CARTA DEMOCRÁTICA INTERAMERICANA

 

(Aprovada na primeira sessão plenária, realizada em
11 de setembro de 2001)

 

 

            A ASSEMBLÉIA GERAL,

 

            CONSIDERANDO que a Carta da Organização dos Estados Americanos reconhece que a democracia representativa é indispensável para a estabilidade, a paz e o desenvolvimento da região, e que um dos propósitos da OEA é promover e consolidar a democracia representativa, respeitado o princípio da não-intervenção;

 

            RECONHECENDO as contribuições da OEA e de outros mecanismos regionais e sub-regionais para a promoção e consolidação da democracia nas Américas;

 

            RECORDANDO que os Chefes de Estado e de Governo das Américas, reunidos na Terceira Cúpula das Américas, realizada de 20 a 22 de abril de 2001 na Cidade de Québec, adotaram uma cláusula democrática que estabelece que qualquer alteração ou ruptura inconstitucional da ordem democrática em um Estado do Hemisfério constitui um obstáculo insuperável à participação do Governo do referido Estado no processo de Cúpulas das Américas;

 

            LEVANDO EM CONTA que as cláusulas democráticas existentes nos mecanismos regionais e sub-regionais expressam os mesmos objetivos que a cláusula democrática adotada pelos Chefes de Estado e de Governo na Cidade de Québec;

 

            REAFIRMANDO que o caráter participativo da democracia em nossos países nos diferentes âmbitos da atividade pública contribui para a consolidação dos valores democráticos e para a liberdade e a solidariedade no Hemisfério;

 

            CONSIDERANDO que a solidariedade e a cooperação dos Estados americanos requerem a sua organização política com base no exercício efetivo da democracia representativa e que o crescimento econômico e o desenvolvimento social baseados na justiça e na eqüidade e a democracia são interdependentes e se reforçam mutuamente;

 

            REAFIRMANDO que a luta contra a pobreza, especialmente a eliminação da pobreza crítica, é essencial para a promoção e consolidação da democracia e constitui uma responsabilidade comum e compartilhada dos Estados americanos;

 

            TENDO PRESENTE que a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos contêm os valores e princípios de liberdade, igualdade e justiça social que são intrínsecos à democracia;

 

            REAFIRMANDO que a promoção e proteção dos direitos humanos é condição fundamental para a existência de uma sociedade democrática e reconhecendo a importância que tem o contínuo desenvolvimento e fortalecimento do sistema interamericano de direitos humanos para a consolidação da democracia;

 

            CONSIDERANDO que a educação é um meio eficaz para fomentar a consciência dos cidadãos com respeito a seus próprios países e, desta forma, lograr uma participação significativa no processo de tomada de decisões, e reafirmando a importância do desenvolvimento dos recursos humanos para se alcançar um sistema democrático sólido;

 

            RECONHECENDO que um meio ambiente saudável é indispensável para o desenvolvimento integral do ser humano, o que contribui para a democracia e a estabilidade política;

 

            TENDO PRESENTE que o Protocolo de San Salvador em matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais ressalta a importância de que tais direitos sejam reafirmados, desenvolvidos, aperfeiçoados e protegidos para consolidar o sistema democrático representativo de governo;

 

            RECONHECENDO que o direito dos trabalhadores de se associarem livremente para a defesa e promoção de seus interesses é fundamental para a plena realização dos ideais democráticos;

 

            LEVANDO EM CONTA que, no Compromisso de Santiago com a Democracia e a Renovação do Sistema Interamericano, os Ministros das Relações Exteriores expressaram sua determinação de adotar um conjunto de procedimentos eficazes, oportunos e expeditos para assegurar a promoção e defesa da democracia representativa, respeitado o princípio da não-intervenção, e que a resolução AG/RES. 1080 (XXI-O/91) estabeleceu, conseqüentemente, um mecanismo de ação coletiva para o caso em que ocorresse uma interrupção abrupta ou irregular do processo político institucional democrático ou do legítimo exercício do poder por um governo democraticamente eleito em qualquer dos Estados membros da Organização, materializando, assim, uma antiga aspiração do Continente de responder rápida e coletivamente em defesa da democracia;

 

