Discursos

CHEFE DA DELEGAÇÃO DO BRASIL EMBAIXADOR SAMUEL PINHEIRO GUIMARÃES NETO SECRETÁRIO GERAL DAS RELAÇÕES EXTERIORES
DISCURSO DO CHEFE DA DELEGAÇÃO DO BRASIL EMBAIXADOR SAMUEL PINHEIRO GUIMARÃES NETO

junho 4, 2007 - Cidade do Panamá


Senhores Ministros,
Senhor Secretário-Geral da OEA,
Senhores Delegados,
Senhoras e Senhores,

Senhor Presidente,

Gostaria de expressar a satisfação de estar hoje na Cidade do Panamá. Quero agradecer ao Governo panamenho e ao Chanceler e Primeiro Vice-Presidente Samuel Lewis pela hospitalidade e pela calorosa acolhida. Gostaria de saudar o Secretário-Geral da OEA, José Miguel Insulza, e transmitir-lhe o compromisso do Governo brasileiro de colaborar e apoiar as ações da Organização.

O tema central desta reunião era há pouco tempo restrito a foros econômicos, nos quais apenas os especialistas se manifestavam. Hoje, “energia” tornou-se um tema muito mais complexo, com implicações políticas e estratégicas profundas.

Por um lado, a energia está associada às questões mais amplas da proteção ao meio ambiente, em particular da mudança do clima. Os relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças do Clima serviram para alertar-nos. Para reduzir as emissões de carbono, é preciso fazer muito mais do que tem sido feito. E, como se reconhece cada vez mais, o aumento da produção e do uso dos biocombustíveis é uma das maneiras mais rápidas e eficazes de reverter processos destrutivos do meio ambiente
A questão da energia também tem implicações diretas sobre o desenvolvimento. Democratizar sua produção e sua distribuição no âmbito internacional significa proporcionar, a povos vitimados pelo subdesenvolvimento, capacidade de recuperação econômica e social, pela criação de empregos e geração de renda.
O Brasil está empenhado em superar os múltiplos gargalos da questão energética. A proposta de maior utilização de biocombustíveis insere-se nessa preocupação brasileira de estimular a adoção de fontes de energia renováveis e de tornar o mercado energético uma fonte de crescimento para economias menos desenvolvidas.
Em abril deste ano, pela primeira vez, por iniciativa do RB Venezuela, os países da América do Sul puderam discutir profundamente essa questão no nível de Chefes de Estado na Cúpula Energética Sul-Americana, realizada em Isla Margarita. Hoje temos diante de nós a possibilidade de engajarmo-nos, em âmbito hemisférico, na transformação qualitativa da nossa matriz energética.
O Brasil promove o desenvolvimento de tecnologias para a utilização competitiva dos combustíveis renováveis. Parcerias regionais com esse objetivo poderiam acelerar uma evolução em direção à democratização do mercado energético.
Consciente da importância de desenvolver novas formas de energia mais limpas para a estabilidade e prosperidade das Américas, o Brasil tem realizado esforço de cooperação com vários países da região na área dos biocombustíveis. Firmamos memorandos de entendimento com Chile, Equador, Jamaica, Paraguai e Uruguai, e estão em estudo instrumentos semelhantes de parceria com a Argentina e outros países.
Nosso memorando de entendimento com os EUA, assinado em março último, prevê iniciativas de cooperação com terceiros países. Foram selecionados, em um primeiro momento, El Salvador, Haiti, República Dominicana e São Cristóvão e Névis. Em julho, deverão ser aprovados os projetos de estudos de viabilidade, o que possibilitará o início efetivo das ações.
Também no início de julho, terá lugar a primeira reunião formal do Fórum Internacional de Biocombustíveis, cujos objetivos incluem a criação de um mercado mundial para esses produtos, o que beneficiará mais ainda os países das Américas. Com os biocombustíveis, todos os países do hemisfério, sem exceção, têm condições de se tornar produtores de energia, e não meros consumidores.
O avanço da cooperação energética regional não teria apenas conseqüências econômicas. Acarretaria sobretudo ganhos sociais, com repercussões econômicas e políticas. Essas conseqüências serão sentidas por meio da promoção da prosperidade e do avanço da democracia, em especial do exercício dos direitos fundamentais dos indivíduos.

