OEA/Ser.G
CP/doc.3494/01 rev. 1
16 julio 2001

Original: inglês

 

DECLARAÇÃO DO EMBAIXADOR ODEEN ISHMAEL, DA GUIANA,

NAS DISCUSSÕES SOBRE A CARTA DEMOCRÁTICA INTERAMERICANA

NA SESSÃO DO CONSELHO PERMANENTE DA OEA

 

 

(Apresentada ao Conselho Permanente na sessão de 20 de junho de 2001)

 

 

 

 

MISSÃO PERMANENTE DA REPÚBLICA DA GUIANA

JUNTO À

ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS

 

 

21 de junho de 2001

 

Senhor Presidente:

Tenho a honra de remeter cópia de minha declaração feita no Conselho Permanente em 20 de junho de 2001, no curso das discussões sobre a Carta Democrática Interamericana.

 

Muito agradeceria a Vossa Excelência que esta seja distribuída às Missões Permanentes e às Missões Observadoras Permanentes junto à Organização dos Estados Americanos.

 

Aproveito a oportunidade para renovar a Vossa Excelência os protestos da minha mais alta consideração.

 

 

 

Odeen Ishmael

Embaixador

Representante Permanente

A Sua Excelência o Senhor

Embaixador Humberto de la Calle

Presidente, Conselho Permanente

Gabinete do Presidente

Organização dos Estados Americanos

17th Street & Constitution Avenue, N.W.

Washington, D.C., 20006

DECLARAÇÃO DO EMBAIXADOR ODEEN ISHMAEL, DA GUIANA,

NA SESSÃO DO CONSELHO PERMANENTE DA OEA DURANTE

AS DISCUSSÕES SOBRE A CARTA DEMOCRÁTICA INTERAMERICANA

 

 

Senhor Presidente, Embaixadores, Secretário-Geral, Secretário-Geral Adjunto, membros de delegações, Senhoras e Senhores:

 

O Conselho Permanente da Organização dos Estados Americanos foi incumbido da tarefa de examinar e agilizar o projeto de texto da Carta Democrática Interamericana.

 

O meu governo apóia os princípios estabelecidos nesse projeto. A nosso ver, essa Carta é um marco significativo no desenvolvimento histórico da OEA. Ao ser formada, o objetivo da OEA não era promover e defender a democracia, mas, ao contrário, ela se preocupou mais com as áreas amplas da cooperação regional. A idéia da democracia era apenas um simulacro, uma vez que a maioria dos regimes daquela época não se baseava nesse princípio.

 

De modo geral, parte-se do princípio de que a idéia da cooperação regional que forma a base da OEA surgiu de uma história de cooperação regional que remonta ao século XIX. Porém, na realidade, mesmo antes desse período, muito antes da chegada dos conquistadores europeus, povos de diferentes países deste Hemisfério coexistiram, implementaram sistemas e padrões de governo e fizeram transações comerciais lucrativas entre as áreas que se estendiam desde a região que hoje é o sul dos Estados Unidos até a Bolívia na América do Sul, incluindo as ilhas do Caribe. Em algumas áreas desenvolveram-se civilizações avançadas com formas culturais também avançadas e os níveis por elas atingidos assombram até a algumas das mentes mais avançadas de hoje. A história revela que no período pré-europeu as nações ameríndias mantiveram contato e comunicação entre si, enviando emissários para negociar acordos políticos, militares e comerciais. O grau de avanço da cooperação hemisférica naquele período será tarefa dos historiadores. Porém, como sabemos, a chegada dos conquistadores militares e pseudo-religiosos a partir do século XVI mudou a face das Américas e introduziu novos conceitos de governo e cultura.

 

No período de 200 anos, surgiram as nações eurocêntricas de gerações de imigrantes e, no início do século XIX, muitas delas no continente e a República Negra do Haiti, no Caribe, seguiram o caminho da autodeterminação.

 

Em 1826, o Libertador Simón Bolívar convocou o Congresso do Panamá com a idéia de criar uma associação de Estados no Hemisfério. Passaram-se cinqüenta e cinco anos antes que as Repúblicas independentes realizassem, em 1889, em Washington, D.C., a Primeira Conferência Internacional dos Estados Americanos e criassem a União das Repúblicas Americanas e sua Secretaria, o Escritório Comercial das Repúblicas Americanas. Esta organização tornou-se a União Pan-Americana em 1910.

 

De 1910 a 1945, foram realizadas muitas conferências sobre questões relacionadas com comércio, agressão externa e cooperação.

 

Estou convencido de que a OEA, tal como a conhecemos, começou em 1947 com o Tratado do Rio que estabeleceu um tratado de defesa mútua aplicável aos Estados americanos.

