Discursos

JOSÉ MIGUEL INSULZA, SECRETÁRIO-GERAL DA ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS
DISCURSO DE ABERTURA QUADRAGÉSIMO PRIMEIRO PERÍODO ORDINÁRIO DE SESSÕES DA ASSEMBLÉIA GERAL DA OEA

junho 5, 2011 - San Salvador, El Salvador


Gostaria de começar agradecendo a Vossa Excelência, Senhor Presidente, ao Governo e ao povo de El Salvador a excelente acolhida oferecida a este Quadragésimo Primeiro Período Ordinário de Sessões da Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos. O empenho dos Senhores demonstra claramente o compromisso hemisférico dos salvadorenhos, que se manifesta ainda em sua disposição de organizar, também neste ano, as reuniões de Ministros do Turismo e do Trabalho do Hemisfério. Por tudo isso somos gratos.

É ainda uma satisfação estarmos em seu país em um momento tão relevante para a história nacional, quando o governo se esforça para fortalecer a democracia e realizar as mudanças necessárias, a fim de que se alcance um maior desenvolvimento e uma sociedade mais justa; além disso, prezamos igualmente a disposição demonstrada de participar do processo de integração da América Central.

Esta Assembléia Geral acontece em um período auspicioso para nossa Organização. Nas últimas semanas foram concluídos com sucesso dois assuntos pendentes que nos preocupavam: a eleição e instalação de um novo governo no Haiti e o retorno de Honduras ao pleno exercício de seus direitos como membro da Organização dos Estados Americanos.

Encerram-se portanto as duas crises que nos haviam preocupado no último ano. Ao mesmo tempo, a tranqüilidade com que nossos processos eleitorais transcorreram – está sendo concluído o processo eleitoral no Peru, com a presença de nossa Missão de Observação durante esses dias – nos mostra um Hemisfério em que a geração transparente e democrática de autoridades é um hábito, e devemos nos esforçar para que assim se mantenha.

Por esse motivo valorizamos as decisões adotadas pela Cúpula Ibero-Americana e pela UNASUL, bem como a discussão em andamento na Comunidade de Estados da América Latina e do Caribe a respeito da incorporação de cláusulas democráticas que assegurem a defesa coletiva dos governos democráticos. A democracia certamente não se faz somente por eleições limpas e governos estáveis, também se pressupõe uma série de outros atributos. Não obstante, a importância de se contar com eleições democráticas, como temos agora, e de se defenderem as instituições, como também foi feito no caso de Honduras, bem como do Equador, há alguns meses, não pode ser diminuída.

No que se refere ao Haiti, me parece importante ressaltar que nossa Missão Eleitoral Conjunta com a CARICOM desempenhou papel fundamental na conclusão bem-sucedida do difícil processo eleitoral, o que certamente é motivo de satisfação.

Todos esses êxitos criam o ambiente adequado para a comemoração, no próximo mês de setembro, do décimo aniversário de nossa Carta Democrática Interamericana. Essa Carta é uma proposta integral e é precisamente por meio da legitimidade da origem, alcançada mediante eleições limpas e participativas, que devemos intensificar os esforços, a fim de tornar realidade todos os seus preceitos, que se referem a temas tão cruciais como os direitos humanos e a liberdade de expressão, a separação e independência dos poderes do Estado, a transparência e prestação de contas (accountability) no exercício do governo, o respeito ao Estado de Direito e às instituições, a participação cidadã efetiva, o respeito aos direitos da mulher, dos trabalhadores e das minorias e o pleno reconhecimento do pluralismo político na sociedade.

Não é necessário que estejamos em acordo absoluto no tocante à melhor institucionalidade para implantar esses princípios. Temos o cuidado de respeitar as diferentes opções de organização política e social adotadas por nossos povos e, nesse sentido, nossa política coletiva deve sempre acatar o princípio da não-intervenção. No entanto, temos também o mandato, livremente aceito pelos signatários da Carta Democrática, de velar pelo cumprimento dos princípios já mencionados.

O debate que acontece atualmente não tem a intenção de modificar seu conteúdo programático, mas sim cumprir o propósito declarado pela última Assembléia Geral de aumentar a eficácia da Carta Democrática. Para isso, encaminhei minhas propostas ao Conselho Permanente, complementando os relatórios já apresentados em 2007 e 2010. Em conformidade com as decisões aprovadas, essas propostas visam a tornar a Carta mais eficaz, definindo melhor os atos que constituem violações graves da institucionalidade, sugerindo mecanismos que possibilitem a ação preventiva para evitar a crise e oferecendo alternativas não invasivas com vistas a avaliar o progresso de cada um dos temas considerados pela Carta. Também estimamos as declarações emitidas por Vossa Excelência a esse respeito.

