Discursos

JOSÉ MIGUEL INSULZA, SECRETÁRIO-GERAL DA ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS
PALAVRAS DO SECRETÁRIO-GERAL DA OEA NO QUADRAGÉSIMO SÉTIMO PERÍODO EXTRAORDINÁRIO DE SESSÕES DA ASSEMBLEIA GERAL SOBRE A VISÃO ESTRATÉGICA

setembro 12, 2014 - Washington, DC


Quero começar minhas palavras felicitando o Grupo de Trabalho do Conselho Permanente sobre a Visão Estratégica de nossa Organização pelo trabalho realizado. Espero sinceramente que esse esforço possa concluir de maneira bem-sucedida o dia de hoje com uma definição clara e precisa dos princípios e objetivos que devem orientar os trabalhos da OEA, para que esta se situe à altura das responsabilidades que a história lhe impôs e que todos nós temos a obrigação de cumprir.

A necessidade de definir uma visão estratégica da Organização, de acordo com os tempos atuais e capaz de se encarregar de todos os desafios e condicionantes da ação multilateral contemporânea no âmbito hemisférico, tem sido nossa preocupação constante.

No entanto, como manifestei ante o Conselho Permanente, não creio que a necessidade dessa visão estratégica seja motivada por uma “crise” ou perda de rumo desta Organização.

Pelo contrário, se a OEA continua existindo e se, apesar daquelas vozes que proclamam a toda hora sua obsolescência, continua sendo a referência internacional principal do debate político e da cooperação entre todos os países da América, é porque soube se adaptar às mudanças enormes que esta região experimentou.

Os mesmos pilares que agora proclamamos como eixos centrais da Organização foram forjados ao longo do tempo, para enfrentar desafios muito concretos de nossos países.

Foram os crimes das ditaduras que proliferaram em nossa região há algumas décadas que tornaram imperiosa a instalação de uma Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a assinatura posterior da Convenção e a instalação da Corte.

Foi a evidência de que nosso hemisfério não tinha os grandes desafios de segurança externa comum que pretendia enfrentar, mas era afetado pela violência provocada pela expansão do narcotráfico e outra série de delitos comuns, em meio à ação da criminalidade organizada, o que nos levou há umas décadas à Declaração do México sobre Segurança Multidimensional de 2003 e à criação da Secretaria de Segurança Multidimensional alguns anos depois, durante meu mandato.

A área de desenvolvimento não existia quando a OEA nasceu; porém, como produto de nossa experiência, se fez indispensável para enfrentar os problemas econômicos, sociais e ambientais deste hemisfério, tão rico em recursos como injusto em sua distribuição.

Foi a luta denodada de nossos povos pela democracia que fez com que esta forma de organização política, cujo conteúdo vai muito mais além do eleitoral, para incluir o respeito aos direitos humanos, o pluralismo político, a gestão transparente e o estado de direito, se implantasse há três décadas como o principal motivo de unidade de nossa Organização. O que antes era uma aspiração retórica de alguns documentos se converteu há treze anos em um direito de todos os povos da América, como reza nossa Carta Democrática Interamericana.

É necessário, então, projetar para o futuro nossa história de mais de um século de convivência pacífica e esforços coletivos para impulsionar o desenvolvimento econômico dos povos das Américas.

O tema que enfrentamos não é primariamente financeiro nem organizacional, embora esses aspectos também estejam intimamente ligados ao cumprimento de nossos objetivos. Mas, para poder resolver esses assuntos, é preciso definir as questões substantivas que dão sentido e projeção ao pacto centenário que nos une.

Foi por isso que propus abordar, conforme pediram numerosos membros do Conselho, como um requisito para reorganizar e priorizar os muitíssimos mandatos que foram se acumulando em todos esses anos, uma discussão sobre os princípios fundamentais e as tarefas que constituem a essência da Organização dos Estados Americanos no século XXI.

Foi por isso que em duas oportunidades me dirigi ao Conselho Permanente com esse propósito. A primeira delas, em dezembro de 2011, por intermédio do documento "Uma Visão Estratégica da OEA". A segunda, em abril de 2013, mediante o documento "Uma Visão Estratégica da OEA. Segunda Entrega", na qual busquei aprofundar os conceitos e proposições que havia adiantado na primeira versão. Nesses textos fui franco ao assinalar que pretendia apresentar uma proposta de natureza política e que buscava retomar aquilo que é fundamental para a nossa Organização, fixando nossa atenção e nossa ação nos quatro pilares em torno dos quais - é minha convicção - devemos concentrar nossa atividade política e de cooperação: o fortalecimento da democracia, a promoção e proteção dos direitos humanos, o impulso ao desenvolvimento integral e o fomento da segurança multidimensional.

Assinalei ante o Conselho Permanente, ao apresentar a segunda entrega de minha visão estratégica, que a situação de mudança que vivíamos tornava necessário contar com uma Organização inclusiva, de países soberanos, diversos e legitimados pela democracia, que atuem sobre uma mesma agenda hemisférica, em plena igualdade. Essa é, em minha opinião, a definição da OEA do século XXI.

