Discursos

JOSÉ MIGUEL INSULZA, SECRETÁRIO-GERAL DA ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS
DISCURSO DO SECRETÁRIO-GERAL DA OEA, JOSÉ MIGUEL INSULZA, NA ABERTURA DO QUADRAGÉSIMO QUARTO PERÍODO ORDINÁRIO DE SESSÕES

junho 3, 2014 - Assunção, Paraguai


Agradeço, Senhor Presidente Cartes, a Vossa Excelência e a seu governo, muito especialmente ao Chanceler Eladio Loizaga e a todos os funcionários da Chancelaria, a excelente acolhida que tivemos em Assunção e o esmero na preparação deste Quadragésimo Quarto Período Ordinário de Sessões da Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos. Só espero que possamos responder a tanta generosidade e tanta eficiência com uma Assembleia que atenda às expectativas que nela colocamos.

A realização desta Assembleia em terra paraguaia, pela segunda vez, é motivo de enorme satisfação para nós. Este país é um dos fundadores da União Pan-Americana, e contribuiu decisivamente para a criação da OEA em 1948, apoiando sempre seu trabalho. Quando a Vigésima Assembleia, de 1990, se realizou em Assunção, este querido país acabava de recuperar a democracia e se integrava ao novo hemisfério democrático que então nascia. Era um período de incerteza, mas também de muitas convicções e esperanças. Voltamos aqui hoje para manifestar novamente a seu Presidente, a todas as forças políticas e ao povo paraguaio nosso respeito e apoio aos esforços por eles envidados por construir uma pátria cada vez mais próspera, mais democrática e mais justa.

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Chanceleres e delegados,

Apesar de já ter participado muitas vezes da Assembleia Geral da OEA, primeiro como Chanceler de meu país e depois como Secretário-Geral, nunca deixa de me surpreender, nessa era de tantas cúpulas, a permanência e a relevância de que se reveste esta Reunião de Ministros das Relações Exteriores. Creio que se trata de uma manifestação da força e da vitalidade que mantém, em um período de grandes transformações, a organização política mais antiga do mundo, que os Chanceleres da América conduzem.

Sempre cercada de debates, análises e propostas sobre seu futuro, a OEA responde a seu principal objetivo: ser o foro político dos países da América, onde tudo se diz, onde há um verdadeiro diálogo de que todos podem participar em pé de igualdade e dar sua opinião sobre qualquer tema relevante da região, sendo tratado com dignidade e respeito. Que essa característica se mantenha sempre, especialmente no âmbito da democracia e liberdade que nos coube viver.

Na OEA firmaram-se os principais instrumentos jurídicos que regem nosso sistema: a própria Carta da OEA, o Pacto de Bogotá sobre Solução Pacífica de Controvérsias, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José), o Protocolo de San Salvador em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, a Convenção de Belém do Pará sobre Violência contra a Mulher, a Carta Democrática Interamericana, a Carta Social das Américas, a Declaração do México sobre Segurança Multidimensional, a Convenção Interamericana contra a Corrupção, a Convenção Interamericana sobre Deficiência, a Convenção Interamericana contra a Fabricação e o Tráfico Ilícitos de Armas de Fogo, Munições, Explosivos e Outros Materiais Correlatos as recentes Convenções contra Toda Forma de Discriminação e contra o Racismo e muitos outros tratados e acordos.

Também depositados em nossa Secretaria estão os instrumentos que criaram o Banco Interamericano de Desenvolvimento, o Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura, a Comissão Interamericana de Mulheres, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, o Instituto Interamericano da Criança, a Organização Pan-Americana da Saúde, o Instituto Pan-Americano de História e Geografia e outros.

Em suma, a OEA é a depositária do direito e da institucionalidade das Américas, direito e institucionalidade que estão vivos e ativos, e que queremos fortalecer a cada dia. Por essa coluna vertebral corre tudo o que os povos das Américas, do Norte, do Centro, do Caribe e do Sul sonhamos e realizamos juntos.

