Discursos

JOSÉ MIGUEL INSULZA, SECRETÁRIO-GERAL DA ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS
DISCURSO DO SECRETÁRIO-GERAL DA OEA, SENHOR JOSÉ MIGUEL INSULZA, NA CERIMÔNIA DE ABERTURA DO TRIGÉSIMO NONO PERÍODO ORDINÁRIO DE SESSÕES DA ASSEMBLÉIA GERAL

junho 2, 2009 - San Pedro Sula, Honduras


Senhor Manuel Zelaya Rosales, Presidente da República de Honduras e Senhora Xiomara Castro de Zelaya. Excelentíssimo Senhor Daniel Ortega, Presidente da República da Nicarágua e Senhora Rosario Murillo de Ortega. Excelentíssimo Senhor Fernando Lugo Méndez, Presidente da República do Paraguai; Sua Excelência, Senhora Patricia Isabel Rodas Baca, Secretária de Estado do Departamento de Relações Exteriores de Honduras; Senhor Albert Ramdin, Secretário-Geral Adjunto da Organização dos Estados Americanos; Senhora Rigoberta Menchú, Prêmio Nobel da Paz. Senhores Ministros das Relações Exteriores e Chefes de Delegação. Senhores Presidentes e Diretores de Organismos Interamericanos e Internacionais. Senhores Ministros e altas autoridades do Governo de Honduras. Senhoras e Senhores Embaixadores, distintos convidados, Senhoras e Senhores.
Ao receber os Chanceleres das Américas, cumpre-me agradecer aos Senhores Presidentes da Nicarágua, Daniel Ortega, e do Paraguai, Fernando Lugo, que com sua presença enaltecem esta cerimônia.

Agradeço especialmente, em nome de todos os presentes, o Senhor Presidente de Honduras, José Manuel Zelaya, e seu governo; o povo hondurenho e as autoridades e os cidadãos de San Pedro Sula, pela afetuosa acolhida que nos ofereceram, e pelo cuidado e a eficiência que todas as equipes de trabalho mostraram na organização deste Trigésimo Nono Período Ordinário de Sessões da Assembléia Geral.

Juntamente com esse reconhecimento, gostaria de estender a Vossa Excelência, Senhor Presidente, nossas sentidas condolências pelos trágicos acontecimentos da madrugada de 28 de maio, que enlutaram seu querido país e, por conseguinte, todas as Américas. A nobreza de Vossa Excelência e de seu povo ao acolher-nos em tão difíceis circunstâncias, faz aumentar nossa gratidão.


A CRISE ECONÔMICA E SEUS EFEITOS SOCIAIS E POLÍTICOS

Há um ano, quando iniciávamos o Trigésimo Oitavo Período Ordinário de Sessões desta Assembléia Geral em Medellín, manifestei um moderado otimismo ante o momento que vivia nossa região. Estávamos em meados do sexto ano consecutivo de crescimento na América Latina e no Caribe e, em decorrência desse crescimento e das boas políticas públicas vigentes na maioria dos países, nos cinco anos anteriores a população em situação de pobreza havia sido reduzida em 27 milhões de pessoas e a pobreza extrema diminuíra em 16 milhões de pessoas.

A situação, como todos sabemos, é hoje lamentavelmente diferente.

A região é vítima de uma crise econômica de alcance mundial. Todos os nossos países estão vivenciando situações de contração econômica. Embora alguns, em virtude de um maior dinamismo econômico anterior ou da aplicação de medidas de prevenção anticíclicas, se encontrem em melhores condições, todos chegarão a ser atingidos, e é nossa obrigação prever os efeitos dessa situação e agir de acordo com essas circunstâncias.

Preocupam-nos os efeitos sociais e políticos dessa crise, perder o que se conquistou ultimamente no combate à pobreza, e o prognóstico de que mais de 12 milhões de pessoas possam vir a viver essa condição nos próximos dois anos. Num contexto de aumento dos níveis de pobreza e insegurança no trabalho, o uso sustentável da energia, o meio ambiente e o desenvolvimento em geral também se verão ameaçados.