Espero que essas propostas, bem como as que sejam apresentadas pelos Estados membros, sejam avaliadas com boa disposição. Estou convencido de que, no âmbito das realizações recentes, poderemos levar adiante um bom diálogo sobre o fortalecimento de nossa democracia, respeitando meticulosamente as particularidades do processo político de cada país. Um continente em paz e dedicado às regras democráticas constitui a condição básica que possibilitará o seu desenvolvimento econômico e social.

A América Latina e o Caribe vivem também uma situação alentadora nesse aspecto. A crise econômica internacional – a maior desde a grande depressão – que ainda não se pode considerar terminada, impactou a região de maneira diferente das crises anteriores. Os níveis de inflação mantiveram-se em geral sob controle e continuou-se observando uma melhor disciplina fiscal. A maior abertura das economias possibilitou que nos beneficiássemos, em maior medida, do crescimento da demanda em outras regiões do mundo.

Considerando-se as devidas diferenças entre as distintas sub-regiões que apresentam, cada uma, um perfil exportador particular, e encontram-se mais ou menos próximas dos centros mais afetados pela crise, é possível afirmar que, desta vez, os países da América Latina e do Caribe não foram atingidos como em outras ocasiões. O trabalho realizado na década anterior para estabilizar as economias demonstrou estar no caminho certo. Estamos saindo da crise fortalecidos, com melhores indicadores de risco, uma melhor qualificação do crédito e um menor prêmio a pagar por risco.

Persistindo as condições atuais, podemos aventurar um progresso sustentável. Temos condições de nos colocarmos de forma melhor na economia global e aproveitarmos a existência de uma maior demanda para nossos produtos. Porém é preciso saber tirar proveito dessa oportunidade. Atualmente, o Fundo Monetário Internacional nos adverte a respeito de um possível superaquecimento e, efetivamente, existem surtos inflacionários e a poupança interna é ainda escassa. No caso de economias como as nossas, em que infelizmente existe uma tradição de gastos excessivos em momentos de abundância, e em que a inflação tem sido um problema endêmico, essas variáveis não devem ser negligenciadas.

Se vamos aumentar nossa competitividade e assim melhorar a condição de vida de nossa população, devemos buscar a maneira de possibilitar a essas pessoas um trabalho decente e produtivo. Também devemos continuar os esforços para incorporar muito mais mulheres na força de trabalho. Com essa finalidade, faz-se necessário melhorar significativamente nossa educação de modo que, no momento da incorporação no trabalho, nossa população, mais jovem que as de outras regiões do mundo, tenha condições de fazê-lo com as ferramentas que o mundo moderno exige. Um mundo mais intensivo no tocante ao capital e às novas tecnologias.

Nossos países continuam sendo muito injustos. A atual crise não significou, como sempre ocorreu em crises anteriores, um grande retrocesso em nossa luta contra a pobreza; não obstante, não conseguimos reduzir de maneira significativa a desigualdade.

Dar um salto em direção ao desenvolvimento, melhorar a qualidade de vida de nossos habitantes e construir um continente mais justo não será possível sem um maior esforço solidário. A carga tributária da América Latina continua sendo muito baixa em relação às outras regiões, além de fortemente concentrada em impostos indiretos. Não é possível responder aos desafios futuros sem modificar essa carga tributária e, evidentemente, reduzir a evasão. Para demonstrar essa necessidade, basta comparar a distribuição da receita de nossa região com a dos países desenvolvidos da OCDE antes e depois dos impostos: enquanto no caso destes últimos, a receita aumenta de maneira significativa uma vez que se aplica a carga fiscal, em nossa região, a desigualdade quase não registra variação depois dos impostos.

