CIDH conclui visita aos Estados Unidos da América
2 de outubro de 2014
San Antonio, Texas, Estados Unidos da América - A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) realizou uma visita à fronteira sul dos Estados Unidos do dia 29 de setembro ao dia 2 de outubro de 2014. O objetivo da visita foi monitorar a situação de direitos humanos de crianças não acompanhadas e famílias que têm cruzado a fronteira sul dos Estados Unidos, em relação à sua apreensão, detenção por longos períodos de tempo, procedimentos de imigração, bem como deportações e remoções. A Comissão levou a cabo esta visita para verificar o cumprimento das obrigações internacionais em matéria de direitos humanos dos Estados Unidos da América no âmbito da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, que constitui uma fonte de obrigação legal internacional para todos os Estados-Membros da Organização dos Estados Americanos (OEA).
A visita da delegação da CIDH foi organizada no contexto do aumento dramático no número de famílias com crianças, assim como crianças não acompanhadas, em particular aquelas provenientes dos países do Triângulo Norte da América Central - El Salvador, Guatemala e Honduras - e do México que chegaram ao Estados Unidos da América durante o último ano fiscal. A delegação foi composta pelo Comissário Felipe González Morales, Relator sobre os Direitos dos Migrantes e Relator de país para os Estados Unidos; pela Comissária Rosa María Ortiz, Relatora sobre os Direitos da Criança; e funcionários da Secretaria Executiva. Durante a visita, a delegação da CIDH visitou Hidalgo, McAllen, Harlingen, Karnes City e San Antonio. A CIDH reuniu-se com autoridades do Estado, organizações da sociedade civil, vítimas de violações de direitos humanos e com os consulados de El Salvador, Guatemala e Honduras.
A Comissão agradece ao governo dos Estados Unidos da América pelas ações levadas a cabo no sentido de facilitar esta visita. Em particular, a CIDH agradece as autoridades e o povo dos Estados Unidos pela hospitalidade que mostrou à delegação e pela assistência prestada durante a visita. Da mesma forma, a Comissão aprecia e valoriza a informação fornecida pelo governo, os consulados anteriormente mencionados, organizações da sociedade civil, pessoas afetadas, e outras partes interessadas.
Entretanto, a CIDH lamenta profundamente a decisão da Patrulha de Fronteiras e das Autoridades de Imigração e Alfândega (ICE, sigla em inglês) de se negarem a permitir à delegação o acesso livre e pleno à Estação da Patrulha de Fronteira em McAllen e ao Centro de Processamento Central do Valle de Río Grande. Em relação às visitas a centros de detenção, a Comissão ou qualquer um de seus membros devem poder entrevistar qualquer pessoa, grupo, entidade ou instituição, de forma livre e em privado, conforme estabelecido nos artigos pertinentes do seu Regulamento que regem as visitas in loco; devido à imposição dessas restrições, a Comissão não pôde visitar esses centros.
Durante a visita, a Comissão Interamericana recebeu informação preocupante sobre alegações de graves violações dos direitos: à liberdade, à segurança pessoal; à vida familiar e proteção da unidade familiar; à proteção da criança; à proteção contra detenção arbitrária; ao julgamento justo e devido processo legal; à igualdade perante a lei; ao direito de buscar e receber asilo; ao princípio de non-refoulement e o direito de não ser submetido à perseguição e à tortura em seu país de origem ou em um terceiro país. Algumas das violações que a Comissão observou durante sua última visita ao local, em 2009, persistem, e a situação foi agravada como resultado das medidas implementadas durante os últimos meses. De acordo com a Agência de Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA (CBP, sigla em inglês), no dia 31 de agosto de 2014 do ano fiscal dos Estados Unidos (1º de outubro de 2013 a 30 de setembro de 2014), a Patrulha de Fronteira apreendeu 66.127 crianças não acompanhadas, superando de longe o já elevado número de 38.759 crianças que foram apreendidas durante o ano fiscal de 2013. O CBP também relata ter apreendido 66.142 membros de famílias até de 31 de agosto de 2014 do ano fiscal ao longo da fronteira sudoeste dos Estados Unidos. Esse número representa um aumento de 412% em comparação com as apreensões de membros de famílias no ano fiscal de 2013, no qual houve 12.908 apreensões.
A Comissão observa que a legislação dos EUA submete crianças a regimes jurídicos distintos em relação à sua detenção e aos procedimentos a considerar diante de suas reivindicações contra a expulsão. Sua classificação depende se elas são apreendidas não acompanhadas ou com seus pais durante a travessia da fronteira; e se são de um país centroamericano ou do México.
Para entender o fluxo atual de famílias e crianças que migram para os Estados Unidos da América, é essencial levar em consideração os fatores de repulsão e de atração de migração que ocorrem nos países do corredor migratório entre o Triângulo Norte da América Central, México e Estados Unidos da América. Muitas das pessoas que estão migrando para os Estados Unidos estão fugindo de várias formas de violência, pobreza, desigualdade, e também dos efeitos de desastres naturais em seus países de origem. Estes fatores de repulsão se associam com fatores de atração, tais como a reunificação familiar, melhores oportunidades de trabalho, e a chance de um melhor padrão de vida. Os diversos fatores que causam a migração de pessoas na região explica por quê o fluxo de pessoas, principalmente de países da América Central mencionados e México, é um fluxo migratório misto, composto de migrantes, solicitantes de asilo, pessoas com necessidade de proteção internacional, vítimas de tráfico de pessoas, bem como crianças não acompanhadas ou que estão separadas de suas famílias, entre outros.
