CIDH

Comunicado de Imprensa

CIDH apresenta caso sobre o Brasil à Corte IDH

7 de maio de 2015

Washington, D.C. - A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) apresentou ante a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) o caso 12.066 Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde com relação ao Brasil.

O caso diz respeito à responsabilidade internacional do Estado por violações da Convenção Americana sobre Direitos Humanos em um contexto no qual dezenas de milhares de trabalhadores foram submetidos anualmente ao trabalho escravo, o qual está enraizado em uma discriminação e exclusão histórica. Neste sentido, o grupo afetado é formado majoritariamente por homens entre 15 e 40 anos de idade, afrodescendentes e morenos oriundos dos estados mais pobres do país e com menos possibilidades de trabalho. A vulnerabilidade extrema e especial deste grupo se deve, entre outros, à falta de recursos adequados e eficazes para proteger os seus direitos, não só de uma maneira formal; à extrema pobreza em que vive grande parte da população dos estados de onde essas pessoas são oriundas; à presença insuficiente de instituições do Estado; e à distribuição desigual da terra.

Desde 1989, as autoridades estaduais fizeram visitas ou inspeções à Fazenda Brasil Verde a fim de verificar as condições dos trabalhadores. Nelas, verificou-se a existência de trabalho escravo, “irregularidades” trabalhistas e “algumas falhas” na fazenda. Trabalhadores que conseguiram escapar relataram a existência de ameaças de morte contra quem fugisse da fazenda, a proibição de sair livremente, a falta de salário ou a existência de um salário ínfimo, o endividamento com o fazendeiro, a falta de moradia, comida e condições de saúde dignas, entre outros. A Comissão considerou que a informação disponível permite qualificar as práticas na fazenda como trabalho forçado e servidão por dívidas como uma forma contemporânea de escravidão.

A Comissão Interamericana também declarou que esta situação é atribuível ao Estado do Brasil a nível internacional, pois ele soube da existência dessas práticas em geral, e especificamente na Fazenda Brasil Verde desde pelo menos 1989. A Comissão concluiu que, apesar de ter tomado conhecimento da situação, o Estado não adotou medidas razoáveis ​​de prevenção e resposta, e não forneceu às vítimas um mecanismo judicial eficaz para a proteção de seus direitos, para a punição dos responsáveis e para a obtenção de uma reparação. A análise da Comissão Interamericana também foi realizada à luz do princípio da não discriminação.

A Comissão também concluiu que o Estado do Brasil é internacionalmente responsável pela desaparição dos adolescentes Iron Canuto e Luis Ferreira. Suas desaparições foram denunciadas às autoridades estaduais desde dezembro de 1988 e, apesar do conhecimento que o Estado tinha sobre as práticas na fazenda, não foram adotadas medidas eficazes para descobrir seu paradeiro. O Estado, ao tolerar estas práticas, perpetuou-as.

Em seu Relatório de Mérito sobre o caso, a Comissão Interamericana concluiu que o Estado do Brasil é responsável pela situação de trabalho forçado e servidão por dívidas análogos à escravidão, e pela situação de impunidade da totalidade dos fatos ocorridos em razão de suas ações ou omissões, bem como pelas desaparições de Iron Canuto e Luis Ferreira.

No Relatório de Mérito, a Comissão recomendou ao Estado do Brasil que repare adequadamente as violações dos direitos humanos, tanto em seu aspecto material e moral; garanta que seja restituído às vítimas o valor dos salários devidos pelo trabalho realizado e o valor ilegalmente deduzido; investigue os fatos relacionados com violações dos direitos humanos relacionados com o trabalho escravo e a desaparição de Iron Canuto da Silva e Luis Ferreira da Cruz; tome as devidas providências contra as ações ou omissões de funcionários do Estado que contribuíram para a denegação de justiça; estabeleça um mecanismo que facilite a localização de vítimas de trabalho escravo; continue com a implementação de políticas públicas, bem como de medidas legislativas e medidas de outra natureza para a erradicação do trabalho escravo; fortaleça o sistema jurídico e crie mecanismos de coordenação entre os tribunais penais e tribunais de trabalho para preencher as lacunas que existem na investigação, julgamento e punição dos responsáveis ​​pelos crimes de servidão e trabalho forçado; assegure o estrito cumprimento das leis trabalhistas referentes às jornadas de trabalho e ao pagamento em paridade com os outros empregados assalariados; e tome as medidas necessárias para erradicar todo tipo de discriminação racial, especialmente através da realização de campanhas promocionais que visam conscientizar a população nacional e as autoridades nacionais, incluindo os operadores de justiça, sobre a discriminação e a sujeição à servidão e trabalho forçado.

A Comissão Interamericana submeteu o caso 12.066 à jurisdição da Corte em 06 de março de 2015 por considerar que o Estado do Brasil não cumpriu as recomendações contidas no Relatório do Mérito. A Comissão apresentou à Corte as ações e omissões do Estado que ocorreram ou continuaram ocorrendo posteriormente a 10 de Dezembro de 1998, a data de aceitação da jurisdição da Corte pelo Estado do Brasil. Entre tais atos e omissões se encontram a situação de trabalho forçado e servidão por dívidas análogos à escravidão a partir de 10 de Dezembro de 1998, uma situação que foi constatada, entre outras formas de prova, por meio da inspeção que ocorreu no ano de 2000. Também foram submetidas à jurisdição da Corte as ações e omissões que levaram à impunidade de todos os fatos do caso, uma situação de impunidade que continuava existindo no momento da aceitação da jurisdição da Corte e que persiste até hoje. Por último, a Comissão submeteu à Corte as desaparições de Iron Canuto e Luis Ferreira, que se prolongaram além da data de aceitação da jurisdição da Corte.

Este caso permitirá à Corte IDH criar jurisprudência sobre o trabalho forçado e as formas contemporâneas de escravidão. A Honorável Corte poderá desenvolver as circunstâncias nas quais um Estado pode ser responsabilizado a nível internacional pela a existência de tais práticas. Em particular, o alcance do dever de prevenir o cometimento de atos desta natureza por indivíduos particulares, bem como o alcance do dever de investigar e punir estas violações.

A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandado surge da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem o mandato de promover a observância dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA sobre o tema. A CIDH está integrada por sete membros independentes, que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal, sendo que eles não representam seus países de origem ou residência.

No. 045/15