A pergunta não é se a década que começou será ou não a “década da América Latina”. A pergunta é: o que temos que fazer para que o seja a década da América Latina? Existem motivos para que sejamos razoavelmente otimistas. O foco do crescimento mundial está se deslocando em direção aos países emergentes, com padrões de consumo diferentes daqueles dos países ricos. Esses novos consumidores demandam o desenvolvimento de infra-estruturas, alimentos e outras necessidades que reavaliarão as matérias-primas. E esta região tem melhores condições do que qualquer outra de abastecê-los, não apenas de matérias-primas, mas também de outros bens de consumo, como já ocorre de maneira incipiente. Se utilizarmos esses recursos para melhorar nossos sistemas de proteção social, educação, saúde e nossa infra-estrutura; eliminar a pobreza extrema e reduzir a distância entre os poucos e os muitos em nossas sociedades; se melhorarmos a qualidade de nossa ação pública e realizarmos verdadeiros acordos nacionais, a fim de avançar, sem perder tempo com polêmicas inúteis, a resposta pode ser positiva.

Nossa Organização continuará lutando para alcançar esses objetivos de desenvolvimento por meio dos programas de cooperação que busquem fortalecer as instituições do Estado e da sociedade, necessárias para impulsionar o desenvolvimento, tornar mais eficaz a ação do governo, fortalecendo as estruturas de tomada de decisão e de implementação de políticas públicas; capacitar os recursos humanos, tanto no uso das técnicas mais modernas de administração pública, como na capacitação dos jovens de destaque da região. Buscamos também prestar apoio aos setores da sociedade civil mais excluídos e estimular a responsabilidade social das empresas para criar parcerias entre a iniciativa pública e a privada que tornem mais eficaz o trabalho comum com vistas ao desenvolvimento integral.

No entanto, a governança democrática, o crescimento econômico e a melhoria da qualidade de vida na região não são possíveis sem que um obstáculo fundamental seja superado. Foi esse o tema que Vossa Excelência, Senhor Presidente, escolheu para esta Assembléia Geral.

Em 2003, na Conferência Especial sobre Segurança, realizada na Cidade do México, os Estados membros da OEA aprovaram a Declaração sobre Segurança nas Américas que estabeleceu o alcance multidimensional da segurança e incluiu as ameaças novas e tradicionais, entre as quais, pela primeira vez definidos como ameaça direta à segurança das pessoas, os desastres naturais, que costumam assolar muitos de nossos países, e os desastres provocados pelos próprios seres humanos que, cada vez mais, põem em grave risco o meio ambiente em nossa região. Respondemos a esse crescente desafio buscando coordenar os esforços de mitigação e reconstrução com as demais organizações internacionais, canalizando ajuda de maneira direta ou por meio da Fundação Pan-Americana de Desenvolvimento, e promovendo a ação voluntária por intermédio do Programa Capacetes Brancos, liderado pela República Argentina.

A Conferência do México também lembrou a ameaça que reveste a persistência de fatores como a pobreza, a indigência, a desigualdade, a exclusão social, a instabilidade econômica e o desemprego, em cuja presença as ameaças do crime surgem e se estendem. Temos repetido todos, muitas vezes, que, em nossa região, um em cada quatro jovens nem estuda nem trabalha, o que faz de dezenas de milhões deles alvos vulneráveis do crime, sujeitos à insegurança, seja porque são recrutados pelas quadrilhas organizadas, seja porque são vítimas de sua ação criminosa.

No entanto, a Conferência do México também enfatizou de forma especial a ameaça da criminalidade que, oito anos depois, apresenta-se ainda mais grave. Reconhecer as origens do fenômeno do crime não nos exime de enfrentar, de maneira cabal, o problema.

O crime, o narcotráfico e a violência constituem uma ameaça à estabilidade, ao fortalecimento democrático, ao Estado de Direito e ao desenvolvimento econômico nas Américas. Não podemos ignorar a importância crítica, para o nosso futuro, do aumento da criminalidade e em particular da criminalidade organizada transnacional.

Enfrentamos organizações criminosas que atuam nas fronteiras nacionais e no âmbito delas, perpetrando o tráfico de drogas, a lavagem de ativos, o tráfico ilícito de migrantes e o tráfico de pessoas, o tráfico de armas, a extorsão, a pirataria intelectual e o seqüestro.

Entretanto, a violência afeta a população de modo desigual. As principais vítimas são os adolescentes e as crianças. Os jovens das camadas mais pobres da sociedade, especialmente os homens, são os protagonistas das atividades das quadrilhas, mas também são as principais vítimas da violência. O índice de mortes causadas por lesões na região, que chega a 14,94 para cada 100 mil habitantes, é muito mais alto e é essa a principal causa de morte entre os jovens na faixa etária de 15 a 29 anos, cujo índice chega a 83,2, sendo ainda mais alto entre os jovens de camadas médias e baixas, entre os quais o índice é de mais de 100 casos para cada 100 mil habitantes.