Mas não construímos a partir do zero. Nossa visão estratégica deve basear-se no que foi construído em todos esses anos. O objetivo deste exercício não foi inventar uma nova OEA dentro de um laboratório, mas corrigir a relação entre nossos objetivos estratégicos, aqueles valores que compartilhamos como organização política hemisférica e a forma de organizar, financiar e controlar nossas atividades.

Porém, junto com essa orientação geral, devo advertir novamente para a necessidade de que as diretrizes políticas, uma vez identificadas em conjunto pelos Estados membros e a Secretaria-Geral, informem a tomada de decisões financeiras e não o contrário.

Os pilares essenciais em que se baseia a ação da Organização dos Estados Americanos são os definidos adequadamente pela resolução da Assembleia Geral de Assunção e desenvolvidos no projeto de resolução que está diante desta Assembleia Extraordinária. Esses pilares se sustentam em duas bases, em duas riquezas fundamentais, que constituem a verdadeira força de nossa Organização: o diálogo e o direito.

Sobre o diálogo: nunca devemos perder de vista que nossa missão fundamental é servir de fórum político no qual os Estados de nosso continente possam ter sempre um lugar para o diálogo construtivo, democrático e igualitário, no qual possam expor suas coincidências e diferenças e organizar sua ação coletiva. Nas condições atuais do hemisfério, o diálogo entre iguais é condição essencial.

Para esse propósito foi criada a OEA e em função dele conseguimos construir a união de Estados mais antiga e prolongada entre todas as formas contemporâneas de associação política regional.

Essa união não é obtida, como se pretendeu em algumas épocas, através de uma unanimidade ideológica ou de critérios políticos entre nossos Estados. Isso foi obtido porque as diferenças ideológicas e políticas entre eles encontraram na Organização dos Estados Americanos o espaço necessário para serem debatidas e o marco jurídico e institucional que permitiu sua superação em termos pacíficos e de mútua solidariedade e cooperação.

Nestes anos, nossa capacidade de oferecer esse fórum político se acentuou e o Conselho Permanente e a Assembleia Geral se converteram em espaços nos quais os países da região podem abordar e solucionar suas diferenças e conflitos.

Durante os últimos anos a diversidade de correntes ideológicas e políticas que hoje caracteriza a nossa América se manifestou na OEA e isso, longe de debilitá-la ou dividi-la, a fortaleceu.

O fórum político que a OEA proporciona a todos os Estados do hemisfério se ampliou e hoje alcança praticamente a totalidade das áreas principais de interesse hemisférico de nossos Estados. Por isso, quando há um problema a ser solucionado, todos vêm a este fórum dizer sua verdade e contrastá-la com a dos demais.

E aqui também, em nossos cada vez mais concorridos fóruns da sociedade civil, todas as organizações sociais de nossa região podem dizer o que pensam e falar de seus problemas. Não há outra Organização internacional no hemisfério (e poucas no mundo) que ofereçam este espaço de maneira tão ampla e indiscriminada.

Nossa segunda riqueza é o direito. A OEA é a depositária, a titular de todo o direito das Américas. Nenhum acordo obtido em nível hemisférico deixa de ter aqui um referencial. Todas as instituições hemisféricas são criadas por acordo da OEA, e cada um dos pilares aos quais nos referimos na recente Assembleia Geral e na Assembleia Ordinária tem seu fundamento operacional em alguma Convenção da OEA ou em algum acordo da Assembleia da Organização dos Estados Americanos.

Quando falamos dos princípios da Organização, não podemos esquecer a Carta da OEA. Como a lemos pouco às vezes! Aí estão todos os princípios em que sempre se baseou – ou deveria ter se baseado – nossa unidade: a igualdade jurídica dos Estados, a autodeterminação, a não intervenção, a solução pacífica das controvérsias, além dos fundamentos de nossa ação em matéria de democracia, desenvolvimento e direitos humanos.

Porém, além disso, cada pilar tem sua referência fundamental; nossa ação política tem:
na resolução de conflitos, o Pacto de Bogotá sobre Solução Pacífica de Controvérsias;
na promoção e defesa da democracia, a Carta Democrática Interamericana;
na defesa dos Direitos Humanos, a Convenção Americana de Direitos;
no desenvolvimento integral, a Carta Social e o Protocolo de São Salvador;
em Segurança Multidimensional, a Declaração do México de 2003 sobre Segurança Multidimensional;
e um conjunto de outros tratados e acordos, como a Convenção Interamericana contra a Corrupção, a Convenção sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas, as três convenções sobre discriminação e a Convenção de Belém do Pará, para citar apenas algumas.

Temos, então, os instrumentos necessários para tornar realidade nossa visão, sem necessidade de estabelecer novas normas para isso, na medida em que todos as aceitemos e estejamos dispostos a ser regidos por elas e adotemos as decisões políticas que correspondem. Na minha Segunda Entrega da Visão Estratégica enumerei algumas possíveis decisões que poderiam orientar o tipo de decisão que a partir de agora se requer.