Mas a OEA não é só isso, mas também, e principalmente, um conjunto de programas de ação que se executam dia a dia. Permitam-me recordar alguns.

A observação e cooperação eleitoral. Entre 1962 e 2004 realizamos 121 missões de observação e na década iniciada em 2005 chegaremos a mais de 100, incluindo as que tiveram lugar nos últimos seis meses.

Há poucos dias, assinei a ordem executiva que cria o Órgão Internacional de Certificação Eleitoral na OEA, essencial para dar vida a uma nova norma, a ISO 17582, que permitirá que órgãos eleitorais de nossos Estados membros, bem como outros no mundo que o solicitarem, obtenham a certificação oficial para seus processos eleitorais em oito processos distintos, desde o registro de candidatos à fiscalização do financiamento.

Existem muitas atividades e programas que valeria a pena mencionar. As atividades da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a ação contra o tráfico e o abuso de drogas, a segurança pública, o desenvolvimento do Direito Internacional, o Programa de Bolsas, a rede de proteção social, a promoção do desenvolvimento integral, a missão de apoio ao plano de paz na Colômbia, a missão na zona de adjacência Belize/Guatemala, o programa de remoção de minas, os programas de marcação de armas, o Programa de Gestão Pública Efetiva, o Programa de Identidade Civil, o Mecanismo de Acompanhamento da Convenção Interamericana contra a Corrupção (MESICIC), os trabalhos da Comissão Interamericana de Mulheres, o programa de facilitadores judiciais, as Assembleias modelo da OEA, o diálogo permanente com a sociedade civil, e muitas mais.

Entregamos, por ocasião desta Assembleia Geral, uma relação minuciosa de nossas atividades. Convido-os a que a examinem para conhecer a variedade, magnitude e qualidade das tarefas realizadas por esta Organização.

Porém, com a mesma ênfase com que desejo ressaltar nossas atividades e conquistas, devo esclarecer que a OEA não pretende ser, em nenhum caso, a única entidade representativa do continente. Pelo contrário, reconhecemos e valorizamos o surgimento de novos organismos ou foros regionais, que cumpram, em meio a um processo crescente de internacionalização, tarefas que a OEA não está destinada a cumprir. Não estamos aqui para competir, mas para cooperar em prol de nossos Estados membros.

Com organismos ou foros como a UNASUL, o SICA, a CARICOM, a CELAC, o MERCOSUL, a Comunidade Andina, o SELA e a OECO buscamos manter as melhores relações e prestar-lhes todos os serviços que estejam a nosso alcance.

Da mesma maneira, é o momento de recordar que, com base em nossas Fortalezas, estamos agora dedicados a redefinir nossa agenda hemisférica e nossas prioridades. Iniciamos esse processo há dois anos e meio, quando entreguei ao Conselho Permanente o primeiro documento sobre a visão estratégica. Um ano depois, apresentei uma versão mais completa e o Conselho realizou este ano um debate que culminou com uma resolução que está hoje diante desta Assembleia.

O ponto de partida desse exercício foi a nova realidade que vive o continente e a forma em que ela condiciona a relação multilateral entre os Estados membros. Minha proposta de Visão Estratégica se funda no que são hoje as necessidades da sociedade hemisférica, com as transformações das últimas décadas.

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Chanceleres
As Américas atravessaram na década de 2002 a 2012 um período excepcional de sua história. Os resultados econômicos ampliaram o produto da América Latina a um total de mais de seis trilhões de dólares, aumentando de maneira substantiva sua participação na economia mundial. A região se beneficiou – pela primeira vez em sua história – de uma combinação virtuosa de crescimento e estabilidade macroeconômica, redução da pobreza e até mesmo um pequeno aumento da distribuição de renda. Ao mesmo tempo, embora as economias do norte sofressem os embates da crise econômica, mantiveram-se seu tamanho e importância na região, e a superação dessa crise é uma boa notícia para todo o Hemisfério.