Devemos evitar que a crise, ao afetar todos os setores sociais, provoque conflitos distributivos que repercutam nos mais frágeis e nas relações políticas e sociais internas dos países da região.

O bom funcionamento do sistema democrático pode levar a que sejam debatidos e dirimidos os conflitos e diferenças que a crise venha a provocar. A realização, de maneira regular, de eleições abertas, transparentes e competitivas nos diferentes países possibilita que canalizemos as polêmicas e as solucionemos democraticamente.

Necessita-se algo mais, porém. É necessário que se disponha de um sistema de acordos políticos e sociais amplos, que permita fortalecer a governabilidade e a viabilidade política das medidas que se precise adotar. A celebração de grandes acordos nacionais, com consenso da maioria dos atores sociais, permitirá reduzir o efeito da crise nos segmentos mais vulneráveis de nossas sociedades e evitar uma perigosa competição por culpar-nos, entre nós, daquilo que não provocamos.

Não se trata, porém, somente de acordos internos em cada país. Também devemos alcançar consensos no plano regional, que possibilitem oferecer uma resposta coordenada, integral e eficaz à crise, com o apoio de toda a comunidade internacional.

Nossos Chefes de Estado e de Governo caminharam decididamente nessa última direção na reunião de Trinidad e Tobago. Na Cúpula, o clima dominante entre os nossos líderes, sem exceção, foi de amistosa busca de consenso.

Com base nos acordos do G-20, de que participaram cinco países membros da OEA, os nossos Chefes de Estado e de Governo discutiram medidas para reduzir os efeitos da crise, celebrando importantes acordos para evitar o protecionismo, promover a competitividade, proteger as populações mais vulneráveis e enfrentar a redução da entrada de capitais para a região.

É um paradoxo que, enquanto a CEPAL nos anuncia que em 2008 o investimento estrangeiro alcançou a cifra mais alta da história na América Latina e no Caribe, com mais de 128 bilhões de dólares, 13 por cento a mais que em 2007, a região deva enfrentar, este ano, uma queda brusca dos fluxos de capital. E não é que tenhamos mudado políticas ou sejamos menos confiáveis. Trata-se simplesmente da redução generalizada que caracteriza esta crise, da qual nossos países não estão isentos.

Nossos líderes esperam que os compromissos de flexibilidade nas condições das instituições globais, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, se façam sentir em nossas economias, enfatizando, especialmente, o aumento de capital dos nossos próprios bancos de desenvolvimento, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a Corporação Andina de Fomento (CAF), o Banco Centro-Americano de Integração Econômica (BCIE) e o Caribbean Development Bank (CDB). Esperamos, conforme salienta uma resolução que será conhecida nesta Assembléia, que a decisão de aumentar o capital do BID se dê a tempo de tornar sua ação mais efetiva no Continente.

Também é indispensável evitar, como ocorreu em crises anteriores, que nossos países adotem medidas artificiais para exportar seu desemprego, em detrimento de outros. O protecionismo, a perseguição de imigrantes, a disputa pelos escassos recursos financeiros e outras medidas são contrários ao espírito de cooperação e solidariedade com que devemos enfrentar a crise.


A AGENDA HEMISFÉRICA

Senhores Presidentes, Senhoras Ministras, Senhores Ministros, Senhoras e Senhores,

Graças ao diálogo de nossos Presidentes e aos acordos celebrados na Cúpula, dispomos hoje de uma agenda comum, que devemos ser capazes de implementar.

Ela não pode ser simplesmente uma relação de temas. Embora já seja importante que estejamos de acordo com essa relação, o essencial é que também estejamos de acordo quanto ao seu conteúdo e especialmente quanto a ações comuns concretas que demonstrem aos nossos povos que o multilateralismo que praticamos contribui para solucionar os problemas.