Três de nossos quatro pilares têm, também, uma vantagem adicional: há um consenso bastante generalizado quanto às nossas vantagens comparativas para assumi-los. Ninguém discute o papel que cabe à OEA em matéria de observação eleitoral e promoção e defesa da democracia; nenhuma outra instituição tem a credibilidade e peso que nossa Comissão e nossa Corte de Direitos Humanos têm hoje dentro do Sistema; nem se questiona tampouco a presença que alcançamos em matéria de drogas e segurança pública.

Outras instituições, especialmente as de crédito, podem apoiar os países com recursos; mas na OEA é onde se discutem e fixam as políticas, desde que, repito, isso se faça em nível hemisférico e não invada as legítimas prerrogativas que, em cada região, correspondem às entidades regionais.

Se nessas três áreas devemos, então, encontrar a forma de levar adiante nossas competências de maneira mais eficiente, não ocorre o mesmo na área do desenvolvimento integral, que é aquela em que a institucionalidade hemisférica sofreu as maiores transformações.

É aqui que, desde a fundação da OEA, se adicionou, em nível hemisférico, uma série importante de organismos, dotados de mais recursos que o nosso e que trabalham nas mesmas áreas. Uma muito melhor coordenação com eles e a realização conjunta de muitas atividades, começando pelas reuniões ministeriais que todos realizamos paralelamente, deve ser parte integral de nosso processo de revisão.

Devo tomar um momento aqui para dizer que este ano, em outubro, o Programa de Nações Unidas para o Desenvolvimento realiza uma reunião de ministros de desenvolvimento social; en dezembro, entendo que a CELAC realiza outra; em março, a OEA ia realizar outra; e em abril, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe deve realizar outra, porque não é possível ter só uma reunião de ministros de segurança pública e depois ver o que vai fazer cada uma das organizaçoões, em vez de continuar realizando de forma paralela todas as atividades no âmbito do desenvolvimento da região.

A Cúpula das Américas e, especialmente, o Grupo de Trabalho Conjunto de Cúpulas podem ser o espaço apropriado para isso.

Quero reiterar uma vez mais, ao concluir esta intervenção, a importância que, com um mínimo de realismo, deve ser atribuída também aos temas administrativos e financeiros. Dediquei-me a isso desde o primeiro dia em que assumi a Secretaria-Geral no contexto de uma aguda crise financeira, organizacional e, sobretudo, de confiança. E cito aqui o Secretário-Geral Interino Luigi Einaudi, quem ao me entregar o cargo, descreveu a OEA como um grande barco sem capacidade de manutenção para suas máquinas e que tinha por velame somente alguns panos remendados mais próprios de um velho catamarã do que dessa grande embarcação que pretendíamos ser.

O esforço dedicado a solucionar essa situação nos permite hoje mostrar um sistema de gestão que oferece uma gestão uniforme de todos os recursos e uma informação periódica e uniforme de absolutamente todos os itens de gastos que compõem nosso orçamento. Nossa capacidade de prestar contas é, hoje em dia, superior a qualquer momento anterior na história de nossa Organização.

Hoje podemos mostrar, em tempo real, não só a execução de nosso orçamento, mas também a de cada um de nossos projetos. O processo de planejamento e gestão de projetos e programas nos permite também elaborar as propostas de orçamento com base na identificação, classificação e custeio das metas operacionais de toda a Secretaria-Geral e de outros organismos da OEA.

Podemos identificar os resultados concretos que cada subprograma prevê alcançar com os recursos alocados.

E a prestação de contas relativa a qualquer de nossas atividades está aberta ao exame de todas as missões, dos contribuintes externos, da comissão de auditores externos e de qualquer pessoa ou instituição responsável que assim solicitar.

Mas nada disso será suficiente, nem sequer útil, se esquecermos que a OEA vive graças às contribuições de seus Estados membros. Que a retórica de nossos entusiasmados discursos nunca substitua a obrigação de contribuir materialmente para o cumprimento de nossos objetivos comuns.

Senhor Presidente, Senhores Delegados: Creio – quero crer – que nossos Estados membros estão dispostos a continuar construindo nossa aliança com base na contribuição de todos e que, com os esforços de modernização, ninguém pretende debilitar o pacto de unidade e cooperação que deu origem ao Sistema Interamericano há 125 anos.

Estamos aqui para fortalecer esse pacto e o faremos na medida em que todos demonstrem a vontade de seguir as mesmas regras em condições de igualdade e sejam capazes de apresentar princípios sólidos já acordados, precisando objetivos claros, planos de trabalho concretos, desenvolvendo uma gestão austera e eficiente e mantendo uma adequada coordenação com as outras instituições do Sistema Interamericano.

A fase que se segue, seguramente, é a mais difícil: adotar as decisões políticas para ajustar o trabalho da Organização às prioridades que nós mesmos determinamos.

Obrigado.