Sete meses do regime de exceção: a CIDH lembra a El Salvador de cumprir suas obrigações de direitos humanos

11 de novembro de 2022

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Washington, D.C. – A sete meses de vigência do regime de exceção em El Salvador, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) expressa preocupação com a persistência de detenções massivas e supostamente arbitrárias, e com o descumprimento das garantias judiciais; razão pela qual chama o Estado a implementar ações de segurança pública que garantam os direitos e liberdades que estão estabelecidos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos e em consonância com os parâmetros interamericanos.

Em 14 de outubro, a Assembleia Legislativa aprovou nova extensão do Regime de Exceção até o dia 17 de novembro, afirmando que "a vigência das medidas extraordinárias resulta necessária neste momento para continuar com as atividades operativas de segurança [...]". Nesse sentido, o Estado afirmou à CIDH que em El Salvador foram registradas mais de 116.000 mortes em virtude da atividade criminal das pandillas e do seu exercício sistemático da violência, com destaque para os 87 homicídios perpetrados entre 25 e 27 de março de 2022.

Ainda que o Estado salvadorenho tenha a obrigação de garantir a segurança de todas as pessoas sob sua jurisdição, deve fazê-lo com respeito aos direitos humanos e aos tratados internacionais dos quais faz parte. A CIDH expressou sua preocupação com as prorrogações da suspensão de direitos ocorridas sob o regime de exceção e as consequentes restrições aos direitos humanos. Nesse sentido, lembra que a suspensão de direitos humanos constitui uma disposição para circunstâncias extraordinárias e não um meio para enfrentar o crime comum, razão pela qual o Estado de El Salvador deve assegurar que os regimes de exceção atendam os requisitos do artigo 27 da Convenção Americana. Isto é, em caso de guerra, de perigo público ou de outra emergência que ameace a independência ou segurança de um Estado, e, na medida e pelo tempo estritamente limitados às exigências da situação, e sempre que não seja incompatível com as demais obrigações que lhes imponha o direito internacional, e que não levem a qualquer discriminação em razão de raça, cor, sexo, idioma, religião ou origem social.

O Estado afirmou que as ações promovidas ocorreram dentro dos parâmetros constitucionais, legais e convencionais aos que está sujeito, mencionando que as garantias constitucionais suspensas são aquelas que foram consideradas estritamente relacionadas à facilitação do combate à criminalidade. Com a suspensão de garantias, o Estado informou que pode fazer frente a tais circunstâncias, dotando as instituições encarregadas da segurança de faculdades para combater de maneira pronta e eficaz "a escalada da barbárie praticada pelos grupos terroristas".

Nesse contexto, a CIDH tomou conhecimento de reiteradas denúncias sobre as detenções realizadas nos últimos meses, afirmando que, em muitos casos, se baseiam em chamadas anônimas ou percepções sobre o pertencimento a grupos criminais baseadas na aparência ou no lugar de residência. Os familiares também continuam enfrentando desafios para confirmar o paradeiro dos seus entes detidos. A Comissão, além disso, foi informada sobre o uso desproporcional da força nas operações policiais, inclusive contra pessoas com deficiência e mulheres grávidas.

Quanto a isso, a CIDH lembra que as pessoas funcionárias encarregadas de fazer cumprir a lei devem limitar o uso da força observando os princípios da proporcionalidade, da necessidade e da humanidade; e que , para restringir o direito à liberdade pessoal, o Estado deve fundamentar e verificar, em cada caso, a existência de indícios suficientes para razoavelmente assumir a conduta criminosa da pessoa e que a detenção seja estritamente necessária. Além disso, a CIDH destaca que a notificação a uma pessoa da família ou parente do detido tem especial importância para que se tome conhecimento do paradeiro e das circunstâncias na qual a pessoa acusada se encontra e para que a assistência e a proteção apropriadas possam ser fornecidas.

Segundo informações do Ministério da Justiça e da Segurança, desde 27 de março de 2022, 57.007 pessoas foram presas, das quais, ao menos 47.983 estão em prisão preventiva, segundo cifras do Ministério da Defesa Social. Organizações da sociedade civil mencionaram violações às garantias judiciais e ao direito à proteção judicial, registrando que ao menos 18.215 pessoas foram denunciadas por crimes em 93 audiências coletivas. Nessas audiências massivas participaram até 552 pessoas denunciadas, cujas prisões preventivas automáticas haviam sido decretadas, sem o exame individualizado dos seus casos e desrespeitando o princípio da presunção da inocência. Além disso, as diligências seriam conduzidas por pessoas magistradas não identificadas, com restrições ao direito de defesa, entre as quais a designação de um mesmo representante para centenas de pessoas acusadas ou a falta da oportunidade de intervir nas audiências. Por sua vez, o Ministério da Justiça e Segurança Pública afirmou que, entre março e setembro, cerca de 850 pessoas foram colocadas em liberdade.

