Discursos

JOSÉ MIGUEL INSULZA, SECRETÁRIO-GERAL DA ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS
CERIMÔNIA DE ABERTURA – QUADRAGÉSIMO PERÍODO ORDINÁRIO DE SESSÕES DA ASSEMBLÉIA GERAL

junho 6, 2010 - Lima, Perú



Agradeço ao Presidente Alan García, ao povo do Peru e, muito especialmente, às autoridades e cidadãos desta linda cidade de Lima, as afetuosas boas-vindas que nos ofereceram e o cuidado e a eficiência na preparação deste Quadragésimo Período Ordinário de Sessões da Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos. O Peru sempre foi um firme defensor do multilateralismo hemisférico, especialmente nos últimos anos em que desempenhou um papel importante na elaboração de alguns dos nossos principais instrumentos, acima de tudo, a Carta Democrática Interamericana.

É de especial relevância para nós, Senhor Presidente, encontrarmos o Peru em uma etapa de desenvolvimento do país caracterizada por índices de crescimento que estão entre os mais altos da região, além de um ambicioso programa social que permitiu a redução da pobreza e o aprimoramento da prestação de serviços sociais essenciais à população.

A democracia peruana também se vê fortalecida na última década e estamos orgulhosos, como Organização, por termos contribuído com nosso grão de areia para essa conquista fundamental.

Senhor Presidente, Ministros, Ministras, delegadas e delegados:

Ano após ano, desde 2005, tenho tido o privilégio de dirigir-me aos senhores nesta cerimônia que inicia o período ordinário de sessões da nossa Assembléia Geral. Hoje, apresento-me diante dos Senhores honrado e agradecido pela renovação da confiança traduzida na minha reeleição como Secretário-Geral para os próximos cinco anos. Comprometo-me, mais uma vez, junto a esse principal organismo da Organização, a empreender todos os esforços a fim de tornar a OEA cada vez mais relevante e eficaz, em cumprimento de sua missão de fazer das Américas um continente democrático, livre, desenvolvido, justo, solidário e seguro.

Há poucos dias apresentei as prioridades que nortearão as atividades da Secretaria-Geral em meu segundo mandato:

1. Desenvolver um multilateralismo amplo, moderno e inclusivo, cujo principal instrumento não sejam as sanções, as exclusões e a divisões, mas o diálogo, os acordos para a resolução de problemas que possam apresentar obstáculos ao nosso objetivo democrático comum.

2. Fortalecer a governança democrática, promovendo o respeito ao Estado de Direito e às instituições, uma justiça independente e eficaz, a plena liberdade de expressão de todos os cidadãos, e a transparência e prestação de contas de todos os poderes públicos.

3. Incrementar o nosso Sistema de Direitos Humanos, promovendo o respeito e a deferência às suas decisões, a ratificação da Convenção Interamericana de Direitos Humanos por parte de todos os países, e o combate a toda forma de discriminação.

4. Buscar um equilíbrio maior entre as tarefas de construção democrática e de promoção do desenvolvimento integral, concentrando nossa ação nos mandatos das Cúpulas das Américas sobre temas relativos à pobreza e emprego digno, migração, competitividade, energia, meio ambiente e mudança climática, desenvolvimento tecnológico e educação, em coordenação com os demais organismos do Sistema Interamericano.

5. Contribuir com a segurança multidimensional dando prioridade à grave crise de segurança pública gerada pelo narcotráfico, a lavagem de dinheiro, a criminalidade organizada, o tráfico de armas e o contrabando de pessoas.

6. Dar novo impulso à temática gênero na OEA, em temas como a violência contra a mulher, a igualdade de emprego, o acesso a cargos públicos e privados de diretoria, e a pobreza da maioria das mulheres chefes do lar.

Acreditar que essas realizações são possíveis é uma demonstração não só do meu compromisso, mas também do meu otimismo quanto à trajetória de nossa região, de sua economia e de sua democracia. Tenho consciência dos desafios pendentes, mas estou convencido de que o nosso continente caminha para se estabelecer como uma das duas regiões democráticas do mundo e a confiança na democracia e na força das instituições vem aumentando, assim como de que o multilateralismo regional tem um papel crucial a desempenhar nesse âmbito.

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Ministros e Chefes de Delegação:

Permitam-me abordar, nesse momento, alguns temas de nossa agenda imediata, que certamente serão considerados por esta Assembléia.