Senhor Presidente,

Os avanços democráticos constatados no período de cinco anos de vigência da Carta Democrática das Américas são evidentes: não há regimes de exceção em nossos países e as legislações internas se modernizaram, adotando dispositivos amplos de proteção aos direitos humanos. Foi, portanto, um período de inegáveis conquistas.

Entretanto, não podemos abster-nos de estar vigilantes e buscar formas de manutenção da democracia. A atenção prioritária às questões sociais, a luta contra a pobreza, o combate à corrupção, às drogas, a promoção do desenvolvimento são maneiras interligadas de perseguir os objetivos da governabilidade democrática no nosso continente. No combate às drogas, é importante ressaltar o papel da Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas, atualmente sob Presidência brasileira, e os notáveis resultados que a CICAD vem alcançando. Para o Brasil, o combate à pobreza, à fome e à exclusão, a par de constituirem objetivos e valores em si, são estratégias indispensaveis para a consolidação político-institucional em todos os paises das Américas.

No contexto do combate às desigualdades sociais, aspecto essencial do fortalecimento democrático, cabe reiterar o compromisso brasileiro com a pronta conclusão da negociação da Carta Social das Américas. Trata-se de documento de importância medular para o sistema interamericano, capaz de complementar e expandir os valores e princípios afirmados na Carta Democrática, com base em conceitos consagrados na Carta da OEA e outros compromissos de nossos Governos.

Consolidar e aprofundar os regimes democráticos contemporâneos exige um firme compromisso com a proteção e a promoção dos direitos humanos, por meio da adoção e do cumprimento das principais convenções e instrumentos jurídicos existentes na matéria. Reitero o apelo do Brasil para que os membros da OEA que ainda não o fizeram, ratifiquem todos os instrumentos regionais sobre direitos humanos.

No âmbito do sistema interamericano, o Brasil atribui grande importância à manutenção de intensas e francas relações com os seus principais órgãos – a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Reafirmo o apoio inequívoco do Brasil às obrigações derivadas da Convenção Americana de Direitos Humanos, que deve ser o guia principal para a manutenção do equilíbrio do próprio sistema.

Particular prioridade tem sido conferida pelo Brasil ao tema do racismo, da discriminação e da intolerância. Desde o ano 2000, trabalhamos pela adoção, no âmbito regional, de instrumento jurídico abrangente para a promoção da igualdade racial e para o combate a todas as formas de discriminação e intolerância. A aprovação dada pela XXXVI Assembléia Geral ao Anteprojeto de Convenção Interamericana, sugerido pelo Brasil como texto a partir do qual deveriam ser iniciadas as negociações, demonstra o significativo apoio político da ampla maioria dos Estados americanos àquela iniciativa diplomática. Indica ainda a convergência em torno da necessidade de adotar, regionalmente, o marco jurídico adequado para combater o racismo, a discriminação e a intolerância.

Como afirmou o Secretário Geral, José Miguel Insulza, por ocasião da Trigésima Terceira Assembléia de Delegadas da Comissão Interamericana de Mulheres, uma democracia sem igualdade de gênero é uma democracia pela metade. É inegável o papel a ser desempenhado diretamente pelas mulheres e pelas políticas de gênero no fortalecimento das instituições democráticas, na participação cidadã, na promoção dos direitos humanos e nas estratégias de combate à pobreza e de conquista do trabalho digno e do desenvolvimento sustentável.