            RECORDANDO que, na Declaração de Nassau [AG/DEC. 1 (XXII-O/92)], acordou-se desenvolver mecanismos a fim de proporcionar a assistência que os Estados membros solicitem para promover, preservar e fortalecer a democracia representativa, de maneira a complementar e cumprir o previsto na resolução AG/RES. 1080 (XXI-O/91);

 

            TENDO PRESENTE que, na Declaração de Manágua para a Promoção da Democracia e do Desenvolvimento [AG/DEC. 4 (XXIII-O/93)], os Estados membros expressaram seu convencimento de que a democracia, a paz e o desenvolvimento são partes inseparáveis e indivisíveis de uma visão renovada e integral da solidariedade americana e de que, da implementação de uma estratégia inspirada na interdependência e na complementaridade desses valores, dependerá a capacidade da OEA de contribuir para preservar e fortalecer as estruturas democráticas no Hemisfério;

 

            CONSIDERANDO que, na Declaração de Manágua para a Promoção da Democracia e do Desenvolvimento, os Estados membros expressaram sua convicção de que a missão da Organização não se limita à defesa da democracia nos casos de rompimento de seus valores e princípios fundamentais, mas também exige um trabalho permanente e criativo destinado a consolidá-la, bem como um esforço permanente para prevenir e antecipar as próprias causas dos problemas que afetam o sistema democrático de governo;

 

            TENDO PRESENTE que os Ministros das Relações Exteriores das Américas, por ocasião do Trigésimo Primeiro Período Ordinário de Sessões da Assembléia Geral em São José, Costa Rica, dando cumprimento à expressa instrução dos Chefes de Estado e Governo reunidos na Terceira Cúpula das Américas, realizada na Cidade de Québec, aceitaram o documento de base da Carta Democrática Interamericana e encarregaram o Conselho Permanente de fortalecê-la e ampliá-la, em conformidade com a Carta da OEA, para sua aprovação definitiva em um período extraordinário de sessões da Assembléia Geral em Lima, Peru;

 

            RECONHECENDO que todos os direitos e obrigações dos Estados membros nos termos da Carta da OEA representam o fundamento sobre o qual estão constituídos os princípios democráticos do Hemisfério; e

 

            LEVANDO EM CONTA o desenvolvimento progressivo do Direito Internacional e a conveniência de precisar as disposições contidas na Carta da Organização dos Estados Americanos e em instrumentos básicos concordantes, relativas à preservação e defesa das instituições democráticas, em conformidade com a prática estabelecida,

 

RESOLVE:

 

            Aprovar a seguinte

 

CARTA DEMOCRÁTICA INTERAMERICANA

 

I

A democracia e o sistema interamericano

 

Artigo 1

 

            Os povos da América têm direito à democracia e seus governos têm a obrigação de promovê-la e defendê-la.

 

            A democracia é essencial para o desenvolvimento social, político e econômico dos povos das Américas.

 

Artigo 2

 

            O exercício efetivo da democracia representativa é a base do Estado de Direito e dos regimes constitucionais dos Estados membros da Organização dos Estados Americanos.  A democracia representativa reforça-se e aprofunda-se com a participação permanente, ética e responsável dos cidadãos em um marco de legalidade, em conformidade com a respectiva ordem constitucional.

 

Artigo 3

 

            São elementos essenciais da democracia representativa, entre outros, o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais, o acesso ao poder e seu exercício com sujeição ao Estado de Direito, a celebração de eleições periódicas, livres, justas e baseadas no sufrágio universal e secreto como expressão da soberania do povo, o regime pluralista de partidos e organizações políticas, e a separação e independência dos poderes públicos.

 

Artigo 4

 

            São componentes fundamentais do exercício da democracia a transparência das atividades governamentais, a probidade, a responsabilidade dos governos na gestão pública, o respeito dos direitos sociais e a liberdade de expressão e de imprensa.

 

            A subordinação constitucional de todas as instituições do Estado à autoridade civil legalmente constituída e o respeito ao Estado de Direito por todas as instituições e setores da sociedade são igualmente fundamentais para a democracia.

