Imprensa da CIDH
Washington, D.C. – A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) apresentou no dia 22 de março de 2021 perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos o caso Balbina Francisca Rodríguez Pacheco e familiares, relativo à Venezuela. O caso se refere à responsabilidade internacional do Estado pela violação das garantias e proteção judiciais em detrimento da Sra. Rodríguez Pacheco pela falta de investigação diligente e reparação adequada de alegados atos de negligência médica cometidos após a vítima ter sido submetida a uma cesárea.
No ano de 1998 Balbina Rodríguez Pacheco, médica cirurgiã de 31 anos de idade e mãe de três filhos, compareceu em uma clínica privada para um controle pré-natal. O médico que a atendeu detectou que se tratava de uma gravidez de alto risco em razão das cesáreas anteriores e descobriu, por meio de uma ultrassonografia, que ela tinha placenta prévia. Em razão disso, decidiu-se, em comum acordo com a vítima, realizar uma cesárea programada no dia 13 de agosto de 1998. Durante a cesárea, Balbina teve uma hemorragia causada por um problema com a placenta e, segundo indica, solicitou ao cirurgião que o mesmo realizasse uma histerectomia, mas ele se negou por considerar que o sangramento tinha aparentemente cessado. Quatro horas depois, ela apresentou sinais de sangramento genital severo com queda da hemoglobina, motivo pelo qual procedeu-se à realização de uma histerectomia subtotal.
Posteriormente, a condição da vítima piorou, motivo pelo qual ela foi submetida a outras duas intervenções consecutivas e permaneceu na Unidade de Cuidados Intensivos (UCI) do dia 14 ao dia 19 de agosto de 1998. No dia 20 do mesmo mês, ela foi submetida a uma quarta intervenção cirúrgica e seis meses depois a uma quinta intervenção. Como resultado de supostos atos de negligência medica cometidos no dia da cesárea e durante a intervenção de 19 de agosto, Balbina ficou com várias sequelas graves, as quais até hoje limitam a sua capacidade. De acordo com uma avaliação médica, a vítima é portadora de uma "Incapacidade Parcial Permanente de 50% para o trabalho".
Em 18 de janeiro de 1999 Balbina Rodríguez Pacheco apresentou uma denúncia penal perante a Delegação do estado de Lara da Equipe Técnica da Polícia Judiciária por negligência médica, causa que foi finalmente arquivada por prescrição mediante a sentença de 20 de março de 2012 do Tribunal Vigésimo Segundo da Área Metropolitana de Caracas. Outras denúncias apresentadas pela vítima não foram resolvidas pelas respectivas autoridades.
Em seu Relatório de Mérito, a Comissão analisou se, à luz do dever estatal de garantir os direitos à integridade física e à saúde diante de ações de terceiros, o Estado da Venezuela adotou mecanismos eficazes para que a vítima pudesse reclamar sobre os danos a seu direito à saúde que ocorreram como resultado de supostos atos de negligência no contexto do cuidado com a saúde materna e reprodutiva.
A CIDH observou que uma avaliação médica dispôs que a Sra. Rodríguez tinha "LESÕES GRAVES, ocasionadas em ATOS CIRÚRGICOS nos dias 13 e 14-08-98". Por sua vez, o Tribunal Disciplinar da Associação Médica do estado de Lara concluiu a existência de um procedimento incorreto na atenção médica, chegando a repreender escrita e publicamente o médico responsável. A CIDH também destacou que os fatos relativos às intervenções médicas e a sua relação com os efeitos negativos na saúde e integridade física da Sra. Rodríguez, inclusive ter provocado uma condição de deficiência, não foram contestados perante a CIDH. Portanto, a Comissão estabeleceu que esses elementos, vistos conjunta e objetivamente, permitem afirmar a existência de deficiências na atenção à saúde prestada à Sra. Rodríguez em uma clínica privada, as quais não foram investigadas, punidas nem devidamente reparadas, devido às ações das autoridades na investigação.
Em relação aos mecanismos fornecidos pelo Estado para reivindicar os direitos à saúde e à integridade física, a Comissão estabeleceu que nenhuma das múltiplas denúncias apresentadas culminou no julgamento e punição dos responsáveis. Além disso, determinou que a denúncia apresentada no dia 18 de janeiro de 1999 resultou, anos mais tarde, em um julgamento de indeferimento por prescrição da ação penal. Se bem a peticionária interpôs um recurso de apelação no dia 28 de março de 2012 contra essa decisão, a mesma peticionária apontou que não lhe foi permitido chegar ao julgamento oral e que a prescrição da ação penal havia se materializado. Além disso, concluiu que as ações do Estado não cumpriram com os estândares interamericanos de devida diligência. Destacou a manifesta falta de diligência de vários promotores e juízes, constatada inclusive no próprio processo. Em especial, nos mais de treze anos transcorridos, a pesar das constantes solicitações da denunciante, não foi realizada nenhuma investigação efetiva com relação ao principal acusado ou a outros possíveis perpetradores com diferentes graus de responsabilidade, e a investigação não foi além da fase preparatória.