 

Em abril de 1948, na Nona Conferência Internacional Americana, organizada pela União Pan-Americana, representantes de 21 países do Hemisfério reuniram-se em Bogotá, Colômbia, para adotar a Carta, que serve de fundamento da Organização dos Estados Americanos (OEA). Isso foi feito em 30 de abril de 1948, afirmando assim seu compromisso com as metas comuns e respeito pela soberania de cada país. Assinaram a Carta da OEA e a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, a primeira expressão internacional de princípios dos direitos humanos.

 

A Carta, assinada em 1948, definiu assim o propósito da OEA: "... Promover e consolidar a democracia representativa, respeitado o princípio da não-intervenção; prevenir as possíveis causas de dificuldades e assegurar a solução pacífica das controvérsias que surjam entre os seus membros; Organizar a ação solidária destes em caso de agressão; Procurar a solução dos problemas políticos, jurídicos e econômicos que surgirem entre os Estados membros; Promover, por meio da ação cooperativa, seu desenvolvimento econômico, social e cultural; ... e Alcançar uma efetiva limitação de armamentos convencionais que permita dedicar a maior soma de recursos ao desenvolvimento econômico-social dos Estados membros."

 

No período a partir da década de 1970, a OEA começou a ampliar o número de seus membros e agora inclui o Canadá e os países independentes do Caribe. Desde então, foram feitas também diversas reformas da Carta da OEA.

 

Examinando o passado, não se sabe se a razão principal da criação da OEA, pouco depois do fim da Segunda Guerra Mundial, foi agir como dissuasão da ameaça percebida do expansionismo comunista no Hemisfério Ocidental. Aproximadamente na mesma época, foram criados o Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e a Organização do Tratado do Sudeste Asiático (SEATO) com o objetivo primordial de deter o comunismo.

 

Como tal, o propósito da OEA não era promover a democracia, uma vez que muitos dos regimes militares existentes, vistos como adversários do comunismo, eram vistos com bons olhos e elogiados pelo seu bom trabalho, embora, em muitos casos, os seus cidadãos sofressem repressão e pobreza.

 

Apesar do manto da Guerra Fria, a OEA fez progressos significativos na promoção da democracia. Em 1959, criou a Comissão Interamericana de Direitos Humanos que hoje oferece recurso aos cidadãos vítimas de violações dos direitos humanos. Dez anos depois presenciamos a assinatura da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e, em 1978, a criação da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

 

Em 1961, em Punta del Este, Uruguai, foi lançada a Aliança para o Progresso, um programa ambicioso de reformas destinadas a fortalecer a democracia e conseguir progresso econômico e maior justiça social no Hemisfério.

 

Ao introduzir a Aliança para o Progresso em 13 de março de 1961, o Presidente Kennedy fez o seguinte apelo: "Os detentores de riqueza e poder nos países pobres devem aceitar as próprias responsabilidades. Devem liderar a luta pelas reformas básicas, as únicas capazes de preservar a estrutura de sua sociedade. Os que tornam impossível a revolução pacífica, tornarão inevitável a revolução violenta."

 

Entretanto, essas reformas não foram implementadas pela oligarquia latino-americana – que incluía os militares, o alto clero e os latifundiários – e o resultado foram conseqüências trágicas para a população.

 

A tendência anticomunista notória da OEA revestiu suma importância nas décadas de 1950 e 1960. Naturalmente, há aqueles que argumentam que ser anticomunista significa ser pró-democracia. No contexto deste Hemisfério, isso é discutível. A suspensão de Cuba em janeiro de 1962, apoiada por 14 dos 21 membros, não foi devida ao fato de ser "antidemocrática". Se a ausência da democracia foi a causa de suspensão de um membro, então naquela época a OEA ficaria com um número extremamente reduzido de membros. A medida de expulsão declarou que a "adesão de Cuba... ao marxismo-leninismo é incompatível com o Sistema Interamericano". A Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Equador e México abstiveram-se de votar alegando que a medida violava o princípio da não-intervenção nos assuntos internos de outro Estado membro, parte da Carta da OEA.

 

Além disso, a OEA apoiou a invasão da República Dominicana em 1963 não pelo fato de esse ato significar a proteção da democracia. Na realidade, a democracia tinha sido eliminada antes. Em 1964, no caso do meu próprio país que ainda era colônia britânica, a OEA não se pronunciou quando as organizações anticomunistas internacionais se aliaram à oposição para desestabilizar o governo livre e democraticamente eleito daquela época. Era um governo que estava pondo em ação reformas democráticas para reduzir a pobreza e melhorar a qualidade das massas. Naquela época bastava dar o rótulo de comunistas aos líderes que estivessem combatendo o colonialismo para as pessoas que controlavam o destino do Hemisfério não lhes permitirem permanecer no poder, embora tivessem ganhado as eleições de forma livre e eqüitativa.

