CIDH

Comunicado de Imprensa

CIDH manifesta preocupação com atos de violência contra trabalhadores rurais no Brasil

18 de janeiro de 2019

   Contato de imprensa


Imprensa e Comunicação da CIDH
Tel: +1 (202) 370-9001
[email protected]

   Mais sobre a CIDH
   Comunicados da CIDH

Nesta página encontram-se os comunicados de imprensa que foram emitidos em português. Para ver todos os comunicados emitidos no ano pela CIDH, por favor consultar a página em inglês ou em espanhol

A+ A-

Washington, D.C. – A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) manifesta sua preocupação com os atos de violência cometidos contra trabalhadores rurais, em 5 de janeiro, na Fazenda Agropecuária Bauru, município de Colniza, Estado de Mato Grosso, Brasil. A CIDH insta o Estado brasileiro a que investigue esses fatos com a devida diligência e a que enfrente as causas estruturais desses atos de violência, vinculados ao acesso à terra.

De acordo com informações de conhecimento público, no sábado, dia 5, membros da segurança da Fazenda Agropecuária Bauru dispararam contra trabalhadores rurais que se dirigiam ao rio Traíra para abastecer-se de água. Em consequência desses fatos, uma pessoa identificada como Eliseu Queres foi assassinada e outras nove teriam sido feridas, das quais três estariam em estado grave. Segundo relato da Comissão Pastoral da Terra (CPT), os trabalhadores eram vinculados à Associação Gleba União, do município de Colniza, e ao Movimento de Luta pela Terra 13 de Outubro.

Conforme informações disponíveis, nos interrogatórios realizados pela Polícia Nacional, os guardas afirmaram que reagiram à invasão de pessoas supostamente armadas. No entanto, os feridos declararam que nenhuma das vítimas portava arma de fogo. A Polícia também informou que haveria indícios de que as pessoas afetadas não estavam armadas, uma vez que somente se encontraram cápsulas do mesmo calibre das armas dos guardas da propriedade rural. As informações indicam que as vítimas que foram baleadas estavam acampadas a 7 km da fazenda, da qual haviam sido retiradas em virtude de uma reintegração de posse, em novembro do ano passado.

A esse respeito, organizações de direitos humanos declararam que esse caso configura uma tentativa de massacre das quase 200 famílias que habitam essas terras, no município de Colniza, algumas das quais vivem em lotes dos quais tomaram posse e outras em lotes comprados, dedicando-se à criação de animais e à produção de alimentos. Também organizações da sociedade civil informaram que a área de conflito, conhecida como Fazenda Magali, corresponde a um terreno reclamado pelas famílias de trabalhadores rurais, no contexto da reforma agrária, e também por alguns políticos locais, que alegam ter direitos de propriedade sobre parte da área. As organizações também afirmaram que as famílias cumpriram a decisão judicial da Vara Agrária, em ação possessória, e mudaram o acampamento de local, sem que isso lhes tivesse garantido segurança.

Em suas observações preliminares sobre a visita in loco da CIDH ao Brasil, em novembro de 2018, a Comissão determinou que, de acordo com os registros da CPT, entre as vítimas de homicídios no decorrer de 2017, foram contabilizados 21 trabalhadores rurais sem terra, dos quais 11 eram membros de comunidades quilombolas e seis eram indígenas vítimas da violência decorrente dos conflitos vinculados à terra. Por sua vez, a CPT salientou que só 8% desses assassinatos haviam sido investigados. Por ocasião dessa visita, a CIDH recebeu abundantes informações sobre desalojamentos forçados violentos por parte do Estado e de grupos latifundiários. A esse respeito, a Comissão manifestou profunda preocupação com o aumento da violência rural e com o grave problema que dezenas de milhares de famílias do campo enfrentam, anualmente desalojadas das terras que habitam ou ocupam. Frente a essa situação, a CIDH instou o Estado a que adote urgentemente todas as medidas necessárias para garantir o direito à vida, à integridade e à segurança das defensoras e dos defensores do direito à terra e ao meio ambiente no Brasil.

A CIDH observou que os desalojamentos afetam pessoas que se encontram em maior situação de vulnerabilidade e intensificam a desigualdade, os conflitos sociais, a segregação e a criação de guetos. Os desalojamentos forçados são, com frequência, vinculados à falta de certeza jurídica quanto às terras, o que constitui um elemento essencial do direito a uma habitação adequada. Por conseguinte, a CIDH considera pertinente destacar que os desalojamentos devem ser realizados unicamente em observância das normas e padrões internacionais em matéria de direitos humanos e dos princípios de excepcionalidade, legalidade, proporcionalidade e idoneidade, com a finalidade legítima de promover o bem-estar social e garantir soluções à população desalojada, que podem consistir na restituição e no retorno, no reassentamento em uma terra diferente, melhor ou de igual qualidade, e na reabilitação ou justa compensação.

A CIDH ressaltou que, caso seja necessário proceder a um desalojamento, os Estados devem oferecer proteção à dignidade, à vida e à segurança das pessoas desalojadas, assegurando, no mínimo, o acesso a uma alimentação adequada em termos nutricionais e culturais, água potável e saneamento e alojamento com condições adequadas de habitabilidade, entre outros. Além disso, deve-se garantir o acesso seguro a recursos comuns de propriedade dos quais dependiam anteriormente, o que inclui a possibilidade de dispor de seus bens, objetos, cultivos e colheitas.

A Comissão reitera que a ausência, os atrasos excessivos dos processos de demarcação ou titulação das terras, bem como a interrupção desses processos, podem provocar um ambiente propício para o surgimento de conflitos, ao permitir a entrada de fazendeiros ou camponeses em terras tradicionais ou ancestrais. Reitera também que isso contribui para a perda de territórios e terras tradicionais; para o desalojamento e o deslocamento interno e, finalmente, para o reassentamento das pessoas afetadas; para a destruição e a contaminação do meio ambiente tradicional; para o esgotamento dos recursos necessários à sobrevivência física e cultural das comunidades afetadas; e para sua desorganização social e comunitária. Consequentemente, a CIDH recomenda que sejam atendidas as causas estruturais relacionadas aos conflitos vinculados à luta pela terra, com o fortalecimento de políticas públicas dirigidas à reforma agrária e de programas voltados para a prevenção e o atendimento da violência no campo.

Finalmente, a CIDH insta o Governo do Brasil a que investigue com a devida diligência as circunstâncias que cercam os fatos e outros atos de violência contra camponeses sem terra ou assentados, a fim de identificar e punir as pessoas responsáveis e, desse modo, combater a impunidade e evitar a repetição de fatos similares. A Comissão insta também a que sejam adotadas todas as medidas necessárias para garantir os direitos à vida e à integridade dos trabalhadores rurais que se encontram sob sua jurisdição, em especial os membros das famílias que se acham localizadas na fazenda mencionada. A CIDH ressalta ainda que, diante de situações dessa natureza, o Estado brasileiro tem a obrigação de adotar medidas para prevenir o deslocamento, proteger e oferecer assistência às pessoas desalojadas durante o deslocamento, prestar e facilitar assistência humanitária e promover soluções duradouras.

A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato surge a partir da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem como mandato promover a observância e defesa dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA na temática. A CIDH é composta por sete membros independentes, que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal, sem representarem seus países de origem ou de residência.

 

No. 009/19