Imprensa da CIDH
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Washington, D.C. – A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) observa com preocupação certas tendências que apontam para restrições ilegítimas e atos arbitrários em matéria de segurança pública em alguns Estados da região, e que trouxeram como consequência situações de violência e violações dos direitos humanos. A CIDH chama os Estados a respeitar e garantir o exercício dos direitos humanos através do fortalecimento de políticas de segurança pública democráticas e participativas que sejam centradas na proteção do ser humano.
Desde finais de 2019 e até agora em 2020, no contexto marcado pela pandemia do COVID-19, a Comissão alerta para o aumento da militarização na região, o uso excessivo da força policial e militar em manifestações e protestos sociais voltada a combater o crime em geral, assim como a detenção arbitrária de pessoas. Tais práticas são contrárias às obrigações contraídas voluntariamente pelos Estados membros que exigem políticas públicas sobre segurança cidadã que contemplem prioritariamente o funcionamento de uma estrutura institucional eficiente com a finalidade de respeitar e garantir o efetivo exercício dos direitos humanos através da prevenção de violações, do controle da violência e do delito.
Com relação às políticas de segurança pública, a CIDH registra situações preocupantes na adoção de normas que permitem a participação das forças armadas em tarefas de segurança e na manifestação pública de instruções que autorizam o uso da força letal por agentes de segurança. A Comissão reitera que as obrigações em direitos humanos estabelecem que a participação das forças militares em tarefas de segurança pública deve ser excepcional, extraordinária, subordinada e complementar ao trabalho das corporações civis, regulada por mecanismos legais e protocolos sobre o uso da força, e adequadamente fiscalizada por órgãos civis competentes, independentes e tecnicamente adequados. Ainda, o uso da força letal é o último recurso a ser empregado pelos agentes de segurança para sua proteção, e somente pode ser utilizado quando seja absolutamente inevitável para proteger a vida e não exista outro meio menos lesivo para repelir tal agressão, de modo que sua autorização irrestrita ou antecipada não é admitida pelo direito internacional dos direitos humanos.
A CIDH tem acompanhado de perto a intensificação de atos de violência policial e militar em manifestações e protestos sociais que provocaram mortes, lesões graves e detenções arbitrárias contra os manifestantes e terceiras pessoas alheias ao protesto. A Comissão recorda aos Estados seu dever de garantir a liberdade de expressão e o direito de reunião pacífica, especialmente daqueles grupos que sofrem discriminação e que têm sido tradicionalmente silenciados. A CIDH condena o uso desproporcional da força policial e tem chamado os Estados das Américas a investigar de maneira exaustiva as circunstâncias em que têm ocorrido e a sancionar adequadamente os seus responsáveis.
Em face da recorrência desses fatos, a Comissão reitera que, de acordo com os parâmetros interamericanos, no contexto de protestos sociais os Estados devem zelar para que seus efetivos de segurança contem com diversos tipos de armas, munições e equipamentos de proteção que lhes permita modular sua reação proporcionalmente à situação que requer a sua intervenção, gerando salvaguardas adequadas e efetivas contra a arbitrariedade. Nesse contexto, a Comissão alerta a respeito da utilização generalizada das chamadas “armas menos letais” em protestos sociais por diversos efetivos policiais da região e adverte sobre as gravíssimas consequências que podem também acarretar o seu uso desproporcional para a integridade pessoal, e inclusive para a vida. Quanto a esse tipo de armas ou meios dissuasivos, resulta igualmente problemático o uso de dispositivos de efeitos indiscriminados, como armas de disparos de projéteis múltiplos, ainda que seja de goma, de gases lacrimogênios e outros agressivos químicos ou sonoros. Nesse sentido, a Comissão sublinha a obrigação que têm os funcionários estatais de observar a todo o momento os princípios da legalidade, absoluta necessidade e proporcionalidade.
