdade, o acesso à justiça e a reparação integral para as vítimas da repressão, incluindo a Lei de Anistia, permanecem em vigor. Isto, juntamente com a falta de independência da administração da justiça, consolida a impunidade das violações de direitos humanos que ocorreram.

Neste grave contexto, a CIDH recorda o dever indelegável do Estado da Nicarágua de manter e publicar informação fidedigna sobre as vítimas das violações aos direitos humanos. De fato, a garantia do direito à verdade, ao acesso à informação e liberdade de expressão constitui uma ferramenta essencial para impulsar o esclarecimento das violações do passado.

Apesar do descumprimento desta obrigação por parte do Estado nicaraguense, a Comissão Interamericana vem atualizando o registro de vítimas fatais no contexto da crise com a contribuição das organizações da sociedade civil e os números coletados pelo GIEI-Nicarágua. Esse registro será publicado em breve.

Três anos após o início da crise, a Comissão pede urgentemente o fim da impunidade e a adoção das medidas necessárias para superar a crise e restabelecer a institucionalidade democrática, iniciando processos que promovam a verdade, a justiça e a reparação para as vítimas da grave crise que o país atravessa. Adicionalmente, a CIDH lembra ao Estado que além de ser uma obrigação internacional, este é o único conjunto de mecanismos que permitiria a reconciliação nacional genuína e estável.

A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato surge a partir da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem como mandato promover a observância e defesa dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA na temática. A CIDH é composta por sete membros independentes, que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal, sem representarem seus países de origem ou de residência.

No. 093/21