1. Crise econômica

O crescimento contínuo de diversos anos foi bruscamente interrompido em 2009. As economias do Canadá e dos Estados Unidos reduziram seus ritmos de crescimento e assistiram ao aumento do desemprego, enquanto, segundo números da CEPAL, os países da América Latina e do Caribe sofreram, em média, uma retração econômica de 1,9% e respectivo impacto no desemprego, interrompendo a tendência favorável dos anos anteriores.

Mais importante do que os números, são os seus dramáticos efeitos: 9 milhões de pessoas passaram para uma situação de pobreza, e 5 milhões de pessoas para uma situação de pobreza extrema /.

No entanto, um efeito político que muitos temiam no ano passado parece não ter se concretizado. A última pesquisa Latinobarómetro nos mostra que, em meio à crise, a adesão à democracia dos cidadãos da região, inclusive nos países mais afetados, cresceu. Esse quadro reitera a responsabilidade dos governantes, especialmente para com aqueles que esperam que a democracia lhes proporcione um trabalho decente, uma renda justa e uma vida digna.

Na semana passada, assisti ao Quadragésimo Primeiro Período de Sessões da CEPAL e a minha sensação foi de que, indo além dos problemas existentes, prevalece um novo clima de otimismo no que se refere à superação da crise e ao retorno do crescimento que permita a redução da pobreza e da desigualdade. O título desafiador da proposta da CEPAL, “A hora da igualdade”, ilustra a ruptura radical em relação às idéias que predominavam em nossos países no passado, e que empobreceram nossas políticas públicas sem produzir crescimento. No centro dessa nova visão está o papel de um Estado, um Estado democrático mais forte, e capaz de conduzir a nossas economias ao desenvolvimento com justiça e eqüidade. Parece ser também a hora da política, entendida como construção coletiva, diálogo racional e busca de consenso.

A OEA tem muito a contribuir nesse sentido. Os Estados latino-americanos ainda estão longe de contar com os recursos e a capacidade institucional para enfrentar os grandes desafios da democracia, que se encontram na área da governança. O ideal da república democrática refletido na Carta Democrática Interamericana não apenas pressupõe a geração democrática do poder, mas também o desenvolvimento de instituições estáveis, o respeito aos direitos humanos e à liberdade de expressão, e a presença de uma autoridade cada vez mais legitimada, não apenas pela sua origem, mas pela qualidade de sua gestão. No último qüinqüênio, dedicamos nossos principais programas aos temas governança e aprimoramento da eficiência da ação do Estado. Os cidadãos da nossa região acreditam cada vez mais na democracia, porém, entendem que ela também deva traduzir-se em resultados concretos em suas vidas cotidianas, e essa exigência só tende a aumentar.

2. Honduras

Há quase um ano, um golpe de Estado, um estigma político que pensávamos superado na região, se fez presente novamente. Na madrugada do dia 28 de junho, um comando do Exército invadiu a residência do Presidente de Honduras, José Manuel Zelaya e, após o capturarem, expulsaram-no do país. Após inutilmente exigir a sua restituição, a Organização decidiu, por unanimidade dos Estados membros, suspender Honduras, qualificando a situação como golpe de Estado, em violação à Carta da OEA e à Carta Democrática Interamericana. A comunidade internacional como um todo apoiou nossa política.

Em conformidade com os mandatos da Assembléia Geral, a Secretaria implementou uma série de ações diplomáticas no intuito de restaurar a democracia e o Estado de Direito no país, inclusive o apoio à mediação empreendida pelo Presidente da Costa Rica Óscar Arias, duas visitas minhas e de chanceleres a Tegucigalpa, consultas diretas e contínuas a ambas as partes e a outros atores relevantes e, finalmente, a promoção e a facilitação do “Diálogo Guaymuras” entre representantes do Presidente Zelaya e do governante de fato, Roberto Micheletti, que culminou na assinatura do Acordo Tegucigalpa/San José em 30 de outubro.

O empenho internacional, no entanto, não resultou na restituição do Presidente Zelaya para que pudesse concluir seu mandato presidencial. Todos os poderes fáticos internos e alguns relevantes em âmbito internacional apoiaram Micheletti, o que, somado à proximidade das eleições convocadas antes do golpe para serem realizadas cinco meses depois, possibilitou que o governo de fato se mantivesse no poder até o final do período.

