Liberdade de Expressão

2008

Mecanismos Internacionais para a Promoção da Liberdade de Expressão

DECLARAÇÃO CONJUNTA SOBRE DIFAMAÇÃO DE RELIGIÕES E SOBRE LEGISLAÇÃO ANTITERRORISTA E ANTIEXTREMISTA

O Relator Especial das Nações Unidas sobre a Liberdade de Opinião e Expressão, o Representante da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa para a Liberdade dos Meios de Comunicação, a Relatora Especial da Organização dos Estados Americanos para a Liberdade de Expressão e a Relatora Especial da Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos para a Liberdade de Expressão e Acesso à Informação,

Tendo-se reunido em Atenas em 9 de dezembro de 2008, sob os auspícios da organização ARTIGO 19, Campanha Mundial pela Liberdade de Expressão (ARTICLE 19, Global Campaign for Free Expression);

Recordando e reafirmando as Declarações Conjuntas de 26 de novembro de 1999, 30 de novembro de 2000, 20 de novembro de 2001, 10 de dezembro de 2002, 18 de dezembro de 2003, 6 de dezembro de 2004, 21 de dezembro de 2005, 19 de dezembro de 2006, e 12 de dezembro de 2007;

Reconhecendo a importância que o debate aberto sobre todas as ideias e fenômenos sociais, e o direito de todas e todos a poder manifestar, na prática, sua cultura, religião e crenças têm para a democracia, e para o controle social das instituições;

Enfatizando que existe uma diferença fundamental entre a crítica a uma religião, crença ou escola de pensamento, e os ataques contra pessoas individuais em razão de sua adesão a tais religiões ou crenças;

Observando que a promoção bem sucedida da igualdade na sociedade está vinculada de modo integral ao respeito à liberdade de expressão, que inclui o direito das diferentes comunidades terem acesso aos meios de comunicação, tanto para articular seus pontos de vista e suas perspectivas, quanto para satisfazer suas necessidades de informação;

Conscientes de que a utilização de estereótipos sociais negativos conduz à discriminação e reduz de modo substancial a capacidade daqueles que estiverem sujeitos a tais estereótipos, de ser ouvidos e participar de modo efetivo no debate público;

Sublinhando que a melhor maneira de afrontar a existência de preconceitos sociais é por meio de um diálogo aberto capaz de expor o dano causado por tais preconceitos e de combater os estereótipos negativos, ainda que, simultaneamente, seja apropriado proibir a incitação ao ódio, à discriminação ou a violência;

Dando as boas vindas ao fato de que um crescente número de países tem abolido as restrições à liberdade de expressão para proteger a religião (p.ex. as leis sobre blasfêmia), e observando que tais leis são usadas com frequência para prevenir as críticas legítimas contra os líderes religiosos poderosos, e para suprimir os pontos de vista das minorias religiosas, dos crentes discordantes e dos não crentes, e que são aplicadas de forma discriminatória;

Preocupados com as resoluções sobre "difamação de religiões" adotadas pela Comissão de Direitos Humanos da ONU e seu sucessor, o Conselho de Direitos Humanos, desde 1999, e pela Assembleia Geral da ONU desde 2005 (ver as Resoluções da Assembleia Geral Nos. 60/50, 61/164, 62/154; as Resoluções da Comissão de Direitos Humanos Nos. 1999/82, 2000/84, 2001/4, 2002/9, 2003/4, 2004/6, 2005/3; e as Resoluções do Conselho de Direitos Humanos Nos. 4/9, 7/19);

Preocupados também com a proliferação de leis antiterrorismo e antiextremismo no século XXI – em particular, após os ataques atrozes de setembro de 2001 –, que restringem indevidamente a liberdade de expressão e o acesso à informação;

Conhecendo a importante contribuição do respeito à liberdade de expressão à luta contra o terrorismo, bem como a necessidade de encontrar formas efetivas de lutar contra o terrorismo que não enfraqueçam a democracia nem os direitos humanos, cuja preservação é, na verdade, uma das razões centrais para lutar contra o terrorismo;

Conscientes do abuso da legislação antiterrorista e antiextremista para suprimir expressões políticas e críticas que nada têm a ver com o terrorismo ou com a segurança;

Ressaltando a importância do papel dos meios de comunicação na tarefa de informar o público sobre todos os assuntos de interesse público, incluindo os que se referem ao terrorismo e aos esforços em combatê-lo, bem como sobre o direito do público a ser informado sobre tais assuntos;

Adotam, em 10 de dezembro de 2008 – sexagésimo aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos –, a seguinte Declaração sobre Difamação de Religiões e Legislação Antiterrorista e Antiextremista:

Difamação de religiões

  • O conceito de "difamação de religiões" é incompatível com os padrões internacionais relacionados à difamação, que se referem à proteção da reputação das pessoas individuais e não das religiões que, como qualquer outra crença, não têm um direito à reputação.
  • As restrições à liberdade de expressão devem se limitar à proteção de interesses sociais e direitos individuais imperativos, e nunca devem ser usadas para proteger instituições em particular ou noções, conceitos ou crenças abstratas, incluindo as de natureza religiosa.
  • As restrições à liberdade de expressão para prevenir a intolerância devem se limitar à apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade ou à violência.
  • As organizações internacionais, incluindo a Assembleia Geral da ONU e o Conselho de Direitos Humanos da ONU, devem desistir da adoção de pronunciamentos adicionais que apoiem a noção de "difamação de religiões".

Legislação antiterrorista

  • A definição do terrorismo, pelo menos quanto à sua aplicação no contexto das restrições à liberdade de expressão, deve limitar-se aos crimes violentos destinados a promover causas ideológicas, religiosas, políticas ou de criminalidade organizada, com o objetivo de exercer uma influência sobre as autoridades públicas por meio da geração de terror entre a população.
  • A criminalização das expressões relativas ao terrorismo deve se restringir aos casos de incitação intencional ao terrorismo – entendida como um chamado direto à participação no terrorismo que seja diretamente responsável por um aumento na probabilidade de que ocorra um ato terrorista –, ou à participação em atos terroristas (por exemplo, dirigindo-os). As noções vagas, tais como o provimento de apoio em comunicações ao terrorismo, ao extremismo, a "glorificação" ou a "promoção" do terrorismo ou do extremismo, e a mera repetição de afirmações terroristas, que, em si mesmas, não constituírem incitação, não devem ser criminalizadas.
  • A legislação antiterrorista e antiextremista deve respeitar o papel dos meios de comunicação como veículos cruciais para a realização da liberdade de expressão e para a informação do público. O público tem o direito de saber sobre a perpetração de atos terroristas, ou sobre tentativas de cometê-los, e os meios de comunicação não devem ser castigados por proporcionar tais informações.
  • As regras normais sobre a proteção da confidencialidade das fontes de informação dos jornalistas – incluindo a regra segundo a qual essa confidencialidade só pode ser suspensa quando existir uma ordem judicial baseada no fato de que o acesso à fonte é necessário para proteger um interesse público ou um direito particular imperativo que não pode ser protegido por outros meios – devem ser aplicadas no contexto das ações antiterroristas, de modo igual ao restante dos casos.

  
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Frank La Rue
Relator Especial das Nações Unidas sobre a Liberdade de Opinião e Expressão

Miklos Haraszti
Representante da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa para a Liberdade dos Meios de Comunicação

Catalina Botero Marino
Relatora Especial da Organização dos Estados Americanos para a Liberdade de Expressão

Faith Pansy Tlakula
Relatora Especial da Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos para a Liberdade de Expressão e Acesso à Informação