Imprensa da CIDH
Washington, D.C. - A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) apresentou no dia 11 de março de 2021 perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) o caso Alejandro Nissen Pessolani, relativo ao Paraguai. O caso se refere à responsabilidade internacional do Estado pela violação das garantias judiciais no âmbito de processos movidos contra ele pelo Órgão de Julgamento de Magistrados (JEM, pela sigla em espanhol) que determinou a sua destituição do cargo de "Agente Fiscal Penal" (promotor de justiça).
Alejandro Nissen era promotor na cidade de Assunção e realizava principalmente investigações relacionadas com casos de corrupção. Em março de 2002, apresentou-se uma denúncia contra ele alegando mau desempenho em suas funções. O JEM emitiu uma sentença condenatória ordenando a sua destituição do cargo em abril de 2003 e em 2004 a Suprema Corte de Justiça rechaçou uma ação de inconstitucionalidade apresentada pela suposta vítima.
Em seu Relatório de Mérito, a CIDH realizou uma análise dos seguintes componentes das garantias judiciais aplicáveis aos processos disciplinares realizados contra promotores: (i) o direito a contar com um juiz competente, independente e imparcial; (ii) o direito de defesa e o princípio de congruência; (iii) o direito a contar com decisões devidamente motivadas, princípio de legalidade e o direito à liberdade de expressão; e (iv) o direito a recorrer da sentença e à proteção judicial.
A Comissão estabeleceu que não há informação suficiente que indique que os integrantes do Órgão de Julgamento teriam uma subordinação ou relação de dependência com as partes no processo, ou mesmo que careceriam das garantias de estabilidade que se traduzisse em falta de independência, nem para determinar uma violação à garantia de imparcialidade.
Quanto ao direito de defesa e ao princípio de congruência, determinou-se que a sentença condenatória modificou a base fática da acusação, incorporando novos fatos em relação a dois fundamentos, de modo em que a vítima não pôde exercer nenhuma defesa a esse respeito. Além disso, observou-se que esta modificação substancial trouxe consigo a possibilidade de impor, como de fato ocorreu, a sanção máxima contra a Nissen; e considerou-se que os prazos legais estabelecidos para o julgamento pelo JEM não foram cumpridos.
Com relação ao princípio de legalidade, a devida motivação e a liberdade de expressão, a Comissão observou que a vítima foi destituída do cargo em conformidade com o que prevê o artigo 14 inciso n) da Lei N°1084 que pune o fornecimento de informações ou a prestação de declarações ou comentários à imprensa ou a terceiros sobre os processos contra o processado, quando isso possam perturbar o processo ou afetar a honra, reputação ou presunção de inocência estabelecida na Constituição Nacional; ou criar polêmicas sobre os processos em andamento.
A CIDH reiterou que para que uma restrição à liberdade de expressão seja permissível, deve cumprir com as três condições básicas estabelecidas no artigo 13.2 da Convenção Americana. Isto é, estar definida de maneira clara e precisa em uma lei; ter um objetivo legítimo justificado pela Convenção; e ser necessária em uma sociedade democrática para a realização dos fins almejados, adequada para atingir o objetivo almejado e estritamente proporcional aos fins almejados.
Por sua vez, a Comissão concluiu, primeiro, que a normativa utilizada para punir Alejandro Nissen estava formulada em termos vagos e ambíguos, de forma incompatível com o princípio da legalidade. Também observou que a decisão que o afastou do cargo não individualizou específica e claramente os fatos e provas, o que é incompatível com o dever de fundamentação, pois impediu uma compreensão adequada da avaliação do JEM e das razões que levaram à destituição.
Em segundo lugar, a Comissão considerou que a amplitude da norma aplicada também não permitiu observar um balanço adequado entre o direito à liberdade de expressão e o dever de reserva e prudência dos promotores, necessária para proteger a independência de sua função. Em terceiro lugar, constatou que em sua decisão o JEM não determinou quais declarações foram feitas pela vítima, as datas, os contextos e os meios perante os quais foram emitidas, e de que maneira as mesmas violariam os direitos das pessoas envolvidas nas investigações realizadas por Nissen Pessolani.