Atualmente, Honduras continua suspensa da Organização e seguimos trabalhando para superar essa situação. O Presidente Porfírio Lobo deu passos muito importantes no sentido de normalizar a vida democrática no país, formando um Governo amplo com representação dos diferentes setores do espectro político hondurenho, criou a Comissão da Verdade, estabelecida no Pacto San José – Guaymuras; expediu uma lei de anistia para os delitos políticos e conexos cometidos no período de crise, permitiu duas visitas da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, e demonstrou sua total disposição de dialogar com a comunidade internacional, especialmente com os governos representados nesta Organização, sobre sua plena reincorporação. Nesse sentido, em conformidade com os mandatos da Assembléia Extraordinária de 4 de julho de 2009, esta Secretaria-Geral vem mantendo um diálogo permanente com o Governo do Presidente Lobo, vimos contribuindo para seus esforços, e estivemos presentes na abertura dos trabalhos da Comissão da Verdade, presidida pelo ilustre ex-Vice-Presidente da Guatemala, Doutor Eduardo Stein.

Todos estamos de acordo sobre a conveniência do imediato retorno de Honduras à Organização. A única divergência é que alguns consideram que o retorno deva ocorrer sem demora e outros acreditam que é necessário exigir condições adicionais para que se realize. Entre essas, a situação de exílio do ex-Presidente constitucional José Manuel Zelaya, em contradição com as normas de direitos humanos e com a própria Constituição de Honduras, representa uma questão central.

Pessoalmente, afirmei que o retorno de Honduras é positivo para esse país e para a OEA, pois seria uma maneira de apoiar os esforços dos que desejam a normalização plena, sem exclusões e perseguições, e permitira uma melhor abordagem de questões ligadas aos direitos humanos e outras pendências. Entretanto, compreendo a reserva do Presidente Zelaya no que se refere ao seu retorno ao país para submeter-se ao processo de uma procuradoria e de um Tribunal de Justiça que estiveram entre os que promoveram sua saída e que o condenaram publicamente diversas vezes.

3. Os limites do multilateralismo

No entanto, indo mais além da situação de Honduras, o importante é a lição aprendida sobre os limites do multilateralismo. Nos últimos meses fomos testemunhas e protagonistas da tensão prevalecente entre a pedra angular do multilateralismo, que é a existência de princípios compartilhados coletivamente – nesse caso, os princípios democráticos – e o fundamento básico das relações internacionais, que é o princípio da soberania ou da não-ingerência em assuntos internos de outros Estados. Ambos os princípios estão claramente dispostos nos documento jurídicos fundamentais, como a Carta fundadora de nossa Organização e a Carta Democrática Interamericana, sendo hora de avançar em formas para compatibilizá-los e complementá-los.

Acima de tudo, creio que é o momento de analisar como continuar utilizando nossos instrumentos jurídicos para atuar em benefício da paz, da convivência pacífica e da democracia, mas de forma proativa, com vistas a prevenir e não a remediar. Tivemos nos últimos anos diversas experiências positivas de aplicação da nossa Carta Democrática para prevenir crises institucionais, bem como exemplos de ineficácia nas duas ocasiões (Venezuela em 2002 e Honduras em 2009) em que atuamos após a instalação da crise. Isso nos mostra que, mais importante do que modificar a Carta, o que considero perigoso e pouco prático, devemos nos concentrar em medidas para melhorar e ampliar sua aplicação. Recentemente, apresentei algumas propostas ao Conselho Permanente para que sirvam de motivação para um debate sobre esse tema importante.

4. Haiti

Entretanto, o início de 2010 não será provavelmente lembrado tanto pelos acontecimentos econômicos e políticos que acabo de comentar como pelos desastres naturais que ocorreram com uma freqüência alarmante, causando grande destruição em vários de nossos países. O terremoto do Haiti em 12 de janeiro, o do Chile em 27 de fevereiro, as inundações no Brasil e na Bolívia em março, os recentes estragos ocasionados pela tempestade Agatha na Guatemala, em El Salvador e em Honduras traçam um panorama desolador, ao qual se soma o prognóstico de uma temporada de furacões que poderia ser devastadora. O mesmo pode se dizer da catástrofe ecológica provocada pelo vazamento de óleo no Golfo do México, que ainda não foi contido apesar do grande esforço envidado pelo Governo dos Estados Unidos e de seu Presidente para enfrentar essa emergência.

