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Washington, D.C. – Em 25 de janeiro de 2019, ocorreu o rompimento de uma barragem de contenção de resíduos de mineração da empresa Vale S.A. na cidade de Brumadinho, no estado de Minas Gerais, Brasil. Segundo informações públicas disponíveis, essa barragem tinha volume de 12,7 milhões de metros cúbicos de resíduos tóxicos, os quais atingiram a comunidade Vila Ferteco e uma área administrativa da empresa. Até o momento, contabiliza-se pelo menos 84 pessoas mortas, 24.000 pessoas evacuadas e aproximadamente 276 pessoas desaparecidas, incluindo trabalhadores diretos e terceirizados da empresa Vale S.A.
Ante esses lamentáveis fatos, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e a sua Relatoria Especial sobre Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (REDESCA) expressam seu profundo pesar e solidariedade a todas as vítimas e comunidades afetadas, assim como sua preocupação pela magnitude da tragédia em termos humanos, ambientais e trabalhistas, sendo urgente que as autoridades brasileiras e a empresa envolvida tomem todas as medidas necessárias para mitigar e evitar o agravamento de danos ao meio ambiente, assim como para assistir e facilitar os mecanismos de reparação às vítimas e seus familiares. Se não forem tomadas medidas urgentes e apropriadas, as consequências desse desastre podem ser irreversíveis, devido ao impacto negativo que a contaminação dos solos e da água por metais pesados gera e ao alto risco para a saúde das pessoas afetadas pela tragédia.
Em sua recente visita in loco ao Brasil em novembro de 2018, a CIDH recebeu informação sobre os graves impactos ao meio ambiente produzidos pela atividade de mineração. Nesse marco, a Comissão visitou o estado de Minas Gerais com o fim de acompanhar a situação das pessoas afetadas, no dia 05 de novembro de 2015, pelo rompimento da represa do Fundão em Mariana, controlada pela empresa Samarco Mineração S.A., um empreendimento conjunto do qual também participam a empresa brasileira Vale S.A. e a empresa BHP Billiton. Esses acontecimentos causaram a morte de 19 pessoas e afetaram 39 municípios da baía do Rio Doce, sendo considerado o desastre ambiental mais grave ocorrido no Brasil até então. Durante a visita, a CIDH foi informada que pouco se avançou para a mitigação dos danos produzidos, na investigação e garantia de prestação de contas da empresa e na efetiva reparação das vítimas.
Em conformidade com o informe sobre povos indígenas, comunidades afrodescendentes e indústrias extrativas da CIDH, o Estado tem o dever de proteger as pessoas dentro do seu território ou jurisdição contra todas as violações de direitos humanos cometidas por terceiros, incluindo as empresas. Em consequência, os Estados devem adotar as medidas apropriadas para regular, prevenir, investigar, sancionar e assegurar o acesso a mecanismos eficazes de reparação por esses abusos mediante poíticas adequadas, atividades de regulamentação e submissão à justiça das empresas envolvidas. A CIDH e sua REDESCA também destacam que as empresas devem respeitar os direitos humanos, não apenas abstendo-se de infringi-los, mas exercendo a devida diligência em matéria de direitos humanos, por exemplo, avaliando antecipadamente os riscos que sua atividade produtiva ou comercial podem gerar sobre os direitos humanos, incluindo o meio ambiente; adotando medidas adequadas de prevenção; e, respondendo em face dos impactos negativos e violações aos direitos humanos que provoquem ou contribuam para provocar.
Por outro lado, diante dos diversos questionamentos à resposta estatal e das empresas envolvidas no caso de Mariana e ocorrido um novo desastre em Brumadinho de magnitude que supera o primeiro, é especialmente preocupante a informação que aponta para uma possível flexibilização na regulação relativa às concessões de licenças no setor da mineração nesse país. A REDESCA recorda que a CIDH já indicou que as obrigações do Estado no tema incluem “o dever de prevenção de violações aos direitos humanos, ou seja, aplica-se desde antes de autorizar uma atividade ou de conceder permissões, assim como durante a implementação e no ciclo de vida do projeto analisado, mediante medidas de supervisão e fiscalização”. Acrescenta-se que em ambas as tragédias se encontra envolvida a mesma empresa de mineração, Vale S.A., situação que o Estado deverá ter em conta no momento de determinar as responsabilidades e ações correspondentes, incluída a reparação integral às vítimas por parte da empresa.
