Imprensa da CIDH
Washington D.C. – A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e sua Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão (RELE) observam o desdobramento das manifestações no âmbito da Greve Nacional no Equador; e chamam a atenção, com preocupação, para o agravamento das tensões sociais. Neste contexto, a CIDH chama para a realização urgente de todos os esforços necessários para avançar com um processo de diálogo eficaz, inclusivo e intercultural, atendendo às demandas de grupos que historicamente têm estado numa situação de vulnerabilidade e com pleno respeito aos direitos humanos.
Os protestos, que começaram em 13 de junho, após um chamado da Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (CONAIE), contêm várias demandas, entre as quais se destacam reivindicações ligadas aos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais (DESCA). Estas questões têm sido acompanhadas de perto pela Relatoria Especial sobre DESCA da CIDH, com atenção especial aos importantes desafios enfrentados no âmbito do direito à saúde no país. Da mesma forma, existem reclamações sobre a proteção social, o aumento do custo de vida, os preços dos combustíveis, os direitos trabalhistas e sindicais, o direito à educação e os direitos ambientais, assim como os direitos coletivos dos povos indígenas. Na atual mobilização, as organizações denunciaram a ausência de mecanismos eficazes de diálogo para que tais demandas sejam abordadas.
O Estado declarou estado de emergência devido a uma grave agitação interna em algumas províncias do país, primeiro pelo Decreto 455 de 17 de junho, e depois pelo Decreto 459 de 20 de junho de 2022, cada um válido por 30 dias. O Equador tem o dever de assegurar que as disposições adotadas sejam proporcionais e que a suspensão dos direitos ou garantias seja efetuada quando é a única maneira de lidar com uma determinada situação que não pode ser resolvida através do uso dos poderes ordinários das autoridades do Estado. Além disso, as medidas adotadas não devem provocar maiores danos.
A CIDH está preocupada com informações de que, no contexto dos protestos, três pessoas perderam a vida, duas como resultado de ferimentos de arma de fogo. Além disso, pelo menos 124 pessoas manifestantes e 120 agentes da Polícia Nacional ficaram feridos. De acordo com dados oficiais, 110 pessoas foram presas. Por sua vez, as organizações da sociedade civil expressaram preocupação com a detenção de lideranças sociais, incluindo a prisão do líder do CONAIE, e possíveis casos de abuso da força policial. A CIDH e sua RELE condenam todas as violações dos direitos humanos cometidas no contexto dos protestos sociais e instam o Estado a esclarecer as circunstâncias das mortes com a devida diligência.
Além disso, pelo menos 86 atos graves de violência contra a imprensa que está cobrindo a Greve Nacional foram noticiados por organizações da sociedade civil. Os relatos incluem atos de agressão física - inclusive com o uso de chicotes e lanças - e o uso de líquidos quentes para atacar jornalistas, além de ameaças, assédio, danos, apreensão ilegal de equipamentos e uso de bombas de gás lacrimogêneo. Além do acima exposto, as informações relatam ataques contra sites de jornais ou organizações da sociedade civil que monitoram e informam sobre os fatos da Greve Nacional. A CIDH e sua RELE observam com preocupação que pelo menos 61 ataques foram supostamente perpetrados por manifestantes e outros 15 por agentes do Estado.
Jornalistas não devem ser agredidos ou estigmatizados pelas lideranças das manifestações e pelas autoridades públicas. É essencial que se reconheça publicamente que a cobertura jornalística dos protestos sociais, em condições de segurança e liberdade, é transcendental para que os cidadãos e as cidadãs tenham acesso a informações e opiniões sobre as reivindicações a partir de perspectivas tão pluralistas e diversas quanto a própria sociedade. A CIDH e sua RELE também destacam a importância da imprensa na denúncia de possíveis violações dos direitos humanos. A falta de acesso à informação tem o potencial de afetar tanto a voz institucional quanto a da sociedade civil, dificultando a compreensão social do contexto e diminuindo as possibilidades de resolução de disputas.
A CIDH e sua RELE também registraram os vários atos de violência relatados pelo Estado contra funcionários e propriedades públicas, tais como a destruição de veículos policiais, transporte público e escolar. Além disso, observaram a detenção de 28 policiais que foram soltos posteriormente; a ocupação da subestação de Tisaleo (Tungurahua) com a suposta detenção de seus operários; o ataque às instalações da Procuradoria Geral do Estado; e a suposta contaminação de uma estação de tratamento de água.