Em terceiro lugar, a Comissão observou que a escassa fundamentação da decisão condenatória não permitiu provar que a restrição à liberdade de expressão fosse legítima, idônea, necessária e estritamente proporcional ao objetivo perseguido. Consequentemente, concluiu-se que foi imposta uma restrição arbitrária ao exercício da liberdade de expressão, através da imposição de uma responsabilidade subsequente que não cumpriu com os requisitos estabelecidos na Convenção Americana.
Com base nestes fundamentos, foi estabelecido que o Estado do Paraguai violou os direitos de Nissen Pessolani de ter decisões fundamentadas, ao princípio da legalidade e à liberdade de expressão.
Por outro lado, em relação ao direito de recorrer da sentença e ao direito à proteção judicial, a Comissão observou que o recurso de reconsideração e esclarecimento previsto nos regulamentos não permitia uma revisão completa das resoluções do JEM. Além disso, considerou que, embora o Sr. Nissen tenha apresentado uma ação de inconstitucionalidade, este recurso foi ineficaz na proteção dos direitos da vítima.
Finalmente, a CIDH reiterou que, quando a permanência dos juízes e juízas em seus cargos é arbitrariamente afetada, viola-se o direito à independência judicial junto com o direito de acesso e permanência em condições gerais de igualdade em um cargo público, estabelecido no artigo 23.1.c da Convenção Americana. A CIDH também lembrou que as garantias de maior estabilidade para os juízes e juízas são igualmente aplicáveis aos promotores, a fim de garantir a independência no exercício de suas funções. Com base nisso, e levando em conta as violações estabelecidas no processo disciplinar contra o Sr. Nissen, a Comissão concluiu que o Estado violou o direito de acesso da vítima a cargos públicos em condições de igualdade.
Diante do exposto, a Comissão concluiu que o Estado do Paraguai é responsável pela violação dos direitos às garantias judiciais, princípio da legalidade, liberdade de expressão, direitos políticos e proteção judicial, consagrados nos artigos 8.1, 8.2 b), 8.2 c), 8.2 h) 9, 13.1, 13.2, 23.1 c) e 25.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação às obrigações estabelecidas nos artigos 1.1 e 2 do mesmo instrumento, em detrimento de Alejandro Nissen Pessolani.
Em seu Relatório de Mérito, a Comissão recomendou ao Estado:
1. Reintegrar a vítima em uma posição semelhante à que ela ocupava, com a mesma remuneração, benefícios sociais e posição comparável à que ela ocuparia hoje se não tivesse sido destituída. Caso esta não seja a vontade da vítima ou existam razões objetivas que impeçam sua reintegração, o Estado deve pagar uma indenização por este motivo, que é independente das reparações por danos materiais e morais incluídas na recomendação número dois.
2. Reparar integralmente as consequências das violações declaradas no Relatório de Mérito, incluindo tanto o dano material como o dano imaterial.
3. Realizar capacitações no âmbito do Órgão de Julgamento de Magistrados em relação à garantia da defesa, o princípio da legalidade e liberdade de expressão, que sejam relevantes para o exercício de sua função disciplinar, nos termos indicados no relatório.
4. Adotar medidas legislativas, administrativas ou quaisquer outras medidas necessárias para assegurar que os processos disciplinares contra promotores sejam compatíveis com os estândares no âmbito do devido processo das e dos operadores de justiça. Especificamente, devem ser tomadas as medidas necessárias para assegurar que os processos garantam o direito de recorrer da sentença condenatória e a proteção judicial.
A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato surge a partir da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem como mandato promover a observância e defesa dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA na temática. A CIDH é composta por sete membros independentes, que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal, sem representarem seus países de origem ou de residência.
No. 077/21