 

À medida que diminuía a ameaça comunista na década de 1980 e a Guerra Fria chegava ao fim, a OEA rapidamente começou a reafirmar-se como campeã da promoção da democracia. Era evidente que a OEA passava por uma evolução desde sua formação até meados da década de 1980. Por estas alturas já tinham deixado de lado o manto da Guerra Fria e, sem dúvida, o advento dos países de língua inglesa do Caribe ajudou neste empreendimento. Como os países da CARICOM têm uma longa tradição de democracia representativa e respeito e proteção dos direitos humanos, as idéias novas que trouxeram ao foro da OEA incentivaram este órgão hemisférico a ajustar suas perspectivas. Questões relacionadas com a democracia no Hemisfério tornaram-se mais importantes e programas destinados a incentivar o desenvolvimento da democracia – tais como promoção e apoio de programas para reduzir a pobreza e combater o crime – tornaram-se mais e mais significativos como o passar dos anos.

 

E num movimento sumamente importante em 1991, foi adotada a resolução AG/RES. 1080 (XXI-O/91), que estabeleceu os procedimentos para reagir perante ameaças à democracia no Hemisfério. Fator-chave para ajudar na gestão de crises, a resolução 1080 foi invocada quatro vezes: Haiti (1991), Peru (1992), Guatemala (1993) e Paraguai (1996). A diplomacia preventiva para promover a democracia também tem sido periodicamente aplicada pela OEA, como ocorreu mais recentemente no Peru. Além disso, a observação eleitoral da OEA em muitos de nossos países tem ajudado a fortalecer a democracia e promover a confiança de nossos cidadãos no processo eleitoral.

 

Assim, na década de 1990, presenciamos uma evolução rápida – ou mesmo uma revolução – na transformação política da OEA. Em 1997, a ratificação do Protocolo de Washington ajudou a fortalecer a democracia representativa dando à OEA o direito de suspender um Estado membro cujo governo democraticamente eleito seja derrubado à força. Anteriormente, a Organização tinha adotado a Convenção Interamericana contra a Corrupção, o primeiro acordo internacional dessa natureza.

 

Sucessivas Cúpulas das Américas aumentaram as responsabilidades da OEA e reafirmaram o seu papel no fortalecimento dos valores e instituições democráticos, bem como estabeleceram uma série de novas funções e prioridades.

 

E assim a OEA deu uma volta completa e pode agora, com consciência coletiva limpa, viver à altura dos ideais estabelecidos na Carta, citada anteriormente.

 

Fizemos um passeio pela história e desvendamos tudo de forma a apreciarmos a evolução da OEA na promoção da democracia. O atual projeto de Carta Democrática que estamos examinando também destaca a democracia representativa, como o fez a Carta da OEA.

 

A nosso ver, os habitantes deste Hemisfério prosperarão sob a democracia que avançar progressivamente. Embora a democracia representativa por meio de eleições livres e eqüitativas seja louvável, não deve ser estática. Cumpre lembrar que se trata de um conceito existente na época da adoção da Carta da OEA. É essencial que progrida para tornar-se abrangente – não apenas representativa mas também consultiva e participativa. Com a democracia participativa estamos atribuindo poder às pessoas na base. É uma democracia que, além dos direitos civis e políticos, garante também os direitos sociais e culturais.

 

O pai do movimento de independência da Guiana, o falecido Doutor Cheddi Jagan, resumiu essa qualificação da democracia ao falar na Cúpula de Desenvolvimento Sustentável, de Santa Cruz, Bolívia, em 7 de dezembro de 1996. Afirmou ele: "A democracia deve ter como objetivo ‘vida, liberdade e busca da felicidade’. Isso será conseguido quando abraçar não somente o aspecto representativo (cinco minutos de votação), mas também o consultivo e o participativo, especialmente no caso da mulher, e quando forem respeitados os direitos não apenas civis e políticos, mas também econômicos, sociais e culturais. Uma pessoa deve exercer o seu direito de voto, mas esse direito somente será exercido se houver o alimento necessário para a vida."

 

Apoiamos plenamente o princípio da democracia, segundo expresso na Carta Democrática, apesar das limitações que, a nosso ver, existem. Também apoiamos os outros princípios e medidas expressas no projeto.

 

 

A adoção da Carta Democrática Interamericana é um movimento histórico para frente empreendido pelos Governos deste Hemisfério. Como é do conhecimento de todos, é um mandato conferido à OEA pelos Chefes de Estado e de Governo e seus princípios fundamentais foram firmemente declarados na "cláusula sobre democracia" da Declaração de Quebec. Portanto, o produto final, que também levará em consideração as opiniões do público em geral, certamente contará com a mais ampla aprovação em todo o Hemisfério.

 

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