Por outro lado, a Comissão identificou que ocorreu uma violação ao prazo razoável, pois o tempo que durou a tramitação da causa penal não se deveu à complexidade do assunto, mas sim às condutas das autoridades qualificadas como carentes de devida diligência, a pesar da constante insistência das denunciantes. Além disso, esta extensa tramitação e a decisão de arquivar por prescrição teve um impacto na situação jurídica e pessoal da vítima. A Comissão observou também que, se bem o recurso judicial era idôneo, tornou-se ineficaz em função da conduta das autoridades estatais que levaram à prescrição da ação penal e não permitiram o esclarecimento dos fatos e a determinação de responsabilidades penais.
A CIDH também concluiu que a falha em investigar uma denúncia de negligência médica que gerou danos graves e determinantes no desfrute do direito à saúde da Sra. Balbina, implica não apenas em uma violação às garantias processuais e proteção judicial, mas também uma violação aos direitos à integridade física e à saúde. Também estabeleceu que a violação desses direitos, bem como a falta de investigação e julgamento, geram um impacto desproporcional sobre a por ela ser mulher, uma vez que os fatos do caso se referem a violações que só ocorrem às mulheres por causa de um procedimento resultante de uma cesárea.
Em vista do exposto, a Comissão concluiu que o Estado venezuelano é responsável pela violação das garantias judiciais e proteção consagradas nos artigos 8.1 e 25.1 da Convenção Americana, em relação com os direitos à integridade física e à saúde consagrados nos artigos 5 e 26 da Convenção, em detrimento de Balbina Francisca Rodríguez Pacheco, assim como pela violação do artigo 1.1 da mesma, em função da demora e omissão das autoridades judiciárias em impulsionar e diligenciar o processo penal. Além disso, concluiu que o Estado é responsável pela violação do artigo 7 da Convenção de Belém do Pará em detrimento Balbina Francisca Rodríguez Pacheco, e do direito à integridade psíquica e moral estabelecido no artigo 5.1 da Convenção em detrimento de sus familiares.
Em seu Relatório de Mérito, a Comissão recomendou ao Estado:
1. Reparar integralmente as violações de direitos humanos declaradas no Relatório de Mérito tanto no aspecto material quanto no imaterial. O Estado deverá adotar as medidas de compensação econômica e satisfação que levem em consideração os efeitos gerados sobre o projeto de vida da Sra. Rodríguez Pacheco e incluam uma devida compensação pelos sofrimentos e efeitos produzidos pela impunidade no caso ao operar a prescrição da ação penal atribuível ao Estado.
2. Brindar atenção e assistência de saúde física e mental, de maneira integral, adequada, permanente e accessível, com perspectiva de gênero, incluindo a provisão dos medicamentos e bens e serviços de saúde que Balbina Francisca Rodríguez Pacheco requerer.
3. Adotar as medidas necessárias para investigar efetivamente os fatos do presente caso e sancionar, em um prazo razoável, aos operadores de justiça cuja conduta tenha resultado na demora excessiva na tramitação do processo penal e a consequente falta de acesso à justiça para as vítimas.
4. Adotar as medidas necessárias para que os órgãos de justiça e do Ministério Público, assim como do Tribunal Disciplinar da Associação Médica desenvolvam programas e políticas sobre a devida prevenção e investigação de possíveis casos de violência obstétrica levando em consideração os estândares interamericanos sobre o assunto referentes à devida diligência e prazo razoável.
5. Adotar programas no âmbito da saúde para garantir os direitos à saúde materna das mulheres quando elas recorrem aos centros de saúde públicos ou privados. Criar um programa de capacitação e treinamento sobre saúde e direitos humanos com perspectiva de gênero que seja implementado de maneira periódica e contínua e que seja dirigido aos profissionais da saúde reprodutiva, bem como aos funcionários do judiciário, especialmente sobre saúde materna, no estado de Lara.
A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato surge a partir da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem como mandato promover a observância e defesa dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA na temática. A CIDH é composta por sete membros independentes, que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal, sem representarem seus países de origem ou de residência.
No. 081/21