O primeiro tema é, sem dúvida alguma, a crise econômica a que me referi. Estreitamente ligado à sua superação está um segundo tema discutido em Port of Spain: a prosperidade humana. Nos últimos anos de crescimento econômico, nossos países empenharam-se em reduzir a pobreza por meio de programas inovadores, de transferências condicionadas e apoio direto a famílias em extrema pobreza. Por esse motivo, nossos Ministros de Desenvolvimento Social, e nossos Presidentes e Chefes de Governo ratificaram uma Rede Interamericana de Cooperação para a Proteção Social que esperamos implantar antes do final do ano. Por meio dessa Rede esperamos transferir boas práticas em programas de transferências condicionadas e de microcrédito em todo o Continente.

O desenvolvimento integral de nossas sociedades continua a ocupar o centro de nossas preocupações. Continuamos na tarefa de formular e implantar, juntamente com os países membros, políticas, programas e projetos destinados ao desenvolvimento das capacidades humanas, ao fortalecimento institucional e à elaboração de políticas públicas eficazes, nas áreas da educação, emprego decente, desenvolvimento social, cultura, comércio, ciência e tecnologia, desenvolvimento sustentável e meio ambiente. Todos esses assuntos foram considerados nas Cúpulas anteriores, seus mandatos se acham em vigor, e devemos continuar a trabalhar para o seu cumprimento.

O terceiro tema é a energia, com base numa dupla constatação: que nosso Continente é generoso e diverso no campo energético e que, no entanto, não dispomos ainda de redes adequadas de cooperação e complementação, sendo que, por outro lado, nosso uso da energia é ainda muito ineficiente. Nossos líderes coincidiram, em Port of Spain, na necessidade da constituição de uma rede de cooperação que, com formas flexíveis de organização, pudesse coordenar os países na produção de energias renováveis e não renováveis bem como na transmissão e no uso eficiente das mesmas.

Ainda que compartilhemos a idéia de que este devesse ser um campo flexível e voluntário de cooperação, cremos que alguma espécie de institucionalidade é essencial para a efetivação dessa coordenação. Esperamos conhecer as primeiras propostas relacionadas a essas iniciativas na reunião que será realizada em Lima, em meados de junho.

A mudança climática, ligada ao tema anterior, é o quarto tema da agenda comum. Embora ambos os temas tenham sido considerados em grande medida de maneira conjunta, é importante lembrar que, em nossa região, a questão do uso do solo desempenha na mudança climática um papel tão importante quanto o da emissão de gases. A contaminação do ar e da água vincula-se de perto à pobreza e à ausência ou degradação da infra-estrutura sanitária. Alguma consideração específica é, por conseguinte, indispensável.

O quinto tema é o da migração. Motivo de grande debate, com sinais impróprios de alarmismo nos últimos anos, o fluxo de migrantes entre os países da América e para outras regiões é assunto de natureza claramente hemisférica, que devemos enfrentar em conjunto, porque afeta muitos dos nossos cidadãos e das nossas famílias e sociedades e, em virtude do volume das remessas que gera, o desenvolvimento de nossas economias. Se efetivamente quisermos fazer política hemisférica entre todos, este é um terreno em que devemos demonstrá-lo.

Paradoxalmente, a crise, que teve impacto negativo na dimensão da migração, possibilita que se considere o tema, agora, com menos pressão.

Os direitos dos migrantes também merecem nossa atenção especial. Por intermédio do Programa Interamericano para a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos dos Migrantes, Incluindo os Trabalhadores Migrantes e Suas Famílias, celebramos um acordo de cooperação técnica com a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento (OCDE) para a implantação de um Sistema Contínuo de Relatórios de Migração do Trabalho para as Américas, que gerará informação sobre os fluxos e tendências da migração nos países membros da nossa Organização.