Mesmo reconhecendo a natureza imprevisível desses dramas, não há dúvida de que nossa preparação para enfrentá-los, reduzir seu impacto e mitigar seus efeitos é ainda insuficiente. Em particular, a resposta internacional é ainda pouco eficaz pois, apesar da grande e crescente solidariedade, há deficiências em matéria de coordenação.

O terremoto no Haiti em 12 de janeiro é a maior tragédia humana do Hemisfério em mais de um século. Dias após o desastre, o Conselho Permanente da Organização aprovou a declaração denominada “Apoio ao povo e ao Governo do Haiti após o devastador terremoto de 12 de janeiro”, em que reitera seu compromisso “de apoiar os esforços das autoridades haitianas para manter a estabilidade política, a democracia, a boa governança e o Estado de Direito, assim como para fortalecer as instituições e promover o desenvolvimento socioeconômico”.

Nesse contexto temos participado intensamente, de maneira direta e por meio da Fundação Pan-Americana de Desenvolvimento, no grande empreendimento de emergência no Haiti, como também nos preparativos para lançar um Plano de Reconstrução que responda adequadamente à realidade criada pelos novos desafios que devem enfrentar o povo e o Governo haitianos.

Acabo de participar da Cúpula convocada pela República Dominicana, que vem prestando um apoio solidário inesquecível ao país vizinho. Informo, com satisfação, que a Comissão Internacional para a Reconstrução do Haiti, presidida em conjunto pelo Primeiro-Ministro do Haiti, Jean Max Bellerive e o ex-Presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, já começa a funcionar, e que o respectivo Fundo está constituído no Banco Mundial, sendo o Brasil o primeiro grande doador. Considerando as áreas prioritárias definidas pelas autoridades do Haiti para o Plano de Reconstrução e as colaborações em áreas específicas por parte de uma ampla gama de atores, a Comissão coordenará todas as atividades de reconstrução a fim de assegurar que sejam executadas de maneira transparente, evitando o desperdício de recursos e duplicidades. /

A OEA exercerá sua capacidade de liderança em áreas programáticas em que tenha uma vantagem comparativa graças a sua reconhecida experiência e conhecimento. Em nossa estratégia institucional reconhece-se que é de vital importância manter a estabilidade política do país, pois o povo e o Governo do Haiti devem enfrentar a recuperação e a reconstrução como desafios que exigem uma gestão transparente e eficiente, além da solidez das instituições nacionais. Com base nas consultas às autoridades do Haiti, a OEA vem buscando que sua estratégia institucional insista no fortalecimento das instituições, da capacitação e da boa governança, fundamentalmente em três áreas de especialidade definidas e que se relacionam entre si de maneira funcional: fortalecimento do processo eleitoral /; modernização e integração contínua do Registro Civil /; e modernização do sistema cadastral e da infra-estrutura relativa à propriedade da terra /.

5. Migração

Muito nos preocupam as manifestações ocorridas recentemente em países da Europa e da América contra os migrantes. A migração é um fenômeno americano por excelência. Nossas nações são produtos da fusão de suas populações originárias com sucessivas ondas de migrantes que chegaram, voluntária ou forçadamente, aos seus litorais ao longo dos séculos. Atualmente, a população da América Latina e do Caribe representa cerca de 8% da população mundial e seus migrantes constituem 16% do total de migrantes do mundo. A migração é um tema claramente hemisférico uma vez que o primeiro lugar de destino dos imigrantes é os Estados Unidos; no entanto, há também migrações internas importantes, especialmente na América do Sul. Imaginar que esses assuntos possam ser abordados separadamente não resolve o problema concreto.

Nossos países têm se preocupado especialmente com medidas como a Diretiva de Retorno da União Européia e, mais recentemente, a Lei SB 1070, do Estado do Arizona, Estados Unidos, que indicam a repressão artificial de processos que são naturais e que têm relação com as possibilidades de emprego nos diversos países e regiões do mundo. Além disso, a Lei SB 1070 apresenta um inegável viés discriminatório contra as populações latinas, migrantes e não migrantes dessa região.