As mulheres também são vítimas preferenciais da violência: um diagnóstico realizado pelo BID revela que as agressões sexuais e a violência doméstica afetam de 25% a 50% de todas as mulheres da América Latina. E todos conhecemos a alarmante realidade que as estatísticas começam a mostrar sobre o homicídio de mulheres em nossos países.

A falta de segurança afeta diretamente a integridade física, a tranqüilidade e o patrimônio das pessoas, e representa uma ameaça à estabilidade, ao fortalecimento democrático, ao Estado de Direito e ao desenvolvimento de todos os países das Américas. Estudos do BID mostram que a violência criminal reduz em mais de 12% o PIB latino-americano. O gasto com segurança privada, que se aproxima dos 7 bilhões de dólares na América Latina, supera amplamente o gasto público com segurança e justiça na maioria dos países da região.

Superar a desigualdade, a pobreza extrema, a insuficiência de serviços públicos e a falta de emprego digno é um processo que exigirá de nossas nações muitos anos de esforço. Com a mera declaração desse propósito não atendemos à demanda urgente de segurança pública que vem da sociedade. A última pesquisa do Latinobarômetro mostra maior adesão à democracia do que em anos anteriores; porém, mostra também, em todos os países, uma intensificação substancial da preocupação com o crime, mesmo em países com índices de criminalidade relativamente baixos.

Ao fator objetivo do aumento da criminalidade e da criminalidade organizada se junta, portanto, o fator subjetivo do temor e da demanda do cidadão. O crime constitui um desafio político para a nossa democracia e exige respostas claras de nossa parte. A resposta deve ser de toda a sociedade, das organizações sociais e políticas, e da cidadania atuante, e requer políticas públicas claras e decisões políticas e orçamentárias que as implementem.

Por certo, o combate à criminalidade interage com as políticas de desenvolvimento econômico e social, e pressupõe eliminar fatores de frustração e discriminação, dar oportunidade de trabalho e/ou educação a todos os jovens, bem como corrigir as enormes desigualdades de nossa sociedade.

Deve ser compatível com uma sociedade democrática, a defesa dos direitos humanos e das liberdades pelas quais tanto temos lutado. Mas inclui fortalecer a capacidade de nossos corpos policiais de vigilância, proteção e investigação do crime; a existência de procuradores e juízes capazes de aplicar a lei de maneira justa e severa; a existência de sistemas penitenciários que promovam a reeducação dos infratores, especialmente dos jovens, e, ao mesmo tempo, isolem os criminosos mais perigosos e os chefes de quadrilhas, que fazem das prisões verdadeiros escritórios, de onde dirigem sua atividade delituosa; e também pressupõe o desenvolvimento de mecanismos de ação e participação comunitária, que atuem na prevenção do crime.

Nada substitui a ação do Estado no desenvolvimento desses recursos, em interação com a comunidade organizada. Alguns de nossos países, no entanto, enfrentam desafios maiores que outros; do mesmo modo que alguns dispõem de recursos insuficientes para construir seus sistemas de segurança modernos e democráticos. As ofertas de apoio que chegam aos países mais frágeis, de maneira bilateral ou multilateral, não se devem limitar a uma ação puramente complementar ou periférica, mas se devem comprometer ativamente com o apoio às políticas populacionais para a construção de sistemas de segurança nas áreas mencionadas.

O fenômeno do crime apresenta uma clara conotação transnacional: o narcotráfico leva a droga através das fronteiras; o contrabando de armas, partindo do norte para o sul, alimenta cada vez mais os clãs da droga, e torna inúteis os esforços dos governos por combatê-los; o tráfico de pessoas atravessa fronteiras; a lavagem de dinheiro utiliza as vantagens que lhe proporcionam os sistemas financeiros globais; as quadrilhas criminosas operam em cenários diversos e vão de um país para outro com facilidade. Essa realidade faz do crime uma atividade transnacional por natureza, que só poderemos combater coletivamente, mediante uma cooperação muito maior do que a que até agora alcançamos.

Por isso, desde a minha chegada à Secretaria-Geral da OEA, em 2005, salientei repetidamente que, de acordo com as demandas provenientes dos cidadãos das Américas, devemos dar à segurança pública prioridade máxima nessa área de trabalho.