O sexto tema é a segurança pública, que também fez parte da agenda de nossos líderes em Port of Spain. Há um ano, dirigi-me a esta mesma Assembléia, salientei minha preocupação com o aumento do crime organizado e do narcotráfico na região e o significado que representa não somente para o bem-estar material e o exercício dos direitos fundamentais dos nossos cidadãos, mas também para a própria estabilidade das nossas instituições. Anunciamos, há um ano, a realização de uma Reunião de Ministros em Matéria de Segurança Pública das Américas, que, graças à generosa colaboração do Governo mexicano, foi realizada com pleno êxito em outubro do ano passado na Cidade do México. Foi a primeira oportunidade para uma discussão política ampla, de alto nível, sobre esse tema em nossa região, que alcançou muito bem os seus objetivos e, até o fim do ano, teremos a segunda reunião, na República Dominicana, e que será precedida por um encontro de peritos de alto nível, no Uruguai.

Há poucas semanas, a Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas (CICAD) realizou sua reunião anual, no decorrer da qual se coincidiu na necessidade de, sem deixar de lado as políticas de interdição que nossos países executam com altos custos humanos e materiais, é indispensável atender também, de maneira preferencial, à redução da demanda. Os esforços que envidamos na interdição poderão melhorar as condições de ordem pública em alguns países; a droga continuará, no entanto, a fluir, a menos que sejamos capazes de reduzir a demanda, especialmente nos centros abastados de maior consumo.

Sentimo-nos especialmente estimulados pelo compromisso que a grande maioria dos países da região assumiu com a Convenção Interamericana Contra a Fabricação e o Tráfico Ilícitos de Armas de Fogo, Munições, Explosivos e Outros Materiais Correlatos (CIFTA), ratificada já por trinta países membros e cujo envio ao Congresso para ratificação o Presidente Obama anunciou na Quinta Cúpula das Américas.

A recusa da violência como forma de relação entre os seres humanos e, em especial, como caminho para solucionar diferenças é uma aspiração especialmente relevante no nosso Continente.

Por esse motivo, Senhor Presidente Zelaya, os governos da região acolheram por unanimidade sua proposta de desenvolver uma cultura de paz e não-violência que expresse valores, atitudes e condutas baseadas no respeito à vida e à dignidade do ser humano. Uma cultura de paz e não-violência que coloque em primeiro plano os direitos humanos e a adesão aos princípios de liberdade, justiça, democracia, solidariedade, tolerância e respeito à diversidade que caracterizam nossos povos e que deve ser promovida mediante a educação, o diálogo e a cooperação.

Graças a sua feliz iniciativa, os Chanceleres das Américas assumirão neste Trigésimo Nono Período Ordinário de Sessões da Assembléia Geral o compromisso de incentivar, no âmbito do Estado de Direito, uma cultura de paz e não-violência em nossa região. Fazem parte desse compromisso o reconhecimento da necessidade de que todos os setores da sociedade participem da promoção dessas formas de conduta bem como a decisão de adotar as medidas necessárias para prevenir, impedir e punir a violência, a segregação, a exploração e a discriminação exercida contra grupos e pessoas em situação de vulnerabilidade.

Não tenho dúvida, Senhor Presidente, de que essa reunião e esse compromisso significarão um passo decisivo nos esforços hemisféricos por combater as diferentes manifestações de violência que hoje nos prejudicam, restabelecendo as condições que asseguram o pleno respeito e a promoção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais em nossa região.

Todas as tarefas que essa agenda impõe implicam a formulação de políticas públicas eficientes, para as quais muitos dos nossos Estados, após anos de desmantelamento de suas capacidades, nem sempre estão preparados.

O sétimo e último tema de nossa agenda comum tem a ver, por conseguinte, com a governabilidade democrática.

A política democrática enfrenta hoje um desafio importante. A prova de fogo já não reside na capacidade de realizar eleições livres nem de manter a estabilidade dos governos. Reside antes em demonstrar que os governos democráticos estão capacitados para solucionar os problemas de pobreza, de exclusão, de qualidade ambiental e de segurança pública que afetam as maiorias. A prova da democracia está em demonstrar que pode melhorar a qualidade de vida dos seus cidadãos; que a democracia também é boa porque governa melhor.

