A CIDH adverte sobre prejuízos ao acesso à justiça após a aprovação da lei sobre crimes de lesa humanidade no Peru

3 de setembro de 2024

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Washington, D.C. - A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) manifesta sua grave preocupação com a aprovação da "Lei que Precisa a Aplicação e Alcances do Crime de Lesa Humanidade e Crimes de Guerra na Legislação Peruana" (Lei 32.017) e seu impacto no direito humano de acesso à justiça diante de graves violações de direitos humanos, como aquelas cometidas durante o conflito armado interno. Em razão disso, a CIDH insta pela revogação imediata da lei e solicita que os órgãos judiciais competentes suspendam sua aplicação.

Em 9 de agosto de 2024, o Estado peruano promulgou a Lei 32.017, que limita as capacidades de investigação e julgamento de condutas que poderiam constituir crimes de lesa humanidade e crimes de guerra cometidos antes do ano de 2002.

A Lei 32.017 foi amplamente revisada por diversos mecanismos de direito internacional dos quais o Peru é signatário. No contexto da supervisão dos casos Barrios Altos e La Cantuta, e em resposta à solicitação de medidas provisórias por parte da representação das vítimas, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) solicitou ao Estado que tome as medidas necessárias para impedir a adoção, anulação ou entrada em vigor da referida norma. Em audiência pública sobre o tema perante a CIDH, a Comissão destacou a importância dos processos de memória, verdade, justiça e reparação como pilares fundamentais da democracia, ressaltando o estreito vínculo entre posturas negacionistas e políticas regressivas que enfraquecem o Estado de Direito. Por sua vez, mecanismos de direitos humanos das Nações Unidas também se pronunciaram, alertando que a aprovação dessa lei colocaria o Peru em clara violação de suas obrigações assumidas no âmbito do direito internacional.

Da mesma forma, em um pronunciamento público de 9 de agosto de 2024, os procuradores do Subsistema Especializado em Direitos Humanos e Interculturalidade do Ministério Público destacaram que a referida lei prejudicará a condução de investigações em diversos casos, atualmente em fase preliminar, judicial, à espera de denúncia formal, em julgamento oral ou com sentença transitada em julgado. Além disso, os procuradores enfatizaram que a aplicação do artigo 5º da lei compromete a independência do Ministério Público, ao impor responsabilidade administrativa sobre os agentes que classificarem como crimes de lesa humanidade ou crimes de guerra atos cometidos antes de 1º de julho de 2002.

Em consequência da promulgação da Lei 32.017, de acordo com informação da mídia, pessoas investigadas por desaparecimento forçado e execuções extrajudiciais cometidas durante o conflito armado interno no Peru teriam solicitado a prescrição da ação penal. Por sua vez, organizações de direitos humanos manifestaram que a lei seria revitimizante, enquanto o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos destacou que a ausência de punição para crimes de lesa humanidade compromete os direitos à verdade, à justiça, à reparação e às garantias de não repetição para milhares de vítimas de graves violações ocorridas no Peru.

Por sua vez, o Estado peruano afirmou que, com base no princípio da complementaridade, não cabe à CIDH ordenar uma reforma legislativa ou a abstenção da aplicação de uma norma. Além disso, informou que o procedimento de aprovação da lei garantiu o direito à participação cidadã, consagrado no artigo 23 da Convenção Americana, por meio de um processo de consulta realizado pelo Congresso da República. Por fim, o Estado indicou que a Junta de Fiscais Supremos decidiu interpor uma ação de inconstitucionalidade contra a Lei nº 32.107 em 22 de julho de 2024 e, portanto, será o Tribunal Constitucional a entidade responsável por decidir sobre a constitucionalidade da referida lei.

Em conformidade com o direito internacional, não podem ser aplicadas disposições de prescrição para impedir a investigação de graves violações de direitos humanos, como tortura, execuções extrajudiciais ou desaparecimentos forçados. Essa obrigação, além de reiterada pelos órgãos do sistema interamericano, está prevista na Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes de Lesa Humanidade, da qual o Peru é signatário.

Além disso, o Tribunal Constitucional do Peru confirmou a aplicação temporária dessa convenção. Por outro lado, de acordo com a Convenção de Viena de 1969, o direito interno não pode ser utilizado como justificativa para o descumprimento de obrigações jurídicas internacionais, o que, nesta situação, está estreitamente relacionado com o direito humano de acesso à justiça por parte das vítimas e familiares de graves violações dos direitos humanos.

Com relação à independência dos agentes do Ministério Público, a Corte IDH afirmou que as autoridades responsáveis por investigações de violações de direitos humanos devem desfrutar de independência hierárquica, institucional e real no exercício de suas funções. A Comissão reitera que as disposições sobre responsabilidade funcional podem gerar um efeito intimidatório, impedindo o exercício autônomo das funções ministeriais e jurisdicionais. 

Por fim, a Comissão Interamericana insta o Estado peruano a cumprir o requerimento da Corte IDH em relação a esta lei e proceder com sua revogação, em conformidade com suas obrigações internacionais e interamericanas em matéria de direitos humanos; e solicita que as autoridades judiciais competentes se abstenham de sua aplicação.

A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato deriva da Carta da OEA e da Convenção Americana de Direitos Humanos. A Comissão Interamericana está mandatada para promover a observância dos direitos humanos na região e atuar como órgão consultivo da OEA sobre o assunto. A CIDH é composta por sete membros independentes, eleitos pela Assembleia Geral da OEA em caráter pessoal, e não representam seus países de origem ou residência.

No. 206/24

6:15 PM