Imprensa da CIDH
Washington, D.C. - A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e a Relatoria Especial sobre Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (REDESCA) expressam sua consternação com a grave crise humanitária causada pela discriminação étnico-racial que já gerou 570 mortes de crianças Yanomami; e apelam ao Estado para que despenda todos os seus esforços para garantir a sobrevivência dessa população.
Em um período de 4 anos, meninas, meninos e idosos morreram por causas relacionadas à desnutrição e à falta de atenção médica a doenças evitáveis e tratáveis em seus territórios. Desse total, 99 meninas e meninos morreram em 2022, o que representa um aumento de 29% em relação aos anos anteriores. Segundo informações das autoridades do estado de Roraima, 30.400 pessoas pertencentes ao povo Yanomami adoeceram com malária, de um total de 44.069 casos registrados da doença nos últimos dois anos, o que implicaria pessoas infectadas mais de uma vez.
Nesse contexto, mulheres e meninas enfrentam riscos específicos, como evidenciado pelo assassinato e estupro de uma menina de 12 anos em 2022 na comunidade de Aracaçá sem notícias de andamento da investigação até o momento. A respeito desses casos de violencia de género, o Estado reportou sobre o andamento de dois inquéritos policiais, uma notícia crime, um processo penal e uma notícia de fato, todos referentes a situações relatadas na terra indígena Yanomami.
A CIDH e a REDESCA destacam que a fome e a grave insegurança alimentar sofrida pelo povo Yanomami estão diretamente relacionadas à discriminação étnico-racial que, por sua vez, permite a invasão de garimpeiros ilegais - estimados em 20.000 pessoas ocupando o território indígena, tendo causado danos a milhares de hectares e afetado as suas fontes tradicionais de alimentação e meios de subsistência. A mineração ilegal também contribuiu para a disseminação de doenças contagiosas e para o aumento da violência intercomunitária. Os números de óbitos e agravos à saúde podem ser ainda maiores devido à subnotificação e à falta de informações oficiais em áreas do território Yanomami, onde o garimpo ilegal tem impedido o trabalho das equipes de saúde e até destruído postos de atendimento médico.
Da mesma forma, a CIDH e a Relatoria Especial observam que, após a recente visita de representantes do governo federal ao território Yanomami, e dada a gravidade da situação, foi promulgado o decreto federal nº 28/23 declarando emergência sanitária e estabelecendo um Centro de Operações de Saúde Pública para coordenar uma resposta à crise. De acordo com as informações disponíveis, mais de mil indígenas Yanomami em estado crítico de saúde foram resgatados e encaminhados a postos de atendimento para evitar possíveis óbitos.
Esses casos teriam ocorrido após a omissão nos últimos dois anos das autoridades, que, apesar das múltiplas denúncias e solicitações de proteção por parte do povo Yanomami, ignoraram a situação de violência, ataques e assassinatos contra os integrantes dessa população. Tal omissão gerou a abertura de um inquérito pela Polícia Federal sobre a possível prática do crime de genocídio por funcionários do governo anterior.
O Brasil é parte de diversos instrumentos interamericanos e internacionais de direitos humanos que estabelecem suas obrigações em matéria de proteção e garantia da vida; da integridade física e mental; contra a violência e o genocídio; bem como o gozo do mais alto nível possível de saúde física, mental e espiritual dos povos indígenas. A esse respeito, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) concedeu medidas provisórias, em 2022, requerendo a adoção pelo Estado de medidas que protejam efetivamente a sobrevivência dos membros dos povos Yanomami, Ye'kwana e Munduruku, diante da gravíssima e urgente situação que historicamente enfrentam.
A Comissão e a REDESCA instam o Estado do Brasil a intensificar seus esforços para reparar e reverter a crise humanitária e de direitos humanos que afeta a população Yanomami. Concretamente, pedem a proteção dos direitos à vida, à integridade pessoal, à saúde, à alimentação, à água e ao meio ambiente, bem como às terras, territórios e recursos naturais dessa população. Da mesma forma, solicitam a investigação e punição dos crimes e violações de direitos humanos cometidos contra o povo Yanomami, seja por ação ou omissão de agentes do Estado ou de indivíduos; bem como garantir o acesso à justiça e à reparação com um enfoque intercultural, interseccional e intergeracional.
Além disso, o Estado brasileiro deve cumprir suas obrigações de prevenção, controle, investigação, sanção e reparação contra atividades empresariais de pessoas físicas, nos termos estabelecidos no relatório sobre Empresas e Direitos Humanos. Nesse sentido, o Brasil deve adotar as medidas necessárias para coibir o garimpo ilegal que ocorre no território Yanomami.
Da mesma forma, a CIDH e a REDESCA instam o Brasil a ratificar com urgência o Acordo Regional sobre Acesso à Informação, Participação Pública e Justiça em Matéria Ambiental (Acordo de Escazú) para fortalecer a garantia de direitos de acesso e proteção dos defensores do meio ambiente contra a mineração ilegal.
A CIDH e a REDESCA se colocam à disposição para cooperar com o Estado brasileiro em relação a esta situação crítica do povo Yanomami e manifestam seu interesse em poder realizar uma visita de trabalho o mais breve possível, para verificar in loco o alcance da crise e ser capaz de contribuir para soluções que tenham uma abordagem baseada em direitos.
A REDESCA é um Escritório autônomo da CIDH, especialmente criado para apoiar a Comissão no cumprimento de seu mandato de promoção e proteção dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais no continente americano.
A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato decorre da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem a incumbência de promover a observância e defesa dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA nesta matéria. A CIDH é composta por sete membros independentes, eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal e que não representam seus países de origem ou residência.
No. 015/23
3:19 PM