Imprensa da CIDH
Washington, D.C.- A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) apresentou em 6 de fevereiro de 2021 perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) o caso Antonio Tavares Pereira e outros, relativo ao Brasil. O caso se refere ao assassinato do trabalhador rural Antonio Tavares Pereira e às lesões sofridas por outras 185 pessoas trabalhadoras integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) por parte de agentes da polícia militar, durante a repressão de uma marcha pela reforma agrária realizada em 2 de maio de 2000 no Estado do Paraná. O caso, que se refere à impunidade em relação a estes fatos, se enquadra em um contexto de violência vinculado a demandas por uma reforma agrária no Brasil.
Em seu Relatório de Mérito, a Comissão concluiu que o Estado brasileiro não trouxe uma explicação que permitisse considerar a morte do senhor Pereira como resultado do uso legítimo da força; pelo contrário, ressaltou que não há controvérsia sobre três aspectos fundamentais: i) que o disparo que causou a morte veio de um agente da polícia militar; ii) que o referido agente não atuou em defesa própria, mas para aterrorizar os manifestantes, e iii) que o disparo foi realizado quando a vítima se encontrava desarmada. Estes elementos, considerados no seu conjunto, são suficientes para demonstrar que o disparo do agente da polícia militar não tinha uma finalidade legítima nem idônea, nem necessária e nem proporcional.
Tendo em vista que as lesões causadas nas outras 185 vítimas foram consequência de disparos realizados pelos mesmos agentes da polícia militar que detiveram os ônibus que se dirigiam à cidade de Curitiba, a CIDH considerou que a análise precedente sobre a improcedência do disparo que ocasionou a morte de Antonio Tavares Pereira e o uso desmedido da força é aplicável também à responsabilidade internacional do Estado por tais lesões.
Por outro lado, a Comissão estabeleceu que as autoridades foram informadas, através de diferentes meios, sobre os atos que seriam realizados pelas pessoas trabalhadoras rurais do MST. Em particular, as autoridades sabiam da iminência da realização de uma marcha e de uma manifestação popular no dia dos fatos e, em lugar de tomarem medidas para proteger os manifestantes, mobilizaram a polícia militar para impedir o exercício dos seus direitos de reunião, liberdade de expressão e circulação.
Em relação à investigação dos fatos, a CIDH concluiu que a intervenção da justiça penal militar constituiu um fator de impunidade para que as vítimas pudessem contar com um recurso efetivo, visto que tal jurisdição violou o direito a uma autoridade imparcial para se obter justiça no caso de violação aos direitos humanos. Considerou, ademais, que tal violação não foi sanada na jurisdição ordinária, visto que a ação penal pelo crime de homicídio foi arquivada com base na decisão da justiça militar. Quanto às 185 vítimas feridas, a Comissão concluiu que o Estado não provou ter atuado com a devida diligência para investigar as lesões e identificar os feridos.
Por outro lado, em relação a uma ação civil interposta pelos familiares de Antonio Tavares Pereira no ano de 2002, declarada procedente em 2010, a Comissão afirmou que, no momento da adoção do relatório de mérito, não contava com informações sobre se a indenização havia sido efetivamente paga apesar do esgotamento de diversos recursos para obter a execução; com base nisso, concluiu que tal ação não resultou efetiva e que descumpriu a garantia do prazo razoável. Por último, a CIDH estabeleceu que a morte de Antonio Tavares Pereira gerou sofrimento e angústia aos familiares, violando o direito à integridade psíquica e moral.
Com base nessas determinações, a Comissão concluiu que o Estado brasileiro é responsável pela violação dos direitos consagrados nos artigos 4.1 (direito à vida), 5.1 (integridade pessoal), 13 (liberdade de pensamento e de expressão), 15 (direito de reunião), 22 (direito de circulação e de residência), 8.1 (garantias judiciais) e 25.1 (proteção judicial) da Convenção Americana, relativamente aos seus artigos 1.1 e 2, em prejuízo das pessoas indicadas no Relatório de Mérito.
Em seu Relatório de Mérito a CIDH recomendou ao Estado:
1. Reparar integralmente as vítimas diretas no presente caso e os familiares de Antonio Tavares Pereira: sua esposa Maria Sebastiana Barbosa Pereira, e os filhos de ambos, Ana Lúcia Barbosa Pereira, Ana Cláudia Barbosa Pereira, Samuel Paulo Barbosa Pereira e Ana Ruth Barbosa Pereira, através de medidas de compensação pecuniária e de satisfação que abarquem os danos materiais e imateriais ocasionados em decorrência das violações descritas no Relatório de Mérito.
2. Adotar as medidas de atenção à saúde física e mental necessárias para a reabilitação das 185 vítimas diretas do presente caso e dos familiares de Antonio Tavares Pereira, se assim for de sua vontade e com a sua anuência.
3. Realizar uma investigação de maneira diligente, imparcial e efetiva, dentro de um prazo razoável, para esclarecer os fatos de forma completa e impor as sanções que correspondam às violações de direitos humanos descritas no relatório.
4. Adotar medidas de capacitação dirigidas aos órgãos de segurança que atuam no contexto de manifestações e protestos. Essas capacitações deverão ser de caráter permanente e incluir no currículo a matéria de direitos humanos que, em especial, contenha os parâmetros do presente relatório, a fim de que sejam conhecidos os princípios da excepcionalidade, necessidade e proporcionalidade aos quais o uso da força deve se ajustar.
A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato surge a partir da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem como mandato promover a observância e defesa dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA na temática. A CIDH é composta por sete membros independentes, que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal, sem representarem seus países de origem ou de residência.
No. 036/21