Imprensa da CIDH
Washington, D.C. – A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) publica o relatório Estado de exceção e direitos humanos em El Salvador, que analisa o regime de exceção decretado em El Salvador desde 2022 e seus efeitos nos direitos humanos.
A Comissão aborda em seu relatório a atuação das maras e gangues em El Salvador, uma realidade que há décadas impacta os direitos humanos da população salvadorenha e que foi observada no relatório sobre o país publicado em 2021. Nesse relatório, a Comissão reconhece uma redução sem precedentes dos atos de violência no período observado até dezembro de 2020. Após uma onda de violência que culminou em pelo menos 92 mortes entre os dias 24 e 27 de março de 2022, o Estado adotou uma declaração de estado de exceção em todo o território nacional como uma medida extraordinária para erradicar as atividades criminosas das gangues
No relatório, a CIDH analisa o Decreto Legislativo nº 333 de 27 de março de 2022 e suas sucessivas prorrogações, a partir dos padrões interamericanos de direitos humanos sobre o mecanismo de suspensão de direitos e garantias. Também lembra que todo Estado deve adotar ações eficazes para enfrentar e erradicar a criminalidade organizada, ajustadas à extensão e gravidade da situação particular do país e em consonância com as obrigações legais e internacionais.
A Comissão analisa as modificações legislativas que priorizam um modelo punitivo para enfrentar os desafios da segurança pública. Entre essas modificações destacam-se: a nova aplicação obrigatória da prisão preventiva para certos crimes, a reserva de identidade das pessoas operadoras de justiça em processos penais, e a extensão da pena de prisão, típica de adultos, a menores de 18 anos.
Segundo as informações disponíveis, 73.000 pessoas foram detidas desde 27 de março de 2022 até o início de novembro de 2023, das quais a grande maioria teve prisão preventiva decretada. A CIDH tomou conhecimento de denúncias de violações dos direitos humanos, que incluem: detenções ilegais e arbitrárias sistemáticas e generalizadas; invasão ilegal de domicílios; abusos no uso da força e violações aos direitos de crianças e adolescentes.
Em seu Relatório, com base nas informações recebidas, a Comissão aborda desafios específicos no acesso à justiça diante das detenções realizadas, que incluem: a demora no controle judicial das detenções, a ineficácia do recurso de habeas corpus, a falta de elementos probatórios para sustentar as acusações, abusos na imposição da prisão preventiva, a realização de audiências judiciais em massa, limitações no exercício do direito de defesa e das garantias judiciais, desrespeito ao devido processo legal, entre outros. Alguns relatos recebidos em entrevistas referem-se a preocupações sobre a falta de respeito aos direitos e garantias específicas das crianças e adolescentes em conflito com a lei.
A essa situação se acrescenta o agravamento das já precárias condições das pessoas privadas de liberdade, conforme observado pela CIDH durante sua visita ao país em 2019, incluindo os altos níveis de superlotação em determinados centros e o uso excessivo da prisão preventiva. O relatório também menciona informações que indicam a possível morte de 189 a 200 pessoas detidas – com números ainda divergentes – além de preocupações quanto a falhas nas investigações desses casos, nos procedimentos de notificação às famílias e no tratamento dos corpos. A Comissão ainda destaca os relatos sobre os diversos impactos sofridos pelas famílias das pessoas detidas.
No que se refere à liberdade de expressão e ao jornalismo, a Comissão e sua Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão abordam reformas legislativas aprovadas nesse período que limitam essa liberdade. Elas analisam as restrições ao direito de acesso à informação por meio de diversos obstáculos, como o suposto aumento de informações classificadas como confidenciais pelas instituições do Estado; a ausência de informações disponíveis, periódicas e desagregadas; e a negativa de acesso diante de solicitações de informação. Além disso, são apresentados desafios para a cobertura jornalística e para a defesa dos direitos humanos.
Em seu relatório, a Comissão detalha os elementos do Estado de Exceção de acordo com os padrões interamericanos, ressaltando que se trata de uma medida excepcional que deve ser necessária, razoável e proporcional ao contexto da emergência, alertando que as garantias judiciais indispensáveis não podem ser suspensas em nenhuma circunstância e que a aplicação do estado de exceção deve ser estritamente limitada ao tempo de duração da emergência.
A CIDH destaca os esforços intersetoriais do Estado voltados à prevenção da violência, à mitigação de riscos e danos a grupos vulneráveis, bem como à reabilitação do tecido social e comunitário. Além disso, a Comissão registra as informações fornecidas pelo Estado sobre os avanços na segurança pública, que indicariam a superação da situação de emergência e, consequentemente, a ausência de justificativa para a manutenção da suspensão de direitos e garantias, em conformidade com as exigências da Convenção Americana.
No relatório, a CIDH faz um apelo ao Estado salvadorenho para restabelecer os direitos suspensos e adotar medidas para abordar as causas e consequências da criminalidade, bem como sua prevenção, controle e resposta, a partir de uma perspectiva integral e intersetorial. Tudo isso no contexto de uma política de segurança pública avaliada a partir da perspectiva do respeito e garantia dos direitos humanos, com maior participação da cidadania e prestação de contas.
Além disso, insta o Estado a restabelecer os direitos e garantias suspensos pelos decretos legislativos do regime de exceção, reafirmando que esse mecanismo excepcional não pode se tornar parte de sua política permanente de segurança pública.
A Comissão destaca a obrigação do Estado de investigar crimes que consistem em violações aos direitos humanos, buscando efetivamente a verdade sobre o ocorrido, bem como julgar e punir os responsáveis, sublinhando a relevância das instâncias de administração de justiça para assegurar os direitos das vítimas.
A Comissão emite 22 recomendações ao Estado de El Salvador visando fortalecer a garantia dos direitos humanos de sua população. A CIDH ressalta a importância de desenvolver uma institucionalidade adequada para proporcionar a devida atenção às vítimas de crimes, estabelecendo isso como um dos pilares de suas ações na área de segurança pública.
Finalmente, a CIDH se coloca à disposição do Estado para brindar assistência técnica em conformidade con seu mandato.
A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato deriva da Carta da OEA e da Convenção Americana de Direitos Humanos. A Comissão Interamericana está mandatada para promover a observância dos direitos humanos na região e atuar como órgão consultivo da OEA sobre o assunto. A CIDH é composta por sete membros independentes, eleitos pela Assembleia Geral da OEA em caráter pessoal, e não representam seus países de origem ou residência.
No. 207/24
10:28 AM