Por esse motivo empenhamo-nos em realizar um conjunto de programas para a governabilidade, cujo objetivo é enfrentar os problemas de transparência e corrupção, melhorar o acesso à justiça, modernizar os serviços públicos, apoiar a descentralização, aumentar a competitividade e promover a responsabilidade social empresarial e as parcerias público-privadas, ampliar a igualdade de gênero e a defesa das minorias.

Enche-nos de satisfação também o Programa de Universalização da Identidade Civil nas Américas, implantando inicialmente no Paraguai e, hoje, muito forte no Haiti, onde já se registraram mais de quatro milhões de cidadãos. Queremos levar esse programa a todos os países das Américas que o solicitem, assim como políticas destinadas à juventude, como problemas de idosos, e a defesa dos consumidores.

Podemos continuar a nos sentir orgulhosos da nossa democracia. Todos os mandatários que participaram da Quinta Cúpula das Américas foram eleitos democraticamente. Ao longo dos últimos anos, apesar de alguns dos nossos governos terem tido de enfrentar graves situações de tensão política, a região vem-se mantendo estável e a democracia, inalterada.

Não pretendo sugerir que essa nova estabilidade tenha sido obra dessa Organização, mas, sim, orgulho-me em dizer que, nesse período histórico, a OEA desempenhou um papel positivo na consolidação da nossa democracia.

Somos, juntamente com a Europa, os dois continentes democráticos, do início do século XXI. Com diferenças de matizes, com muitas dissensões, e superando as discrepâncias entre nossos governos, há um acordo básico em todos os países acerca de um conjunto de aspectos em que se expressam atualmente os princípios básicos da democracia e da governabilidade. Esses aspectos e pontos estão consagrados em nossa Carta Democrática Interamericana.

No ano decorrido desde a Assembléia Geral anterior, enviamos Missões de Observação Eleitoral ao Paraguai, República Dominicana, Grenada, Bolívia, Antígua e Barbuda, Equador, Honduras, Haiti, El Salvador e Panamá, com a participação de centenas de observadores e especialistas em questões eleitorais. Trabalhamos também intensamente no fortalecimento dos sistemas eleitorais dos países que nos solicitaram.

Mantivemos nossas missões especiais no Haiti e na Colômbia. Sobre o Haiti, apresentaremos um relatório especial no tema pertinente desta Assembléia, em cumprimento ao mandato da Quinta Cúpula de Chefes de Estado. Quanto à Colômbia, a Missão de Apoio ao Processo de Paz prosseguiu suas atividades de verificação em matéria de desarmamento, reinserção, verdade e justiça, assim como apoio aos deslocados, e continuamos disponíveis para cooperar no processo de paz quando se estenda ele às demais forças irregulares.

Desde o início de 2008, a Organização participa de maneira efetiva, na qualidade de observadora, do processo político na Bolívia, a convite do seu Governo. Apoiamos de maneira coerente a sua unidade nacional, o diálogo político, os esforços por promulgar uma nova Constituição e todos os processos eleitorais do país. Foi por esse motivo que compareci, com muito orgulho, à cerimônia de assinatura da Constituição no começo de fevereiro passado. E é também por esse motivo que apoiamos agora a elaboração de um novo cadastro eleitoral, compromisso que abriu caminho para a última etapa do processo institucional, as eleições gerais do final deste ano.

No tocante à relação entre a Colômbia e o Equador, realizamos múltiplas missões em ambos os países com o objetivo de buscar fórmulas e canais que levassem à normalização e ao desenvolvimento das relações entre eles. Lamentavelmente, nossas gestões ainda não tiveram êxito, na medida em que persiste o rompimento de relações e o desacordo nos pontos fundamentais que as partes exigem para a normalização. Há poucas semanas entregamos o relatório da nossa Comissão de Peritos que visitou a fronteira de ambos os países e aguardamos os comentários dos governos para podermos torná-lo público.

