Imprensa da CIDH
Washington, D.C. – No contexto das manifestações que começaram em 22 de janeiro na Bolívia, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e a Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão (RELE) lembram ao Estado seu dever de respeitar as normas interamericanas sobre liberdade de associação, reunião pacífica e expressão, bem como de tomar medidas eficazes para gerar diálogo e reduzir a polarização política no país.
Como resultado da decisão do Tribunal Constitucional Plurinacional (TCP), que estendeu seus mandatos, e de outras autoridades judiciais, diferentes grupos da sociedade organizaram manifestações públicas para exigir eleições judiciais de acordo com as exigências da constituição. Vale ressaltar que as eleições judiciais deveriam ter sido convocadas pela Assembleia Legislativa Plurinacional (ALP) em 2023, uma omissão que gerou um impacto preocupante sobre a independência do Judiciário e insatisfação social.
Os protestos, que estão ocorrendo em diferentes partes do país, estão ocorrendo em um clima de alta polarização política após uma recente decisão do TCP que concluiu que a constituição boliviana não permite a reeleição presidencial indefinida.
Os protestos incluem bloqueios de estradas em várias regiões do país, com uma concentração especial nos departamentos de Cochabamba, Potosí e Santa Cruz. Nesse contexto, a Polícia Nacional dispersou alguns locais de bloqueio com o uso de gás em pelo menos uma ocasião. Em outros pontos, houve confrontos entre civis e policiais, resultando em pelo menos 32 policiais feridos. Em Potosí, em 27 de janeiro, três policiais ficaram feridos e pelo menos nove pessoas foram presas. Por outro lado, há relatos de que duas pessoas morreram, presumivelmente em decorrência dos bloqueios. O Estado anunciou possíveis investigações contra os líderes das manifestações.
A CIDH observou a declaração estatal de garantir rotas alternativas, voos solidários e ambulâncias com alimentos para as pessoas retidas nos pontos das manifestações. Por sua vez, o Defensor do Povo instou os manifestantes a permitir o trânsito das pessoas afetadas pelos bloqueios.
A CIDH e sua RELE lembram que o protesto social é um elemento essencial para a existência e consolidação de sociedades democráticas e inclui o exercício da liberdade de expressão, reunião pacífica e associação. As limitações a esse direito não podem depender do conteúdo, da modalidade da reunião pacífica ou da opinião oficial sobre sua legitimidade.
Qualquer limitação a esse direito deve atender rigorosamente aos requisitos de legalidade, necessidade e proporcionalidade. Nesse sentido, o Estado deve adotar medidas para proteger aqueles que exercem seu direito de protestar e para garantir os direitos à vida, à integridade, à saúde e às condições de abastecimento de toda a população. Quando a possível perturbação da vida cotidiana no contexto de protestos se estende no tempo e chega ao ponto de comprometer seriamente a garantia de outros direitos, como (i) o direito à vida; (ii) o abastecimento alimentar; ou (iii) o direito à saúde, acentua-se o dever do Estado de facilitar todos os mecanismos possíveis para o diálogo e a coexistência de todos os direitos em tensão, tendo o uso da força como último recurso.
Nesse contexto, a CIDH insta as autoridades a se absterem de emitir declarações que estigmatizem o protesto ou aqueles que dele participam. A estigmatização oficial do protesto dificulta o diálogo e pode exacerbar a violência contra determinados setores da população. As lideranças públicas devem se distanciar de qualquer discurso que transmita mensagens permissivas de violência, inclusive aquelas que ativem, incentivem, acentuem ou exacerbem situações de discriminação, hostilidade, intolerância ou animosidade.
A CIDH observou tensões sociais históricas na Bolívia que resultaram em polarização política e atos de violência, especialmente em tempos de conflito social. Nesse contexto, é dever do Estado, por meio de todas as suas instituições democráticas, gerar um processo de diálogo amplo, construtivo e diversificado, a fim de evitar atos de discriminação e gerar espaços de consenso, cruciais para a construção de um senso de destino comum na diversidade.
A polarização aumenta as fraquezas institucionais e os desafios estruturais do sistema de justiça que devem ser tratados com prioridade pelo Estado, que tem a obrigação de garantir a independência dos órgãos e o funcionamento adequado do sistema de justiça. Nesse sentido, são reconhecidos os esforços da Vice-Presidência, em seu papel de presidente da ALP, para convocar as forças políticas a canalizar para o debate parlamentar aspectos relacionados aos eventos que motivaram os protestos, especificamente as eleições judiciais.
Nesse sentido, a CIDH reitera sua convocação ao Estado, em especial à ALP, para que, no cumprimento de seu mandato, organize e garanta eleições judiciais. Nessa tarefa, deve levar em conta que os processos de nomeação e seleção para cargos de juiz são de fundamental importância para garantir a independência, a imparcialidade e a eficácia dos órgãos judiciais. Os procedimentos devem cumprir requisitos básicos, como a divulgação prévia de anúncios, prazos e procedimentos; a garantia de acesso igualitário e inclusivo para todas as candidaturas; a qualificação baseada no mérito e nas habilidades profissionais; bem como a participação da sociedade civil para o efetivo controle social, entre outros aspectos.
A Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão é um órgão criado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) com o objetivo de estimular a defesa hemisférica do direito à liberdade de pensamento e expressão, considerando seu papel fundamental na consolidação e no desenvolvimento do sistema democrático.
A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato deriva da Carta da OEA e da Convenção Americana de Direitos Humanos. A Comissão Interamericana está mandatada para promover a observância dos direitos humanos na região e atuar como órgão consultivo da OEA sobre o assunto. A CIDH é composta por sete membros independentes, eleitos pela Assembleia Geral da OEA em caráter pessoal, e não representam seus países de origem ou residência.
No. 027/24
11:20 AM