A CIDH apresenta caso sobre a Bolívia perante a Corte Interamericana

9 de março de 2021

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Washington, D.C. - A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) apresentou no dia 22 de fevereiro de 2021 perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) o caso Blas Valencia Campos e outros, a respeito da Bolívia. O caso refere-se às invasões ilegais realizadas nas residências das vítimas e atos de violência excessiva cometidos por agentes estatais - incluindo tortura, violência sexual e incomunicação - durante a prisão e posterior detenção das vítimas.

Na madrugada do dia 18 de dezembro de 2001, um expressivo número de agentes do Estado armados invadiu de maneira violenta quatro imóveis com o objetivo de prender pessoas suspeitas de envolvimento no assalto a um furgão de uma empresa privada no qual dois policiais foram assassinados. Na ação de busca e apreensão ilegal, um grupo de 22 pessoas foram agredidas fisicamente, 17 foram levadas para dependências da Polícia Técnica Judicial (PTJ), aonde sofreram vexações enquanto eram interrogadas. Além disso, tais pessoas foram apresentadas à mídia como as responsáveis pelo assalto, antes de terem sido processadas e condenadas.

Em seu Relatório de Mérito, a Comissão concluiu que tanto as ações de busca e apreensão quanto as prisões foram ilegais, dado que a normativa constitucional e legal vigente na época dos atos proibia a realização de buscas e apreensões durante a noite, a não ser nos casos de consentimento da pessoa ou de flagrância. No presente caso, tais invasões ocorreram quatro dias depois de ocorridos os fatos e logo após terem sido realizadas uma série de ações de investigação, portanto considerou-se que não houve uma situação de flagrância. Além disso, tendo sido comprovado que as invasões e as prisões foram realizadas mediante o uso da violência, a CIDH estabeleceu que as mesmas foram arbitrárias.

A Comissão considerou que ficou suficientemente comprovado que durante as invasões os agentes do Estado exerceram um alto grau de violência física e psíquica contra as pessoas que se encontravam nos edifícios, incluindo crianças; e o Estado não argumentou nem demonstrou que o uso da força no momento das invasões tenha sido racional ou necessário, além de referir-se à suposta periculosidade das pessoas detidas de forma genérica.

A Comissão considerou também que ficou comprovado que 16 pessoas foram levadas às dependências da PTJ aonde foram interrogadas em um contexto de violência e agressão, sem assistência legal efetiva e permanecendo detidas em pequenas celas superlotadas, sem camas, sem acesso a banheiros, alimentos, medicamentos, nem atenção médica, aonde também não podiam receber visitas de seus familiares nem de seus advogados e aonde continuaram sofrendo agressões físicas. Depois de serem transferidas para diversas penitenciárias, 8 pessoas foram mantidas em regime de isolamento e incomunicação, sem acesso à luz natural por mais de 60 dias. A esse respeito, a CIDH determinou que essas pessoas foram vítimas de torturas e tratamentos cruéis, desumanos e degradantes.

No Relatório de Mérito, a CIDH considerou adicionalmente que ficou comprovado que as mulheres foram vítimas de insultos específicos e de toques em seus órgãos genitais, tanto em seus lares no momento da prisão quanto durante a detenção. Uma delas além disso perdeu a gravidez e não recebeu atenção médica oportuna. A Comissão estabeleceu que tais atos foram praticados quando as mulheres estavam submetidas ao controle total dos agentes do Estado, indefesas, portanto constituíram violência e estupro, afetando-as desproporcionalmente e causando-lhes graves sofrimentos psicológicos e morais, o que se soma ao sofrimento físico causado. Tais atos atentaram diretamente contra a dignidade dessas mulheres e constituem graves atos de tortura e de violência contra a mulher.

Por outro lado, a CIDH estabeleceu que uma das pessoas detidas faleceu enquanto se encontrava detida na instalação penal de Chonchocoro, após ter sofrido humilhações e agressões físicas perpetradas por agentes do Estado durante a sua prisão. Nesse sentido, a CIDH observou que não consta que o Estado tenha proporcionado atenção médica e que o Estado não forneceu uma explicação satisfatória nem convincente do ocorrido, portanto a CIDH concluiu que o Estado é também responsável pela violação do direito à vida.

Por último, a Comissão estabeleceu que o Estado violou os direitos às garantias judiciais e proteção judicial das vítimas diante da ausência de investigação dos fatos, a pesar de que as vítimas denunciaram em várias oportunidades as torturas e tratos cruéis, desumanos e degradantes sofridos e o fato de que as declarações foram obtidas sob coação.

Diante do exposto acima, a CIDH concluiu que o Estado da Bolívia é responsável pela violação dos direitos à liberdade individual, à privacidade, à inviolabilidade domiciliar, à vida, à integridade pessoal, direitos da criança, garantias judiciais e proteção judicial, estabelecidos nos artigos 4, 5, 7, 8, 11, 19 e 25 da Convenção Americana em relação às obrigações estabelecidas no artigo 1.1 do mesmo instrumento, assim como o dever de evitar a violência contra a mulher previsto no artigo 7 da Convenção de Belém do Pará, e o previsto nos artigos 1, 6 e 8 da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, diante da falta de investigação e punição das denúncias de tortura, tudo isto em detrimento das vítimas identificadas no presente relatório. 

Em seu Relatório de Mérito, a Comissão recomendou ao Estado: 

1. Reparar integralmente as violações de direitos humanos declaradas no relatório de mérito tanto no aspecto material como imaterial. O Estado deverá adotar as medidas de compensação econômica e satisfação.

2. Brindar o atendimento de saúde física e mental necessário para a reabilitação das vítimas do presente caso, se essa for a sua vontade, e em comum acordo.

3. Iniciar uma investigação penal de maneira diligente, efetiva, e dentro de um prazo razoável com o objetivo de esclarecer completamente os fatos, identificar todas as possíveis responsabilidades e impor as punições correspondentes com relação às graves violações de direitos humanos reconhecidas no relatório. Ao se tratar de graves violações de direitos humanos, o Estado não poderá argumentar pela prescrição ou outras isenções de responsabilidade penal para descumprir essa recomendação. Além disso, as investigações dos atos de tortura deverão seguir os parâmetros da devida diligência estabelecidos no presente relatório, incluindo os do Protocolo de Istambul e a perspectiva de gênero no caso das mulheres vítimas de tortura sexual. 

4. Adotar as medidas necessárias para evitar que no futuro ocorram atos similares. Em especial, implementar programas permanentes de formação em direitos humanos para as diversas polícias, para os funcionários do Ministério Público e do Poder Judiciário, com o fim de de erradicar o uso indiscriminado da força na investigação de delitos e na prisão e detenção dos responsáveis pelos mesmos e assegurar que, nos casos em que tais condutas ocorram, investigações efetivas iniciem-se de ofício e imediatamente, com perspectiva de gênero quando for o caso, que permitam identificar, julgar e punir os responsáveis.

A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato surge a partir da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem como mandato promover a observância e defesa dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA na temática. A CIDH é composta por sete membros independentes, que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal, sem representarem seus países de origem ou de residência.

No. 053/21