Após muitos anos de mediação e acompanhamento do processo de negociação da longa disputa territorial entre Belize e a Guatemala, foi obtido um acordo, assinado entre os dois países na sede da nossa Organização, que dispõe que ambas as partes submetam a plebiscito, simultâneo nos dois países, o encaminhamento da controvérsia à decisão da Corte Internacional de Justiça. Continuaremos a prestar assistência a esses dois países e a manter nossa missão na Zona de Adjacência, para evitar incidentes que possam alterar o processo que foi iniciado.

Esperamos, finalmente, obter nesta Assembléia um mandato claro de apoio especial à Guatemala, que enfrenta grandes desafios em seus sistemas de justiça e ordem pública, que podem constituir uma ameaça ao regime democrático, apoiado pelo Conselho Permanente da OEA, e cujo governo solicitou nossa participação, à luz do artigo 17 da Carta Democrática Interamericana.

Senhores Presidentes, Senhoras e Senhores Chanceleres,

Constam da agenda desta Assembléia, como já é habitual, temas de grande relevância para a evolução da nossa Organização. A crescente violência na região, os mandatos da recente Cúpula das Américas, o exame da nossa ação comum no Haiti, as críticas recentes à atuação dos organismos de direitos humanos e a questão de Cuba são, todos eles, assuntos de especial importância que foram agendados para essa reunião.

São também assuntos que revelam a vigência permanente da nossa Organização e do Sistema Interamericano. Já disse antes: há em nosso Continente um amplo espaço para uma agenda interamericana, há assuntos que têm a ver com todo o Continente, e esses são os assuntos considerados na OEA. Assim o entendem as organizações da sociedade civil, dos jovens, do setor privado, dos trabalhadores, que participam em número cada vez maior de nossas atividades, bem como os meios de comunicação, que cada vez mais divulgam nosso trabalho e nossos debates.

Procurei nesses quatro anos como Secretário-Geral da OEA que ela se ocupe de temas relevantes e que todos os países membros da América participem e se sintam donos da Organização. Aqui já não há assuntos que não possam ser debatidos e não há membros mais importantes que outros.

Isso não é fácil de alcançar, porque somos diferentes e porque a região viveu esses anos em permanente e acelerada mudança. Compartilhamos, porém, valores cuja vigência conquistamos com grande sacrifício e dificuldade, o que nos obriga a sempre buscar os consensos para avançarmos juntos.

Sobre a questão de Cuba, não creio que deva neste momento formular comentários adicionais. A minha posição é conhecida e os Chanceleres, autoridades máximas desta Organização, emitirão sua opinião nas próximas horas. Essa questão implica os principais valores em que se apóia nosso Sistema: a inclusão que proclama nossa Carta de fundação e a democracia que consagramos na Carta Democrática Interamericana. Não tenhamos então problema em discutir esse tema; mas, lembrando precisamente esse passado, coloquemos adiante a disposição de alcançar consensos. Queremos progredir e deixar para trás um passado que para muitos não é positivo; mas não ao preço de cair de novo em dissensão. Nos últimos anos funcionamos sempre melhor e mais harmoniosamente com essa regra de consenso, e espero que não nos distanciemos dela desta vez.

Nossa Organização completou no ano passado 60 anos de vida, assim como nosso Sistema de Direitos Humanos; o Sistema Interamericano completará 120 no próximo ano (e o nosso edifício em Washington completará, em abril, 100 anos da sua inauguração). Somos a organização internacional política mais antiga do mundo, símbolo vivo do desejo dos americanos de caminhar sempre juntos. Nem sempre nos orgulhamos de nossa história, mas procuramos transformar-nos e creio que, especialmente nas últimas duas décadas, juntamente com o retorno da democracia ao centro e ao sul do nosso Continente, o estamos conseguindo.

Temos ainda muitas deficiências, mas também são grandes nossas virtudes.