A CIDH recorda que as ações de algumas pessoas dentro das manifestações não desautorizam o direito de reunião para manifestantes que observem um caráter pacífico e sem armas. Os Estados têm o dever de proteger o exercício do direito de reunião e liberdade de expressão dos manifestantes, identificando e isolando aquelas pessoas que interfiram no seu pleno exercício. Atos isolados de violência não concedem uma autorização automática às forças policiais ou militares para dissolver ou dispersar a manifestação nem eximem seus agentes de respeitar os parâmetros internacionais sobre o uso da força.
Em relação à luta contra a criminalidade, a Comissão nota com preocupação um alto nível de violência em várias operações de segurança pública conduzidas por polícias e polícias militarizadas no momento da detenção de supostos criminosos. Estas operações são feitas na madrugada, e no seu desenrolar ocorrem atos de violência, buscas ilegais, uso indiscriminado de armas de fogo e detenções arbitrárias de pessoas. Tais operações geralmente ocorrem em zonas marginalizadas, que são habitadas por populações negras ou em situação de pobreza, e atingem geralmente homens jovens, incluindo adolescentes.
Corroborando o acima exposto, a CIDH recebeu informações sobre o uso excessivo da força na detenção de pessoas na via pública, em áreas próximas a centros urbanos ou a bairros marginalizados. Nas situações reportadas, os agentes de segurança recorreram ao uso de armas de fogo como primeiro recurso no cumprimento das suas funções de segurança pública. O uso indiscriminado da força letal tem produzido mortes em contextos não esclarecidos de suposto fogo cruzado com agentes de segurança e pessoas, incluindo adolescentes, que caminhavam pacificamente pela área. A Comissão ressalta que não está autorizado o uso da força letal com o fim de deter uma pessoa que não representa ameaça ou perigo real ou iminente aos agentes ou a terceiros.
Quanto às medidas de controle da pandemia, a CIDH foi informada sobre a ocorrência de centenas de detenções, do uso da violência física, do emprego de armas de fogo e das armas consideradas “menos letais”; contra pessoas que supostamente não cumpriam com as medidas de controle epidêmico. Quanto a isso, os Estados devem evitar realizar detenções arbitrárias durante as restrições à circulação de pessoas, e toda detenção deve contar com o devido controle judicial, em conformidade com os parâmetros de direitos humanos. A Comissão reitera que os Estados devem adotar medidas para combater o uso do perfilamento racial de pessoas afrodescendentes e de outras práticas discriminatórias, explicitas ou implícitas, por motivos de ordem étnico-racial ou em virtude de situação socioeconômica, que sejam direta ou indiretamente contrárias às suas obrigações internacionais em matéria de igualdade e não discriminação, em conexão com seus deveres de respeito e garantia dos direitos à vida e integridade.
No caso do uso da força, os Estados devem adotar medidas concomitantes e posteriores ao uso da força que garantam a revisão do desempenho dos seus agentes públicos e a determinação de responsabilidades disciplinarias e penais se houver. Toda atuação policial deve ficar registrada e deve existir inventários precisos com relação ao armamento destinado a cada funcionário. É necessário que se estabeleça uma clara cadeia de comando com atribuições específicas em matéria de autorização do uso da força e um adequado sistema de comunicação policial que registre a totalidade das ordens operativas pronunciadas.
Em virtude das considerações anteriores , a CIDH insta os Estados das
Américas a redobrar seus esforços no fortalecimento e consolidação de
instituições, políticas e práticas de segurança pública que permitam a
prevenção e o controle do crime e da violência, com foco na construção de
cidadanias democráticas em cujo centro estejam as pessoas e o exercício dos
seus direitos.
A Comissão ressalta a importância do treinamento e de capacitações
constantes envolvendo os parâmetros de direitos humanos relacionados com a
segurança pública, em especial, com o uso da força por parte de agentes de
segurança.
A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato surge a partir da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem como mandato promover a observância e defesa dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA na temática. A CIDH é composta por sete membros independentes, que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal, sem representarem seus países de origem ou de residência.
No. 231/20