A missão a que me propus no meu novo mandato é propiciar um diálogo construtivo entre os países da região que permita avançar no sentido do estabelecimento de entendimentos básicos, pautas e diretrizes para ações futuras de cooperação regional que impulsionem migrações controladas, ordenadas e seguras, e que promovam as capacidades dos migrantes como atores políticos, econômicos, culturais e científicos, fundamentais para impulsionar o processo de desenvolvimento humano e econômico nas sociedades de origem e destino.


6. Paz, segurança e cooperação nas Américas

Senhor Presidente,

Vossa Excelência nos convocou para considerar o tema “Paz, segurança e cooperação nas Américas” como motivo central desta reunião. Para tanto, reivindica um dos principais fundamentos da nossa Organização. O respeito às normas e às instituições desenvolvidas pelo Sistema Interamericano em sua já centenária história explica porque o século XX, um dos mais cruéis na história da humanidade, com duas guerras qualificadas como “mundiais”, foi o mais pacífico da história das Américas. Explica também porque essas normas e instituições geradas pelo nosso Sistema serviram de modelo para instituições desenvolvidas ao longo do século em outras regiões do mundo que também buscam formas pacíficas de superação dos problemas entre os países.

Essa é a tradição que Vossa Excelência nos convida a reiterar, e é por esse motivo que os governos da região acolheram unanimemente a proposição de buscar, nesta Assembléia Geral, as vias que permitam uma aplicação mais efetiva dessas normas e procedimentos que, até agora, vêm regulando nossa convivência pacífica.

Nesta Assembléia, os Chanceleres das Américas poderão examinar e reiterar seu compromisso com a paz, a segurança e a cooperação para fazer frente às ameaças tradicionais e às novas ameaças que afetam a região.

Poderão também reafirmar a importância de se promover um ambiente propício para o controle de armamentos, a limitação de armas convencionais, e a não-proliferação de armas de destruição em massa, e poderão declarar seu compromisso de promover a transparência na aquisição de armamentos, implementando as resoluções pertinentes da ONU e as nossas próprias resoluções sobre a matéria. Além disso, poderão ressaltar a importância de continuar avançando nos esforços bilaterais, sub-regionais e regionais orientados à cooperação em matéria de segurança e à implementação dos convênios, das declarações e dos entendimentos aprovados no que se refere a temas ligados à paz, estabilidade, confiança e segurança.

Para agir em conjunto nessas matérias, é necessário que existam mecanismos estáveis e compartilhados para acompanhar o que está sendo realizado em cada país em matéria de controle e transparência de despesas e políticas militares. A esse respeito, é importante lembrar que a transparência dos gastos militares constitui uma parte importante da agenda de desarmamento da OEA e já conta com três mecanismos principais. O primeiro deles é a Convenção Interamericana sobre Transparência nas Aquisições de Armas Convencionais ;, assinada por 20 Estados e ratificada por 13. O segundo diz respeito às Medidas de Fortalecimento da Confiança e da Segurança acordadas na Declaração de Santiago, na Declaração de San Salvador e no Consenso de Miami ;; e o terceiro, são os Livros Brancos e de Defesa Nacional ;.

Em suma, gostaríamos que, nesta Assembléia, os Estados assumissem dois compromissos principais: primeiramente, que aqueles que não assinaram ou ratificaram os acordos o façam com a brevidade possível; em segundo lugar, que todos enviem, no prazo devido, os relatórios anuais sobre aquisições à Secretaria-Geral das Nações Unidas e os relatórios sobre o cumprimento das medidas de confiança, de acordo com a lista consolidada de 2009, à Secretaria-Geral; e, em terceiro lugar, que os países que não o tenham feito formulem de maneira explícita seus objetivos e políticas de defesa, por meio do sistema de livros brancos, informando a Secretaria-Geral.

Com esses três instrumentos, registro completo das compras de armamentos, informações sobre as medidas de confiança e os livros brancos de estratégias de defesa, será mais fácil realizar o trabalho de acompanhamento que nos cabe e dar mais transparência à questão dos gastos militares, que até agora só pôde ser alcançado de maneira incompleta.