Neste sentido, a CIDH e a RELE condenam todos os atos de violência cometidos no contexto de manifestações e, portanto, exigem a investigação, o julgamento e a punição dos responsáveis por crimes, garantindo o devido processo legal. Entretanto, o Estado do Equador deve agir com base no princípio da legalidade dos protestos enquanto manifestação dos direitos de associação, liberdade de expressão e de reunião pacífica. O fato de alguns grupos ou indivíduos exercerem violência não torna, por si só, todos os protestos violentos ou ilegítimos, nem permite que as autoridades públicas criminalizem de forma generalizada ou que as forças de segurança recorram ao uso da força ou à detenções em massa.
Deve-se notar que as forças de segurança do Estado têm um papel fundamental de garantir a segurança daqueles que se manifestam sem qualquer repressão direta ou detenção arbitrária, assim como em proporcionar segurança geral à sociedade como um todo, incluindo tanto aqueles que protestam quanto aqueles que não fazem parte das manifestações. Em casos específicos, levando em conta o uso dos princípios de legalidade, necessidade e proporcionalidade, as forças públicas têm o dever de se concentrar estritamente na contenção dos atos de violência. O Estado deve esclarecer possíveis excessos no uso da força com a devida diligência. Além disso, deve assegurar que as autoridades policiais disponham de informações que permitam identificar a sequência e a execução das ordens.
No contexto atual, a Comissão e sua Relatoria enfatizam a importância do diálogo como uma forma de abordar e resolver conflitos sociais. A este respeito, reconhecem e apreciam que até hoje houve várias iniciativas de diálogo, inclusive da Igreja, de organizações internacionais e do próprio Presidente da República. Ao mesmo tempo, a Comissão lamenta que até o momento nenhuma dessas iniciativas tenha sido efetivamente implementada.
A CIDH e sua RELE enxergam com preocupação algumas das propostas de pessoas que, desde o início, descartam instâncias de diálogo e que ignoram o papel das autoridades públicas e democraticamente eleitas para abordar institucionalmente as reivindicações dos cidadãos e das cidadãs. Qualquer procedimento político que envolva a revogação de um mandato constitucional deve ocorrer de acordo com os princípios da legalidade e do devido processo constitucional estabelecido para este fim.
O direito de protestar, tem frequentemente um caráter disruptivo e desempenha um papel essencial em dar visibilidade às reivindicações que precisam ser atendidas e às vozes que precisam ser ouvidas em uma sociedade democrática. Quando a eventual perturbação da vida cotidiana no contexto de protestos se prolonga no tempo e chega ao ponto de comprometer seriamente a garantia de outros direitos, tais como o direito à vida ou ao fornecimento de alimentos, o dever do Estado de facilitar todos os mecanismos possíveis de diálogo e a coexistência de todos os direitos em tensão se acentua, sendo o uso da força o último recurso.
Ao mesmo tempo, é importante destacar que a possível dispersão de uma marcha pode contribuir para a escalada da tensão social e só se justifica em situações muito excepcionais. Isto requer uma ordem expressa e clara, baseada na existência de um sério risco à vida ou integridade física das pessoas que fazem ou não parte do protesto, após esgotar as rotas menos prejudiciais, além de proporcionar oportunidade e tempo suficientes para que os manifestantes cumpram a ordem de dispersar voluntariamente, sem o uso da força policial, a qual deve ser utilizada somente como último recurso, respeitando os protocolos e os princípios da necessidade, legalidade e proporcionalidade.
No marco da institucionalidade democrática, o Estado é responsável por garantir os direitos e canalizar as reivindicações da população, razão pela qual deve assegurar o fortalecimento dos espaços que atendam às petições, reivindicações e demandas. É por isso que a CIDH e sua RELE instam o Estado a adotar medidas para evitar qualquer abuso por parte de seus agentes, de acordo com seus compromissos em matéria de direitos humanos. Além disso, pedem o fim da violência e a canalização das tensões sociais através de meios democráticos; em particular, através do estabelecimento de um diálogo inclusivo, intercultural e eficaz que aborde as causas da mobilização social.
Por último, a CIDH e sua Relatoria Especial reiteram seus compromissos de cooperação com o Estado do Equador e sua disposição para realizar uma visita de trabalho ao país e fazer o acompanhamento da situação de direitos humanos no contexto atual.
A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato decorre da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem o mandato de promover a aplicação e a defesa dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA nesta área. A CIDH é composta por sete membros independentes que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA de forma pessoal, e não representam seus países de origem ou residência.
A Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão é um escritório criado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) para estimular a defesa hemisférica do direito à liberdade de pensamento e expressão, considerando seu papel fundamental na consolidação e desenvolvimento do sistema democrático.
No. 145/22
6:53 PM