Nessa área, muito já foi feito em nosso Hemisfério. Mas muito resta ainda por fazer. A proposta brasileira de proclamação de um Ano Interamericano das Mulheres, em 2010, tem como objetivo central criar uma oportunidade para celebrar os avanços, identificar os desafios e as prioridades de ação, e promover a mobilização e a sensibilização da opinião pública em relação às questões de gênero. Cumpre estimular e aprofundar a adoção de políticas públicas capazes de garantir o pleno exercício dos direitos humanos da mulher, com ênfase no combate a todas as formas de violência baseada em gênero, e de promover a participação igualitária das mulheres em todas as esferas da vida pública e privada.

A consolidação dos regimes democráticos em nosso Hemisfério reflete-se também no desenvolvimento de uma nova concepção de segurança. A abordagem multidimensional da segurança, adotada pela Declaração de Bridgetown, em 2002, e consolidada na Declaração sobre Segurança nas Américas, de 2003, revela a necessidade de introduzir, no tratamento dos temas de segurança, um conjunto de preocupações e outros desafios que vêm somar-se às ameaças tradicionais. Ao mesmo tempo, a Declaração reafirma o direito soberano dos Estados de identificar suas próprias prioridades nacionais de segurança.

O Brasil sente-se honrado em poder contribuir para o desenvolvimento desta nova abordagem de segurança no âmbito da OEA, na pessoa do Embaixador Alexandre Addor-Neto, novo Subsecretário de Segurança Multidimensional, a quem saúdo e formulo votos de pleno êxito na importante missão de traduzir, em programas e projetos, os mandatos na área de segurança.

No campo mais estrito da defesa, cabe ressaltar aqui o trabalho desenvolvido pela Junta Interamericana de Defesa no primeiro ano sob o regime do seu novo Estatuto, que consagra o princípio da supervisão civil e a conformação democrática de suas autoridades. Também aqui, o Brasil sente-se honrado em poder dar sua contribuição, na pessoa do General Armando Ribeiro, primeiro Presidente da Junta nesta sua nova fase, a quem cumprimento pela habilidade com que vem conduzindo o processo de transição da Junta para o regime do novo Estatuto.

Senhor Presidente,

Todos os temas a que acabo de referir-me brevemente, presentes na agenda atual da OEA, constituem elementos essenciais e estruturantes das democracias contemporâneas.

É por isto que neste aniversário da Carta Democrática gostaria mais uma vez de reafirmar a necessidade de uma interpretação equilibrada desse importante instrumento, sempre à luz da Carta da OEA, que favoreça a cooperação para o aperfeiçoamento dos processos democráticos nacionais e o combate às causas profundas das situações de instabilidade.

Senhor Presidente,

Gostaria de terminar esta reflexão a respeito das relações entre democracia e desenvolvimento expressando a satisfação brasileira pelos resultados que vêm sendo alcançados pela missão de estabilização no Haiti. Trata-se precipuamente de uma missão de paz que visa a conjugar democracia e desenvolvimento, guiada pelos objetivos da cooperação fraterna e solidária. Para isso, evita-se restringi-la a seu âmbito militar, buscando adicionalmente a recuperação das instituições políticas haitianas e das condições de desenvolvimento econômico daquele país.

Esse caráter multidimensional vem garantindo os bons resultados da missão. O Brasil tem colaborado ativamente no Haiti, não somente na liderança do componente militar da Minustah, mas buscando outras vias de cooperação direta, como é o caso do programa de fornecimento de merenda escolar, realizado com apoio do Banco Mundial, e do Programa Haitiano de Imunizações, em colaboração com o governo canadense. Felicitamos a OEA pela constituição da Força-Tarefa para o Haiti, cujo planejamento seguimos de perto.

O Brasil está convictamente engajado na busca desses caminhos que articulem a democracia ao desenvolvimento. Não há hoje alternativa para a busca da paz e prosperidade dos nossos povos que não passe pela promoção de condições de exercício de uma cidadania digna, isto é, acesso ao emprego decente, a uma melhor distribuição de renda, à liberdade política e à justiça social. São considerações que nos parecem igualmente válidas e pertinentes no que concerne à questão energética, mas também nos servem de bússola em todos os outros campos de nossa ação hemisférica.

Muito obrigado.