Já em 1986 havíamos criado a Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas, que é o foro político do Hemisfério para todos os assuntos relacionados com o problema mundial das drogas; e, em 1999, instituímos o Comitê Interamericano contra o Terrorismo. Esses dois órgãos, no entanto, trabalhavam sem uma concepção integral da segurança pública, e outras ameaças graves deixavam de ser consideradas na Organização.

Em 2005, como um desdobramento institucional decorrente da Declaração do México de 2003, criamos a Secretaria de Segurança Multidimensional, a qual se incorporaram a Comissão e o Comitê antes mencionados, além do Departamento de Segurança Pública, que se concentra nas novas ameaças à segurança não abordadas pelas instâncias anteriores, e que incluem a criminalidade organizada e o fenômeno das quadrilhas criminosas, a fabricação e o trafico ilícitos de armas de fogo, a ação integral contra as minas antipessoal, e o tráfico de seres humanos.

As reuniões dos Ministros da Justiça da região acentuaram, cada vez mais, os aspectos ligados à coordenação da justiça criminal, com a plena consciência de que, ao atuarmos em conjunto, agregamos capacidade de prevenção e interdição.

Merecem menção especial duas reuniões de ministros encarregados da segurança pública: no México, em 2007, e na República Dominicana, em 2009, esta última precedida de uma importante reunião de peritos, em Montevidéu, no mesmo ano. A terceira reunião, que se realizará em Trinidad e Tobago, no próximo mês de novembro, constituirá mecanismos e indicadores concretos que possam permitir a nossos países a implementação dos resultados desta Assembléia Geral e elevar a qualidade da nossa ação internacional.

Essas instâncias permanentes de discussão e acordos possibilitam às mais altas autoridades responsáveis pela aplicação da lei e pela gestão da segurança pública identificar as raízes mais profundas do fenômeno da criminalidade e da violência no Hemisfério, bem como gerar consensos e ações coordenadas para enfrentá-lo.

Além disso, a partir da Secretaria-Geral da OEA, atuamos como coordenadores ou como Secretaria Executiva do Mecanismo de Acompanhamento da Convenção Interamericana contra a Corrupção; do Mecanismo de Acompanhamento da Convenção de Belém do Pará sobre a Violência contra a Mulher; da Convenção Interamericana contra a Fabricação e o Tráfico Ilícitos de Armas de Fogo, Munições, Explosivos e Outros Materiais Correlatos; do Plano Hemisférico contra a Criminalidade Organizada Transnacional; do Mecanismo de Avaliação Multilateral da Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas; do Comitê Interamericano contra o Terrorismo, do Grupo de Trabalho Encarregado de Elaborar a Estratégia Regional de Promoção da Cooperação Interamericana para o Tratamento das Quadrilhas Criminosas; do Grupo Técnico sobre Criminalidade Organizada Transnacional; da Reunião de Autoridades Nacionais em Matéria de Tráfico de Pessoas; da Reunião de Autoridades Responsáveis pelas Políticas Penitenciárias e Carcerárias; da Reunião de Especialistas Forenses; e dos Grupos de Peritos em Redução da Demanda, Controle da Lavagem de Ativos, Tráfico Marítimo e Controle de Precursores Químicos.

Dessa maneira podemos enfrentar melhor essa tarefa, porém as decisões esperam a existência de um plano de ação claro para levar adiante nossas políticas.

Não posso deixar de referir-me aqui à recente reunião da Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas (CICAD), no Suriname, na qual se aprovou, de maneira definitiva, a nova Estratégia de Combate às Drogas, para o período 2011-2015, elaborado por um grupo de trabalho de alto nível, liderado pelo Governo do México. Esse plano define objetivos e políticas concretas com relação a cinco áreas de trabalho: fortalecimento institucional, redução da demanda, redução da oferta, medidas de controle e cooperação internacional, acordando medidas concretas para cada uma delas. Pela primeira vez, dispensa-se, nessa estratégia, atenção equilibrada aos diferentes componentes do combate à droga, com propostas muito claras para controlar a oferta, combater a lavagem de dinheiro e reduzir o tráfico de armas para os narcotraficantes.