Mais de 60 milhões de latino-americanos saíram da pobreza nesse período. Em cifras da CEPAL, a pobreza caiu de 43.9% em 2002 a 28,8% em 2012. Embora a classificação de “classe média” que se atribui aos que cruzaram a linha seja enganosa, o fato é que pela primeira vez o número dos considerados de renda média baixa é igual ao número de pobres da região. Os níveis de cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio são positivos em quase todos os países.

O novo século também trouxe consigo a consolidação da democracia, em três sentidos. Em primeiro lugar, os países da América assinaram, em 11 de setembro de 2001, a Carta Democrática Interamericana, abrindo caminho para uma nova era na política regional, em que a democracia, como forma de governo e de organização social, passou de aspiração compartilhada a direito do cidadão, e obrigação livremente contraída pelos Estados da região.

Em segundo lugar, as eleições democráticas ocorreram em todos os lugares e em todos os níveis. A OEA observou 93 eleições nos últimos nove anos: eleições livres, secretas, concorridas e não impugnadas, na grande maioria, e em muitos casos com a transferência de poder entre forças políticas de bandeiras diferentes.

Em terceiro lugar, a governabilidade cresceu enormemente nos Estados membros. Enquanto 16 governos, entre 1990 e 2015, deixaram de concluir seu mandato, isso ocorreu somente duas vezes no período em que tenho exercido a Secretaria-Geral da OEA.

Em suma, nossa região mudou intensamente e para melhor, na economia, na sociedade e na política. A questão que hoje nos depara é se, em condições econômicas um pouco diferentes, seremos capazes de enfrentar efetivamente os grandes problemas que ainda afetam nossas democracias, para torná-las mais estáveis, mais justas e mais eficazes no atendimento da demanda do cidadão.

Se nossa região quiser progredir em seu desenvolvimento democrático e obter um crescimento integral sadio, deve ocupar-se hoje de quatro desafios políticos urgentes: a inclusão social, a segurança pública, a defesa dos direitos humanos e a expansão da democracia e do Estado de Direito.

São esses os desafios que estão por trás de nossa visão. Se quisermos fortalecer a OEA, isso deve ser feito com base em nossas definições acerca de como se manifestam hoje. Daí a importância dessa Assembleia Geral e da lucidez do Governo do Paraguai e do Presidente Cartes ao propor-nos o tema inclusão social, o primeiro grande desafio do nosso hemisfério, para análise e, especialmente, para a busca de soluções úteis para esse problema que enfrentam nossas democracias.

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Chanceleres, Vice-Chanceleres e delegados,

Devemos reconhecer que, embora a extensão da democracia e um crescimento econômico maior tenham possibilitado reduzir a pobreza e ampliar a perspectiva de uma vida melhor para muitos cidadãos, essas conquistas não transformaram nossos países em sociedades mais igualitárias. Pelo contrário, a injustiça que ainda prevalece na distribuição da riqueza e no acesso aos bens sociais alcança níveis que ameaçam corroer nosso tecido democrático.

E permitam-me recordar sobre esse tema uma magnífica frase do Presidente John F. Kennedy, que ao tomar posse em 20 de janeiro de 1961 afirmou: "Se uma sociedade livre não puder ajudar os muitos que são pobres, não poderá salvar os poucos que são ricos".

Trata-se de um problema hemisférico, porquanto os países mais desenvolvidos da região também enfrentam condições crescentes de desigualdade, com acumulação da riqueza em poucos domicílios e a exclusão de importantes setores da sociedade. A desigualdade não diminuiu suficientemente no mundo em desenvolvimento e aumentou no mundo desenvolvido.

Na América Latina, os 10% mais ricos da população recebem 32% da receita total, enquanto os 40% mais pobres recebem somente 15%. O país mais igualitário da América Latina tem o mesmo coeficiente de Gini que a nação mais desigual da Ásia.