Diante disso, a CIDH e sua REDESCA urgem que se ativem de maneira imediata os planos de emergência, que incluam ações de mitigação, limpeza e restauração da zona afetada, levando em conta os mais elevados padrões internacionais de cuidado para esse tipo de desastre, a fim de que não ocasionem maiores danos e incidentes na saúde das pessoas e no ecossistema afetado. Ademais, deve-se tomar medidas para garantir os direitos trabalhistas, em particular aqueles sobre segurança e saúde ocupacional, dos trabalhadores da empresa, assim como daquelas pessoas que trabalham de maneira terceirizada, envidar maiores esforços para localizar o paradeiro das pessoas desaparecidas e assegurar que todas as vítimas da catástrofe e seus familiares tenham acesso a uma reparação integral, que inclua atenção médica, psicológica e humanitária. Para isso, é essencial que a empresa forneça rapidamente todas as informações relevantes e necessárias relacionadas a esses acontecimentos e atue coordenadamente com os órgãos públicos envolvidos, como a Secretaria do Meio Ambiente de Brumadinho, a Secretaria do Meio Ambiente e a Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social do Estado de Minas Gerais e autoridades federais brasileiras competentes, para que se tomem medidas adequadas e respeituosas aos direitos humanos.
Essa Relatoria Especial também destaca que, de acordo com os padrões internacionais no tema, em caso de desastres como o de Brumadinho, é imprescindível e urgente que as instituições públicas assegurem que as vítimas e seus familiares, incluindo os trabalhadores, estejam informados e participem efetivamente durante os processos de tomada de decisões, assim como na implementação de todos os planos e medidas que se determinem. Nesse sentido, “o Estado do Brasil deve assegurar imediatamente a participação efetiva das pessoas e comunidades afetadas, assim como de seus movimentos, na administração dessa terrível tragédia socioambiental, ainda que existam normas, como o Decreto 9.691 do Conselho Interministerial para a Supervisão de Respostas ao Desastre, que não contemplem tal participação”, afirmou a Relatora Especial DESCA da CIDH, Soledad García Muñoz.
Somado a isso, a REDESCA vê com preocupação que existam até 45 barragens desta natureza em situação de risco em relação a suas condições de segurança, pelo que enfatiza o cuidado que os Estados e as empresas, conforme o caso, devem ter nessas situações e a necessidade de que prestem contas de maneira efetiva diante do descumprimento de suas obrigações em matéria de direitos humanos, incluindo o meio ambiente. A CIDH e a sua REDESCA fazem um chamado ao urgente fortalecimento das medidas estatais de regulação, fiscalização e controle sobre as represas relacionadas com os projetos de mineração e enfatiza o respeito aos direitos humanos que todas as empresas devem assegurar em suas operações e relações comerciais. “Os acontecimentos que ocasionaram a tragédia devem ser investigados com celeridade e eficácia, de maneira que se determinem todas as responsabilidades e sanções correspondentes, incluindo aquelas de natureza penal”, acrescentou a Comissária Antonia Urrejola, Relatora da CIDH para o Brasil.
Neste marco, o Estado também deve assegurar que se identifiquem as causas específicas e os efeitos de longo prazo que esse desastre produza nos ecossistemas e nos direitos à saúde, ao trabalho e à moradia das pessoas do local, considerando as características tóxicas dos efluentes provenientes da barragem; em particular, o Estado deve assegurar que não se afete o direito à água dos habitantes, comunidades e trabalhadores pelos riscos de contaminação dos diferentes corpos hídricos no local. Da mesma forma, e tendo em conta que os resíduos tóxicos já atingiram o rio Paraopeba, as autoridades e a empresa devem realizar ações coordenadas, não apenas para mitigar os efeitos sobre esse, mas para evitar que o rio São Francisco, um dos principais rios do país, seja contaminado. Cabe recordar que a Corte Interamericana, em seu Parecer Consultivo 23-17, indicou que: “no marco da proteção ao meio ambiente, a responsabilidade internacional do Estado derivada da conduta de terceiros pode resultar da falta de regulação, supervisão ou fiscalização das atividades desses terceiros que causem dano ao meio ambiente”. Também, considerando que recentemente o Brasil assinou o Acordo Regional de Escazú sobre Acesso a Informação, Participação Política e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais, a REDESCA da CIDH recomenda ao Estado ter em vista suas disposições na administração oportuna da presente situação.
A REDESCA da CIDH se coloca à disposição do Estado do Brasil para trabalhar conjuntamente nessa situação e oferece sua assistência técnica com o objetivo de ajudar nas decisões e medidas que se adotem no caso particular. Nesse sentido, a REDESCA da CIDH expressa seu interesse em realizar tão logo uma visita de trabalho ao local dos acontecimentos, solicitação que será apresentada brevemente ao Estado.
A REDESCA é um Escritório da CIDH, criada especialmente para apoiar a Comissão no cumprimento de seu mandato para promover e proteger os direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais no continente americano.
A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato surge a partir da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem como mandato promover a observância e defesa dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA na temática. A CIDH é composta por sete membros independentes, que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal, sem representarem seus países de origem ou de residência.
No. 019/19