Ressalto essa nova Estratégia por duas razões. Em primeiro lugar, porque mostra até que ponto temos claras as deficiências reais da atual política. Quando falamos da atual guerra à droga, não podemos dizer que fracassa porque não confiscamos drogas ou porque não prendemos pessoas vinculadas ao tráfico. Em 2010, foram apreendidas em nosso Hemisfério mais de 500 toneladas de cocaína, que, segundo estimativas, significam quase a metade do que se produz; e, dos três milhões e meio de prisões efetuadas em nosso Hemisfério, um terço se deve a crimes ligados ao narcotráfico. É claro que ainda podemos melhorar nossa eficácia nesse sentido, porém, enquanto não se reduzir a demanda, e o tráfico continuar a ser um bom negócio; enquanto o fluxo de dinheiro não diminuir, haverá financiamento para esse tráfico; e, enquanto existir a abundância de armas que flui do norte para o sul, a guerra continuará e a enfrentaremos em condições cada vez piores.

Não é por acaso que a nova Estratégia, aprovada por unanimidade, se refira à necessidade de reduzir a demanda, enfrentar mais adequadamente a lavagem de dinheiro e reduzir o tráfico de armas.

Em segundo lugar, a adoção da nova Estratégia de combate às drogas mostra que somos capazes de formular um Plano de Ação consensual, que contenha medidas concretas a respeito de um tema tão central como é o combate ao narcotráfico. Não vejo razão para que não possamos fazer o mesmo, em curto prazo, com respeito a um Plano de Ação mais genérico. Espero que esta Assembléia aprove as decisões voltadas para essa finalidade. Essa também é a expectativa dos integrantes da Associação de Polícias das Américas, reunidos neste momento a poucos quilômetros daqui. Ontem assinamos um convênio de cooperação com a associação, que inclui a o corpo policial de todos os nossos países e que esperam orientações claras a fim de atuar na direção em que indicarmos.

Grande parte do conteúdo dessa Estratégia foi antecipada por El Salvador, no debate que antecedeu esta Assembléia. Espero que aqui levemos em consideração estas e outras ações concretas para cooperar na luta pela segurança cidadã, e que adotemos as decisões necessárias para transformá-las em um Plano de Ação.

Senhor Presidente, graças à iniciativa de seu governo, e inspirados no projeto apresentado por sua Chancelaria, os Ministros das Relações Exteriores das Américas terão a oportunidade, nesse período de sessões, de adotar medidas relativas ao fortalecimento da cooperação internacional na luta contra a criminalidade. Também será matéria das deliberações dessa reunião a obrigação do Estado de oferecer segurança aos seus cidadãos, no âmbito de uma ordem democrática, do império do Estado de Direito e do respeito aos direitos humanos; uma obrigação que busca expressar-se em políticas de segurança pública de longo prazo, integrais e com perspectiva de gênero. A interação entre os diferentes níveis do Estado com a sociedade civil organizada, a comunidade, os meios de comunicação, e os setores privado e acadêmico, para responder, de maneira participativa, articulada e integral às complexas ameaças à segurança em nossos países, também deve estar presente nas deliberações e conclusões desta Assembléia Geral.

A Organização dos Estados Americanos orientou suas políticas de segurança para servir fundamentalmente a essas finalidades. Conforme mostrei aqui, temos em andamento os programas e os recursos institucionais para sermos úteis nesta importante tarefa, e os colocamos à disposição de todos os países membros. De imediato, compareceremos com entusiasmo à próxima reunião sobre segurança, na Guatemala, em 22 de junho próximo, a fim de assumir as tarefas que por ela nos sejam destinadas.

Senhor Presidente, Senhoras Ministras e Senhores Ministros,

Estamos atravessando uma época de mudanças no Hemisfério. Existem na atualidade condições econômicas que apontam para a possibilidade certa de ascensão. Existem hoje também condições políticas favoráveis, com processos eleitorais consolidados e avanços significativos na institucionalidade em todos os países. Mas as próprias mudanças, de natureza positiva, podem ser novamente debilitadas por ameaças que não perderam terreno. Não há guerras na região, mas dois inimigos comuns e inter-relacionados, cada qual mais violento: a criminalidade organizada e a desigualdade.

Nós da OEA estamos preparados para enfrentar esses desafios. Esperamos tão somente decisões claras que, tenho certeza, os Senhores irão aprovar nesta Assembléia e nos meses subseqüentes. Caso venhamos a fazê-lo, creio que já não teremos dúvidas e poderemos responder com toda segurança que, sim, que esta década que se iniciou será a década da América Latina e do Caribe, no âmbito de um Hemisfério que vive em progresso, segurança e paz.