Em conformidade com as obrigações internacionais contraídas voluntariamente, El Salvador tem o dever jurídico de assegurar, inclusive sobe o regime de exceção, as garantias judiciais, o devido processo e o acesso a um recurso adequado e efetivo. Isso com o fim de garantir o respeito aos direitos e liberdades cuja suspensão não está autorizada no estado de direito pela Convenção Americana. Somado a isso, a Comissão destaca que a prisão preventiva é uma medida de caráter excepcional e se encontra limitada pelos princípios da legalidade, presunção da inocência, necessidade e proporcionalidade.

A CIDH urge o Estado salvadorenho a garantir recursos judiciais adequados, efetivos e acessíveis às pessoas detidas ou submetidas à prisão preventiva, por meio dos quais se possa obter o acesso à justiça com relação àqueles direitos eventualmente violados pela aplicação ou prolongamento ilegal ou arbitrário de tais medidas. Nesse sentido, insta a que se restabeleça imediatamente a liberdade ou se determine medida menos gravosa para os casos em que a prisão preventiva não seja necessária.

Preocupa especialmente a morte de ao menos 73 pessoas detidas durante o regime de exceção, segundo relata o Instituto de Medicina Legal, assim como as denúncias de tortura e maus tratos em centros sob a custódia do Estado. Quanto a isso, insta implementar ações para prevenir atos de violência e investigar esses casos com a devida diligência requerida, e reparar integralmente às vítimas.

Por outro lado, em audiência do 185° Período de Sessões, organizações da sociedade civil denunciaram a superlotação e as más condições de detenção, destacando a falta de acesso a serviços de saúde, a alimentação inadequada, o encerramento permanente nas celas e a falta de comunicação com os familiares. Mencionaram graves restrições sanitárias, com casos nos quais as pessoas reclusas devem fazer suas necessidades fisiológicas em baldes dentro das celas até que estejam cheios. Isso se agravaria em face da ausência de um tratamento diferenciado adequado às características próprias das pessoas privadas de liberdade.

Por sua vez, o Estado mencionou ter adotado um "Protocolo de Atuação para o Pessoal Penitenciário nos Diferentes Presídios ante o Impacto da Aplicação do Regime de Exceção em El Salvador" para garantir os direitos humanos das pessoas privadas de liberdade; assim como um sistema de informações aos familiares das pessoas privadas de liberdade. Além disso, informou sobre os esforços realizados para identificar e adequar o tratamento da população penitenciária a determinadas necessidades de saúde. Mencionou que são entregues os insumos e produtos que os familiares deixam para as pessoas privadas de liberdade. Em acréscimo, afirmou realizar melhorias na infraestrutura e nas condições sanitárias dos centros penitenciários existentes.

O Estado também afirmou que tem atuado no cumprimento das recomendações formuladas pela Procuradoria para a Defesa dos Direitos Humanos e que convidou este órgão para fazer uma verificação das operações policiais, dos centros penitenciários e para emitir um relatório conforme seu mandato legal e constitucional.

A Comissão toma nota das ações estatais adotadas. Nesse âmbito, e conforme os Princípios e Boas Práticas sobre a Proteção das Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas, reitera ao Estado o dever de assegurar as condições mínimas de detenção para garantir a vida, a saúde e a integridade de todas as pessoas que se encontram sob sua custódia, assim como a realização de ações voltadas à redução da população carcerária no país. Em especial, enfatiza a obrigação de assegurar o acesso à água suficiente e salubre para atender suas necessidades individuais cotidianas, a uma alimentação adequada e suficiente e ao contato pessoal e direto com seus familiares, representantes legais e outras pessoas.

O Estado expressou à CIDH que adotou e mantém um estado de exceção para responder à violência e às complexidades do fenômeno das pandillas, cujos crimes não são comuns. Também mencionou o impacto histórico e recente da atividade criminal das maras e das pandillas no país, destacando a redução significativa das taxas de criminalidade desde a implementação do regime de exceção.

A Comissão reconhece o contexto de violência e insegurança relacionado à ação do crime organizado e das pandillas em El Salvador, o qual limita e dificulta o gozo e o exercício dos direitos humanos no país. No entanto, as políticas sobre segurança pública devem dar respostas eficazes e eficientes às demandas de uma sociedade democrática, a partir de um enfoque integral sobre as causas e consequências da criminalidade, e dentro dos limites que estabelecem os parâmetros internacionais e interamericanos de direitos humanos. A CIDH exorta a que toda política de segurança pública e carcerária seja adequada ao marco normativo, assim como aos parâmetros interpretativos desenvolvidos pelos principais órgãos do Sistema Interamericano de Direitos Humanos.

Ante à gravidade das denúncias recebidas durante os mais de sete meses de regime de exceção, a Comissão Interamericana reitera ao Estado salvadorenho sua disposição para realizar uma visita ao país e colaborar tecnicamente na implementação dos parâmetros interamericanos.

A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato surge a partir da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem como mandato promover a observância e defesa dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA na temática. A CIDH é composta por sete membros independentes, que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal, sem representarem seus países de origem ou de residência.

No. 254/22

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