Em relação ao tratamento das famílias, principalmente as de mães detidas com crianças menores de 18 anos, a Comissão destaca uma série de preocupações graves após a visita. Uma das principais preocupações é o uso generalizado da detenção migratória, dado que a grande maioria das famílias estão detidas automaticamente sob a custódia do ICE. A Comissão observa com preocupação que não há diferença ou critério susbtantivo para determinar as famílias que serão liberadas sob fiança ou com a palavra de um patrocinador, a não ser a capacidade dos centros de detenção de família para acomodar novas famílias. Nesse sentido, a Comissão lamenta que os Estados Unidos estejam planejando expandir suas instalações de detenção e sua capacidade de detidos com 2.400 camas adicionais na nova unidade que está sendo construída em Dilley, Texas. A Comissão observa com preocupação que as famílias que são detidas após o processamento de seu pedido em um posto de fronteira ou em um porto de entrada são mantidas detidas durante o período de seu processamento migratório, mesmo nos casos em que um oficial de asilo tenha determinado que existe um temor positivo crível. A Comissão considera que as famílias são regularmente negadas à liberdade sob fiança, ou que o montante de fiança é extremamente elevado, de US $ 15.000 ou mais, de modo que aqueles que poderiam qualificar-se para sair são impedidas de fazê-lo.
Outra grande preocupação é o acesso à representação legal e a informações sobre os procedimentos migratórios dos EUA. A Comissão observa que há uma escassez de advogados que estejam dispostos e que sejam capazes de fornecer uma representação legal a baixo ou nenhum custo para as famílias detidas, e igualmente observa as dificuldades, expressas por organizações e advogados individuais que representam famílias detidas, em relação à entrada nos centros e ao impedimento de trazer consigo mesmos elementos necessários, tais como como telefones e computadores, a fim de trabalhar e atander aos casos de forma mais eficiente.
Outra das principais preocupações da Comissão em relação às famílias se refere às condições de detenção, e à forma em que o fato de serem detidas impacta em experiências traumáticas prévias e geram novos traumas para tais famílias.
Com relação a crianças mexicanas não acompanhadas, a Comissão, com base nas informações recolhidas durante a visita, considera que o Departamento de Segurança Interna aplica a presunção de que essas crianças não necessitam de protecção internacional. No entanto, de acordo com a Lei de Reautorização de Proteção de Vítimas de Tráfico de Pessoas (TVPRA, sigla em inglês) de 2008, os oficiais de fronteira têm a obrigação de determinar se uma criança pode necessitar de proteção. As práticas atuais aplicadas pelo Departamento de Segurança Interna colocam a responsabilidade sobre crianças mexicanas não acompanhadas de provar que ele ou ela requerem uma necessidade de proteção internacional.
A fim de responder adequadamente ao número crescente de pessoas que fogem de seus países de origem como resultado de várias formas de violência ou em busca de melhores condições de vida, a Comissão insta os Estados Unidos da América a estabelecer medidas apropriadas para identificar pessoas que possam ser refugiadas ou que, devido à sua condição de vulnerabilidade, possam necessitar de proteção especial, tais como famílias e crianças migrantes. A Comissão está também preocupada com limitações no acesso à representação legal e a às informações sobre o processo e os procedimentos, uma vez que essas são precisamente as garantias necessárias para apresentar um pedido de asilo para evitar a perseguição em caso de que sejam devolvidos ou outros motivos que possam exigir proteção sob as normas do direito internacional.
Levando em conta a decisão do governo de impor detenção generalizada e automática às famílias, a Comissão reitera que a detenção de migrantes em situação irregular, requerentes de asilo e outras pessoas que necessitam de proteção internacional é uma medida intrinsecamente indesejável. Portanto, tal procedimento deve ser usado apenas como uma medida excepcional e quando se configure a única opção, e deve ser pelo período de tempo mais breve possível. No caso de pessoas vulneráveis, como crianças não acompanhadas e famílias com crianças, os Estados Unidos deveriam adotar medidas legislativas para assegurar que essas pessoas não sejam colocadas em detenção migratória.
A Comissão também insta os Estados Unidos da América a assegurar que, quando as famílias ou crianças não acompanhadas sejam submetidas a processos de deportação, que sejam representadas por um advogado ou advogada que tenham tido tempo suficiente para discutir e preparar o caso com elas e com os responsáveis ad litem para determinar o melhor interesse da criança.
Após a visita, a Comissão realizará duas audiências sobre a questão das crianças e das família migrantes e refugiadas em seu 153 Período Sessões, do dia 27 ao 31 de outubro de 2014, em Washington D.C. Uma audiência será dedicada a esses grupos de pessoas nos Estados Unidos e a outra examinará a situação a nível regional.
A Comissão Interamericana continuará analisando este e outros sérios problemas que documentou durante esta visita, e irá preparar um relatório com uma análise mais detalhada da situação à luz das obrigações internacionais dos Estados Unidos da América, bem como com recomendações destinadas a apoiar as reformas e avanços em resposta a tais desafios.
A CIDH é um órgão autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato emana da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem o mandato de promover a observância dos direitos humanos na região e atua como um órgão consultivo da OEA nesta matéria. A Comissão está integrada por sete membros independentes que são eleitos pela Assembléia Geral da OEA a título pessoal e não representam seus países de origem ou de residência.
No. 110/14