Creio que há um clima propício para progredir nesse plano, para o que contribuem alguns desdobramentos concretos dos últimos anos, relacionados abaixo que, em si, significam tanto ou mais que as medidas formais a que nos estamos referindo.

a) As Forças Armadas de 11 países membros, oito países da América do Sul e um da América Central trabalham de forma conjunta na Missão das Nações Unidas no Haiti (Minustah), também com a colaboração do Canadá e, mais recentemente, dos Estados Unidos.

b) A atuação de militares da região no programa da OEA, que já possibilitou que se proclamasse, há poucos dias, a América Central como livre de minas antipessoal é outra instância de cooperação e trabalho conjunto que permite a aproximação de nossos militares no trabalho técnico.

c) A formação do Conselho de Defesa da América do Sul e sua Declaração da América do Sul.


7. O Tratado de Tlatelolco para a Proscrição das Armas Nucleares

Nenhuma consideração de nossas políticas de desarmamento seria completa sem que nos referíssemos a um instrumento maior, que até hoje é apresentado como exemplo e alternativa a outras regiões do planeta: o Tratado de Tlatelolco para a Proscrição das Armas Nucleares na América Latina e no Caribe. Nesse documento, os países da América Latina e do Caribe se comprometem a utilizar exclusivamente para fins pacíficos o material e as instalações nucleares sujeitos a sua jurisdição e a proibir e impedir em seus respectivos territórios: os testes, o uso, a fabricação, a produção ou a aquisição de armas nucleares; a recepção, o armazenamento, a instalação, a colocação ou a posse de qualquer forma de qualquer arma nuclear, direta ou indiretamente, por si mesmos, por mandato de terceiros ou de qualquer outro modo; e a fabricação ou colaboração em qualquer dessas atividades quando exercidas por outros.

O grau de proibição disposto no Tratado e a assinatura de seus protocolos adicionais pelas potências nucleares possibilitaram que a América Latina e o Caribe sejam, efetivamente, a única zona desnuclearizada. Nunca é demais lembrar, quando se fala pela primeira vez em discutir outras zonas desnuclearizadas em regiões muito mais conflituosas do mundo. O exemplo de Tlatelolco nos mostra que esses acordos radicais de desarmamento são possíveis, especialmente no terreno das armas estratégicas, quando há vontade política para assumi-los.

Os temas desarmamento e cooperação para a paz não são, no entanto, a maior preocupação que, em matéria de segurança, têm hoje os habitantes da maior parte dos países da região. Se olharmos para pesquisas recentes, a segurança pública é vista hoje como uma das principais ameaças à estabilidade de nossos Estados, ao fortalecimento de nossa democracia e ao desenvolvimento de nossas economias. Situa-se entre os aspectos prioritários das agendas públicas de todos os nossos governos e é, sem dúvida, motivo principal de preocupação de nossos cidadãos.

8. Segurança Pública

Coerentes com a visão estabelecida pela Conferência Especial sobre Segurança, de 2003, criamos em 2005 a Secretaria de Segurança Multidimensional e modificamos em 2006 o Estatuto da Junta Interamericana de Defesa como entidade da OEA. Nossa Organização é hoje Secretaria Técnica da “Convenção Interamericana contra a Fabricação e o Tráfico Ilícito de Armas de Fogo, Munições, Explosivos e Outros Materiais Correlatos”, da “Convenção Interamericana sobre Transparência nas Aquisições de Armas Convencionais”, do “Plano de Ação Hemisférico contra a Criminalidade Organizada Transnacional”, da “Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas” e seu instrumento, o “Mecanismo de Avaliação Multilateral” e do “Comitê Interamericano Contra o Terrorismo”; e administra o “Programa de Assistência Integral contra as Minas Antipessoal”. Para aumentar e fortalecer a cooperação em segurança pública, promovemos a realização em 2008, no México, da Primeira Reunião de Ministros em Matéria de Segurança Pública das Américas, cuja segunda edição aconteceu em 2009 na República Dominicana.

Os últimos meses têm trazido consigo um aumento substantivo do alarme público a respeito da ação da criminalidade organizada e seus aspectos mais destacados, o tráfico de drogas, de pessoas e de armas. Para combater com êxito estes três tráficos, devemos dar mais destaque ao consumo. Enquanto os mercados da droga estiverem abertos nos países consumidores, não tiraremos nenhum proveito em aumentar apenas a interdição. As drogas chegarão da mesma forma e a um preço maior. Do mesmo modo, é preciso atacar frontalmente o tráfico na direção oposta: as armas e o dinheiro das drogas continuam o fluxo de norte ao sul e armando verdadeiros exércitos de criminosos que enfrentam nossos policiais e militares.