Ninguém goza de maior respeitabilidade em matéria de observação e cooperação eleitoral que a OEA. Observamos, nos últimos anos, quase cinqüenta processos de votação. E, como o Continente encontra-se em grande transformação política e institucional, fomos seis vezes a alguns países.

Não há outro sistema hemisférico de direitos humanos com a autonomia e a credibilidade da nossa Comissão e da nossa Corte de Direitos Humanos; que assim o entendam os milhares de latino-americanos que, nos tempos de ditadura a ele recorreram como último recurso para proteger suas vidas e seus direitos, e os que continuam a ele recorrer ano após ano. Entendo que muitas vezes a ação da nossa Comissão e da nossa Corte seja recebida com descontentamento pelos países. Eu mesmo, muitas vezes, penso não estar de acordo com alguma decisão sobre a qual nunca me intero antes que a Comissão a emita. Julgo também que podemos melhorar muito nossos procedimentos. Mas não há substituto para um sistema como esse de que dispomos, com o grau de autonomia indispensável para agir. Tomara possamos todos colaborar para o fortalecimento desse sistema e para fazer com que vigore para todos.

Quando há conflitos entre eles, os países membros recorrem à OEA, especialmente quando esses conflitos implicam temas substanciais do direito americano, que é um dos grandes patrimônios da Organização. Há um ano e três meses, surgiu um lamentável conflito entre dois Estados membros. Uma reunião de Presidentes do Grupo do Rio abriu o caminho para uma solução; pois bem, todos os argumentos jurídicos invocadas pelo Grupo do Rio em sua resolução foram retirados da Carta da Organização dos Estados Americanos; e uma Reunião de Consulta dos Chanceleres da OEA conferiu-lhes posteriormente o caráter jurídico indispensável. Não há antagonismo entre os demais organismos e grupos regionais e a OEA; ao contrário, antes completamo-nos, quando cada um cumpre suas funções.

Poderia citar outras áreas, como a coordenação no combate ao narcotráfico, o acompanhamento da Convenção contra a Corrupção ou da Convenção para Punir a Violência Contra a Mulher; ou a ação de instituições como o Instituto Interamericano da Criança e do Adolescente, a CIM, o nosso sistema de bolsas de estudo; ou a Secretaria da Convenção sobre Pessoas Portadoras de Deficiência, que instalamos recentemente no Panamá. Desnecessário dizer mais.

O tema é claro, porém: quando ouço vozes que conclamam a que se ponha fim à OEA, pergunto-me quantas décadas são necessárias para construir algo semelhante e quem faria o trabalho que realizamos. Quando se fala de “burocracia imperial”, não posso senão pensar em nossos funcionários, especialmente aqueles que cumprem funções abnegadas na Missão de Paz da Colômbia, no Haiti ou na Zona de Adjacência Guatemala-Belize ou os muitos que se deslocam para pontos remotos de nossos países em missões eleitorais; ou nos eminentes cidadãos que sacrificam tempo e ganhos, trabalhando em nossa Comissão, nossa Corte ou nossa Comissão Jurídica.

Preocupa-me, finalmente, que essas vozes surjam quando se abre diante de nós a possibilidade de um fortalecimento de nosso Sistema Interamericano de que há muito não usufruímos. A Cúpula das Américas trouxe um novo clima de diálogo à região. Temos líderes democráticos em todos os países da América. Os Estados Unidos têm um Presidente que goza de uma popularidade e credibilidade quase sem precedentes em todo o Continente. Dividimos, como nunca antes, uma agenda comum. Oferecemos uma oportunidade para que tudo isso frutifique e para que não nos apressemos a dividir-nos por divergências ou preconceitos.

A OEA mudou muito nesses anos; mas pode mudar e melhorar muito mais. Alberto Lleras Camargo, seu fundador, declarou que a OEA não será senão aquilo que os Estados membros queiram que seja. Não há uma OEA isolada do seu Conselho e da sua Assembléia. Vossas Excelências são a OEA.

Muito obrigado.