Um terço da população total da América Latina ainda vive em domicílios cuja renda varia entre 4 e 10 dólares por dia. Essas pessoas já saíram estatisticamente da pobreza que ainda aflige mais de 167 milhões de latino-americanos, porém chamá-los de “setores médios” não faz sentido. Na realidade, são muitos milhões de “não pobres”, que se situam em uma faixa de renda que ainda os mantém em situação de extrema vulnerabilidade.

A metade dos adultos indigentes (entre 25 e 65 anos de idade) não concluiu o ensino fundamental. Os que não concluíram o ensino médio integram os 45% de pobres não indigentes. Menos de 1% dos pobres concluíram o ensino superior.

Por outro lado, os menores de 17 anos constituem 51% da população indigente e 45% dos pobres não indigentes na América Latina. Em outras palavras, praticamente a metade dos pobres são crianças, o que oferece perspectivas sombrias para seu futuro.

A desigualdade não se expressa somente na enorme diversidade de renda das pessoas, mas também decorre da discriminação de classe, de raça, de gênero, de opção sexual, de origem geográfica, de capacidade física, que se traduzem em uma situação de desigualdade social incompatível com nossos ideais democráticos.

Ser mulher, pobre, indígena, afro-americano, migrante, homossexual, trabalhador informal ou pessoa com deficiência significa ter na sociedade uma posição inicial desvantajosa em relação aos que não têm esse gênero, condição econômica, raça, condição migratória, características físicas, opção sexual ou posição no trabalho. Geralmente essas categorias implicam diferentes condições econômicas, acesso a serviços, proteção pública, oportunidades de educação ou emprego, que terminam por se traduzir em exclusão social. Sua gestação como categorias sociais poderá ter origem distinta, mas seu efeito comum será expor essas pessoas a abuso, exclusão ou discriminação. "Os indígenas", disse-me ontem um de seus líderes, "não somos pobres nem vulneráveis, mas fomos empobrecidos e vulnerabilizados".

Em suma, à vulnerabilidade econômica, unem-se, entre outras, as vulnerabilidades decorrentes

- do acesso desigual a serviços públicos essenciais, como educação, saúde, água potável, habitação, segurança, transporte público;

- da discriminação que ainda afeta as mulheres, as populações indígenas e afro-americana, os migrantes, as pessoas com deficiência e outros grupos socialmente vulneráveis;

- das condições insuficientes no exercício dos direitos humanos, como o acesso à justiça e à liberdade de expressão;

- da informalidade no trabalho, que coloca um grande número de trabalhadores em condições de emprego e renda precários, privando-os da proteção a que têm direito;

- das possibilidades desiguais de participação política, tanto no exercício do sufrágio como na possibilidade de influir efetivamente na ação das instituições públicas.

Todas essas formas de discriminação, ou desigualdade categórica, estão no livro "Desigualdade e Exclusão Social nas Américas", editado pela Secretaria-Geral para esta Assembleia.

O descontentamento provocado por situações como as que acabo de descrever está na origem do protesto cidadão que podemos apreciar nas ruas de nosso continente. Porque os movimentos sociais que se manifestaram no último período em vários países da região não são sementes de uma revolução, mas a demanda de melhores condições de vida em uma democracia melhor. E essa exigência se tornará cada vez maior, pois em muitos casos os protestos são liderados pela maioria jovem do nosso Hemisfério, que figura transversalmente em todas as categorias de discriminação.

É por isso que o debate em torno da desigualdade e da exclusão deve deixar de ser puramente econômico e transferir-se para o campo das políticas públicas. Hoje já sabemos que o mercado não distribui, e que as decisões que os Estados venham a tomar para melhorar a distribuição são o que tornam compatível a economia de mercado com a democracia.