Esta Assembléia Geral considerará a adoção da nova Estratégia Hemisférica sobre Drogas, aprovada no início de maio pela Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas (CICAD). Há um ano eu solicitei à CICAD que fizesse uma revisão da antiga Estratégia e estou muito satisfeito com este resultado.

O árduo processo de desenvolver a nova Estratégia, habilmente liderado pelo Brasil, envolveu todos os Estados membros. Dentre todas as novas idéias constantes desta Estratégia, eu gostaria de destacar aqui três:

Primeiro, o respeito pelos direitos humanos na implementação das políticas sobre drogas. O problema mundial das drogas tem evoluído consideravelmente e a CICAD considerou essencial enquadrar a nova Estratégia no contexto da Declaração Universal dos Direitos Humanos, tanto no tocante a ações coercitivas e de devido processo como com relação à saúde e ao tratamento. O valioso relatório de nossa Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre Segurança Publica e Direitos Humanos é também uma importante contribuição para este plano.

Segundo, a evidência científica deve ser a base para o estabelecimento de políticas de drogas. No passado muitas decisões sobre políticas públicas de drogas eram tomadas com base em um voluntarismo bem intencionado, mais do que na evidência científica. Agora nossos Estados membros estão plenamente conscientes de que para elaborar políticas e ações eficazes sobre drogas é necessário dispor de uma base científica. E também têm consciência de que, para isto ser possível, devem estabelecer organismos capazes de gerar informações objetivas, verazes, confiáveis e comparáveis.

Terceiro, a dependência das drogas é uma doença crônica e recorrente que deve ser tratada como um tema de saúde pública. Esta afirmação terá impacto nas políticas e ações de saúde pública de nossos Estados membros e no tratamento àqueles transgressores da lei dependentes de drogas. A nova Estratégia declara que a dependência de drogas deve ser incluída nos serviços de saúde pública, com disposições para que o tratamento, a reabilitação e a inserção social sejam adequados.

Nossos países necessitam implementar controles estritos para prevenir o tráfico ilícito de drogas, bem como realizar atividades para conter as sérias ameaças à segurança que, como vimos recentemente, a criminalidade organizada impõe ao próprio Estado. Mas também nossos Estados membros devem procurar, em primeiro lugar, prevenir o abuso de substâncias por parte de seus cidadãos; e tomar ações para ajudar aqueles que dele sofrem para que possam retornar a uma vida saudável e produtiva, libertando-se de sua dependência. O que a OEA procura fazer é ressaltar a necessidade de tratar a demanda de drogas e a reabilitação juntamente com a interdição.

Senhor Presidente, a forma de avançar nestas matérias é no âmbito da cooperação e na convicção de que temos um futuro comum e solidário a compartilhar. Portanto, compete à Organização dos Estados Americanos continuar a contribuir para a superação de situações de tensão e solução da crise, bem como apoiar os esforços, acordos e mecanismos bilaterais, sub-regionais, regionais e internacionais para prevenir conflitos e solucionar pacificamente as controvérsias.

Não tenho dúvidas, Senhor Presidente, de que esses objetivos serão alcançados e que constituirão uma reafirmação confiável e incontestável da vocação de paz e anseio de segurança de nossos povos e de nossos governantes.

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Ministros e Chefes de Delegação:

Nossa obra coletiva de cooperação, solidariedade e paz é imensa e cresce ano após ano. Os acordos que os senhores desejam alcançar em matéria de redução, controle e transparência e os acordos a que chegarem para intensificar sua cooperação em todos os aspectos da segurança multidimensional, podem e devem ser seguidos por esta Organização. Ela é a sede do ordenamento jurídico hemisférico e o lugar onde se geram e se mantêm vigentes os princípios que comprometem todos os Estados de nossa região, desde os mais ricos e poderosos até os mais vulneráveis e débeis. Este é o lar da Carta Democrática Interamericana, da Convenção de Direitos Humanos, da Convenção contra a Corrupção, do tratamento comum em matéria de drogas e de muitas outras convenções, acordos e tratados que constituem a base de nossa institucionalidade hemisférica. As decisões que adotar esta Assembléia passarão a ser parte desse legado centenário, que é a razão de ser de nossa Organização.

Muito obrigado.