A CIDH apresenta caso sobre a Argentina perante a Corte Interamericana

9 de abril de 2021

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Washington, D.C. – A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) apresentou em 27 de março de 2021 o caso Guillermo Antonio Álvarez, relativo à Argentina, perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), que trata da responsabilidade internacional do Estado por diversas violações aos seus direitos humanos no curso de um processo penal.

Guillermo Antonio Álvarez foi submetido a um processo penal acusado dos crimes de roubo e homicídio ocorridos entre os dias 27 e 28 de julho de 1996. Em 28 de outubro de 1999, o Tribunal Oral de Menores, diante do qual se desenrolou o processo, o condenou à "pena única de reclusão perpétua, à pena acessória de reclusão por tempo indeterminado de efetivo cumprimento, acessórias legais e custas". Contra tal decisão foram interpostos recurso de cassação e uma série de recursos de caráter extraordinário, mantendo-se ao final a condenação imposta.

Em seu Relatório de Mérito, a Comissão identificou uma série de violações que ocorreram no âmbito do processo penal. Em primeiro lugar, constatou que a vítima não contou com o tempo e os meios necessários para a preparação de uma defesa adequada e efetiva. Além disso, após a revogação do patrocínio dos representantes de confiança da vítima, o tribunal decidiu não lhe conceder tempo para a designação de um novo defensor, designando de ofício a Defensoria Pública Oficial no mesmo dia em que se iniciava a audiência inicial do julgamento. A vítima pôde se reunir com a defensora unicamente uma hora antes da audiência, e, durante a audiência, decidiu não apresentar declaração. Ainda que o tribunal tenha considerado que a defensora designada teria conhecimento da causa por ter previamente defendido um co-imputado, observou-se que, conforme disse a própria defensora, não lhe era possível estudar a situação da vítima em menos de 24 horas. Também se notou que o tribunal não realizou uma análise da possível incompatibilidade na representação dos imputados da causa por parte de uma defensora comum.

Em acréscimo, a CIDH considerou que a inatividade argumentativa em favor dos interesses do imputado, assim como a fundamentação indevida dos recursos interpostos, impactaram o direito à defesa efetiva. Observou, ademais, que a vítima não contou com um defensor que interpusesse um recurso extraordinário federal contra a sentença da Câmara de Cassação Penal; e constatou que, apesar do fato de que as múltiplas deficiências na defesa de Álvarez terem sido conhecidas pelas autoridades judiciais através dos diversos recursos apresentados, estes não foram efetivos a fim de sanar as violações às referidas garantias judiciais.

Em segundo lugar, a Comissão observou que Guillermo Álvarez foi apresentado algemado na audiência, sem que o Estado houvesse justificado a idoneidade e proporcionalidade da medida para diminuir o risco de fuga ou violência, o que considerou uma violação ao seu direito de presunção de inocência.

Em terceiro lugar, como ocorrido em outros casos, determinou-se que as limitações nos fundamentos do recurso de cassação fizeram com que Álvarez não contasse com um recurso perante autoridade hierárquica que houvesse realizado uma revisão integral da condenação, incluindo as questões de fato, de direito, de valoração da prova e de devido processo alegadas pela defesa. Concluiu também que, em decorrência do caráter limitado do recurso de cassação, e ainda mais limitado do recurso extraordinário, a vítima não contou com recursos judiciais simples e efetivos no âmbito do processo penal que culminou na sua condenação.

Em quarto lugar, com respeito à imposição da pena de prisão perpétua, conforme preceituado no artigo 80, incisos 2 e 7 do Código Penal da Nação, mais a pena acessória de reclusão por tempo indeterminado de efetivo cumprimento do artigo 52 do Código Penal da Nação, a CIDH observou que a referida pena levaria a que, na melhor das hipóteses, a vítima só pudesse obter sua liberdade definitiva dentro de um mínimo de 30 anos. E isto considerando que o modelo de revisão da condenação em casos de prisão perpétua não é periódico, e que Guillermo Álvarez só teria disponível a revisão da sua condenação 20 anos após sua sentença, sem que um juiz pudesse realizar uma avaliação de diversos elementos para determinar se deveria ou não continuar privado da sua liberdade.

A Comissão concluiu que a referida pena teve um caráter desproporcional e contrário à finalidade ressocializadora. Além disso, estabeleceu que a imposição da pena acessória, imposta como resultado das condenações que a vítima teve em outros processos, constituiu uma expressão do direito penal do autor que implicou na prática de um tratamento diferenciado injustificado em comparação com o de outras pessoas que cometeram o mesmo delito. Ainda que esta última pena acessória tenha sido declarada inconstitucional na sentença do caso Gramajo, não se contou com informações que indicassem que esta decisão tivesse um alcance geral, permanecendo vigente até a presente data.

Com base em tais determinações, a CIDH concluiu que o Estado argentino é responsável pela violação dos direitos à integridade pessoal, liberdade pessoal, garantias judiciais, igualdade perante a lei e proteção judicial, estabelecidos nos artigos 5.6, 7.3, 8.1, 8.2 alíneas c, d, e, h e f, 24 e 25 da Convenção Americana, combinados com as obrigações estabelecidas nos artigos 1.1 e 2 do mesmo instrumento, em prejuízo de Guillermo Antonio Álvarez.

Em seu Relatório de Mérito, a Comissão recomendou ao Estado:

1.      Reparar integralmente as violações de direitos humanos declaradas no Relatório de Mérito tanto no aspecto material como imaterial. O Estado deverá adotar as medidas de compensação econômica e de satisfação.

2.      Disponibilizar as medidas necessárias para que Guillermo Antonio Álvarez possa ter acesso a um processo penal com as devidas garantias judiciais. Em especial, disponibilizar as medidas necessárias para que, caso seja da sua vontade, Guillermo Antonio Álvarez possa interpor um recurso através do qual obtenha uma revisão ampla da sentença em cumprimento ao artigo 8.2.h da Convenção Americana.

3.      Disponibilizar as medidas necessárias para realizar uma revisão da condenação imposta ao senhor Guillermo Antonio Álvarez à prisão perpétua com pena acessória de reclusão por tempo indeterminado, de tal maneira que seja compatível com a finalidade prevista no artigo 5.6 da Convenção Americana.

4.      Disponibilizar as medidas legislativas necessárias para adequar a legislação interna relativa ao recurso de cassação aos parâmetros estabelecidos no relatório quanto ao direito consagrado no artigo 8.2.h da Convenção Americana. Ainda, e de modo independente à adequação normativa, assegurar que as autoridades judiciais exerçam um controle de convencionalidade no momento de apreciar e decidir os recursos contra sentenças condenatórias, de forma consistente com os parâmetros estabelecidos no presente relatório.

5.      Disponibilizar as medidas necessárias para adequar a legislação interna aos parâmetros descritos neste relatório em matéria de reclusão ou prisão perpétua e pena acessória de reclusão por tempo indeterminado. O Estado deve assegurar que a prisão perpétua: i) seja aplicada de maneira excepcional, com uma revisão periódica; e ii) seja proporcional e limitada ao fim de ressocialização previsto no artigo 5.6 da Convenção. O Estado deve deixar sem efeito a pena acessória contemplada no artigo 52 do Código Penal da Nação.

A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato surge a partir da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem como mandato promover a observância e defesa dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA na temática. A CIDH é composta por sete membros independentes, que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal, sem representarem seus países de origem ou de residência.

No. 090/21