É verdade que para o processo econômico concorrem fatores de caráter virtuoso como o conhecimento e habilidades adquiridas, ou o investimento em ciência e tecnologia para ativar a melhor distribuição da renda. Mas nesses planos são também importantes as decisões políticas dos governos.

Em matéria de políticas públicas e levados pelo sadio anseio de combater desigualdades tão grandes há sempre o risco de atingir, com excesso, o investimento e o crescimento da economia. É papel da política e dos políticos alcançar, com responsabilidade e no âmbito do Estado de Direito, o adequado equilíbrio entre o crescimento e as políticas de inclusão social e redistribuição da renda. A busca de acordos amplos entre atores sociais e políticos é provavelmente a forma menos custosa de enfrentar a desigualdade.

A resposta política foi manifestada inúmeras vezes e se expressa no sentido de um Estado social de direitos que reúna cinco características:

1) Ser capaz de criar, no estado, um piso de proteção social, ou seja, um conjunto de serviços públicos fundamentais (que incluem educação, saúde, moradia, segurança pública e segurança social) para todos os cidadãos, de acordo com o nível de desenvolvimento econômico alcançado pelo país;

2) Ter uma economia que proporcione trabalho decente para os homens e mulheres, em condições de igualdade;

3) Garantir que todos os cidadãos tenham oportunidades iguais, eliminando todo fator de discriminação;

4) Ter um sistema tributário capaz de redistribuir, bem como financiar adequadamente um estado democrático, eficaz e transparente;

5) Contar com mecanismos de participação política que possibilitem o controle adequado dos cidadãos da observância de seus direitos.

Muitas das respostas às perguntas que hoje nos fazemos são tratadas de maneira geral na Declaração de Assunção, que esta Assembleia deve discutir e aprovar. As principais formas de exclusão e as políticas possíveis constam do relatório que preparamos para esta reunião e do trabalho de inúmeras organizações internacionais e nacionais que contribuíram para esse tema. Mas a ação, individual ou concertada, cabe aos Estados membros. São os governos do Hemisfério que devem enfrentar, e vêm enfrentando, essa tarefa inevitável para nossas democracias. Esperamos ouvir deles suas experiências nesta Assembleia.

Nesse aspecto nossos governos contribuíram muito nas últimas décadas. Começamos com governos muito frágeis e, como resultado dos conteúdos ideológicos de nossa política nos anos oitenta e noventa, pouco preparados para enfrentar essas demandas cidadãs. E ainda que no processo democrático nossos Estados tenham-se fortalecido e tenham empreendido importantes programas para atenuar a pobreza e melhorar substantivamente o acesso aos serviços públicos, persistem insuficiências que os impedem de cumprir todas as expectativas dos cidadãos referentes a suas democracias.

Estamos convencidos de que o fortalecimento da democracia está intimamente associado aos preceitos de nossa Carta Democrática Interamericana. É por meio do exercício pleno da cidadania política, civil e social consagrada na CDI que podemos alcançar nossa incumbência, fazendo com que esse Hemisfério muito mais democrático e com menos pobreza seja também mais justo.

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Chanceleres, Senhoras e Senhores delegados, ilustres convidados e convidadas

Gostaria de referir-me à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, de que fazem parte todos os Estados membros. A Comissão aumentou o número de denúncias recebidas por violações de direitos humanos de 6.417 casos no período 1997–2004 a 14.133 casos entre 2005 e 2013, uma demonstração mais que concreta da confiança crescente que os cidadãos das Américas nela depositam. No último ano somente essas denúncias quintuplicaram em relação a 1997. Os casos enviados à Corte Interamericana de Direitos Humanos pela Comissão passaram de 54 no período 1997-2004 a 120 em 2005-2013, o que evidencia a eficácia da atividade da Comissão.

O Sistema Interamericano de Direitos Humanos é uma das principais riquezas de nossa Organização, proporcionando-lhe relevância e prestígio em todo o Hemisfério e além dele.

A Assembleia de São Salvador de 2011 iniciou um processo de debate acerca do fortalecimento do Sistema, inspirado pela necessidade de se ampliar o diálogo entre os Estados membros, a Corte e a Comissão, contando com a contribuição da sociedade civil. O resultado foi um relatório aprovado na Assembleia de Cochabamba de 2012 e em seguida implementado por uma Assembleia Extraordinária poucos meses depois.

Os resultados desse processo foram considerados exitosos de maneira quase unânime, o diálogo entre a Comissão e os Estados membros se enriqueceu e a CIDH implementou satisfatoriamente as reformas que foram pedidas, no âmbito de sua autonomia. Alguns Estados, entretanto insistiram em buscar outras reformas.

No início a Secretaria-Geral incentivou o debate e até concordou que uma reunião dos Estados Partes, ainda que não constasse da Convenção, poderia ser útil para o objetivo que se pretendia: buscar a universalidade da Corte e fortalecer materialmente a ação do Sistema.

Hoje considero, no entanto, que esse processo levou claramente a direções distintas das imaginadas anteriormente. Exclui-se do debate alguns Estados membros e debatem-se temas referentes ao processo de transferência da Comissão e outros, os quais têm custos altos e utilidade discutível e em torno dos quais é pouco possível alcançar consenso.

Não questiono o direito de qualquer Estado de tentar reformar o sistema. Isso deve ser feito, no entanto, emendando as respectivas normas jurídicas, sendo que quase todas estão consignadas na Carta da OEA e na Convenção Americana de Direitos Humanos, as quais são modificadas pela Assembleia e, por serem tratados, devem ser submetidas à ratificação em cada país.

A discussão se tornou confusa quando se colocou no centro do debate a questão da sede da CIDH. Argumenta-se que para ser sede de um órgão é preciso pertencer a ele. Mas a Comissão funciona em Washington e o país sede é parte da Comissão, criada pela Carta. A Corte funciona na Costa Rica e o país sede é parte da Corte, criada pela Convenção. A Secretaria-Geral proporciona o serviço de secretaria à Comissão e naturalmente o faz na sede, determinada pelo Artigo 76 da Carta.

Ou seja, Senhor Presidente, acredito ser meu dever apontar algo que já está visível. Este não é um processo de fortalecimento. É um longo e penoso debate sem resultados benéficos, que apenas nos debilitará e dividirá, colocando em questão uma das principais riquezas dessa Organização.

Não pretendo abrir um debate em uma Assembleia que não foi convocada para essa finalidade. Sugiro que nosso Conselho Permanente, com todos os membros e com plena participação dos membros da Comissão, que os Senhores elegeram, estude a melhora maneira de encaminhar esse assunto. A Comissão pode decidir sessionar em outros países – e tenho certeza de que se for convidada pelos países não haverá problema nenhum em fazê-lo. Podemos também voltar a dialogar com os países que não são membros, não devendo excluí-los a priori. Devemos fazer o que for juridicamente possível sem modificar a Carta ou a Convenção, bem como o que for politicamente possível sem divisões entre nós.

Senhor Presidente, estimadas amigas e amigos

Nossa Organização foi um ator político fundamental em nosso Hemisfério na última década. As diferenças ideológicas que se manifestaram em seu âmbito não foram um obstáculo ao desenvolvimento de sua missão de unidade e cooperação, longe disso, fortaleceram-na como o cenário para o debate, o que é o melhor antídoto para o conflito.

Por isso faço um apelo a todas e a todos para que realizem um debate positivo, que abra o espaço para entendimento e acordos; para soluções que beneficiem o conjunto da sociedade do nosso continente. É esse o espírito que motiva minha gestão como Secretário-Geral da OEA. A busca de consensos é, por vezes, um caminho complexo, às vezes ingrato, mas não devemos renunciá-lo porque, no fim, as soluções com consenso são mais sólidas e duradouras.

Muito obrigado.