 

Artigo 5

 

            O fortalecimento dos partidos e de outras organizações políticas é prioritário para a democracia.  Dispensar-se-á atenção especial à problemática derivada dos altos custos das campanhas eleitorais e ao estabelecimento de um regime equilibrado e transparente de financiamento de suas atividades.

 

Artigo 6

 

            A participação dos cidadãos nas decisões relativas a seu próprio desenvolvimento é um direito e uma responsabilidade.  É também uma condição necessária para o exercício pleno e efetivo da democracia.  Promover e fomentar diversas formas de participação fortalece a democracia.

 

 

II

A democracia e os direitos humanos

 

Artigo 7

 

            A democracia é indispensável para o exercício efetivo das liberdades fundamentais e dos direitos humanos, em seu caráter universal, indivisível e interdependente, consagrados nas respectivas constituições dos Estados e nos instrumentos interamericanos e internacionais de direitos humanos.

 

Artigo 8

 

            Qualquer pessoa ou grupo de pessoas que considere que seus direitos humanos tenham sido violados pode interpor denúncias ou petições perante o sistema interamericano de promoção e proteção dos direitos humanos, conforme os procedimentos nele estabelecidos.

 

            Os Estados membros reafirmam sua intenção de fortalecer o sistema interamericano de proteção dos direitos humanos, para a consolidação da democracia no Hemisfério.

 

Artigo 9

 

            A eliminação de toda forma de discriminação, especialmente a discriminação de gênero, étnica e racial, e das diversas formas de intolerância, bem como a promoção e proteção dos direitos humanos dos povos indígenas e dos migrantes, e o respeito à diversidade étnica, cultural e religiosa nas Américas contribuem para o fortalecimento da democracia e a participação do cidadão.

 

Artigo 10

 

            A promoção e o fortalecimento da democracia requerem o exercício pleno e eficaz dos direitos dos trabalhadores e a aplicação de normas trabalhistas básicas, tal como estão consagradas na Declaração da Organização Internacional do Trabalho (OIT) relativa aos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho e seu Acompanhamento, adotada em 1998, bem como em outras convenções básicas afins da OIT.  A democracia fortalece-se com a melhoria das condições de trabalho e da qualidade de vida dos trabalhadores do Hemisfério.

 

 

III

Democracia, desenvolvimento integral e combate à pobreza

 

Artigo 11

 

            A democracia e o desenvolvimento econômico e social são interdependentes e reforçam-se mutuamente.

 

Artigo 12

 

            A pobreza, o analfabetismo e os baixos níveis de desenvolvimento humano são fatores que incidem negativamente na consolidação da democracia.  Os Estados membros da OEA se comprometem a adotar e executar todas as ações necessárias para a criação de emprego produtivo, a redução da pobreza e a erradicação da pobreza extrema, levando em conta as diferentes realidades e condições econômicas dos países do Hemisfério.  Este compromisso comum frente aos problemas do desenvolvimento e da pobreza também ressalta a importância de manter os equilíbrios macroeconômicos e o imperativo de fortalecer a coesão social e a democracia.

 

Artigo 13

 

            A promoção e observância dos direitos econômicos, sociais e culturais são inerentes ao desenvolvimento integral, ao crescimento econômico com eqüidade e à consolidação da democracia dos Estados do Hemisfério.

 

Artigo 14

 

            Os Estados acordam examinar periodicamente as ações adotadas e executadas pela Organização destinadas a fomentar o diálogo, a cooperação para o desenvolvimento integral e o combate à pobreza no Hemisfério, e tomar as medidas oportunas para promover esses objetivos.

 

Artigo 15

 

            O exercício da democracia facilita a preservação e o manejo adequado do meio ambiente.  É essencial que os Estados do Hemisfério implementem políticas e estratégias de proteção do meio ambiente, respeitando os diversos tratados e convenções, para alcançar um desenvolvimento sustentável em benefício das futuras gerações.

 

Artigo 16

 

            A educação é chave para fortalecer as instituições democráticas, promover o desenvolvimento do potencial humano e o alívio da pobreza, e fomentar um maior entendimento entre os povos.  Para alcançar essas metas, é essencial que uma educação de qualidade esteja ao alcance de todos, incluindo as meninas e as mulheres, os habitantes das zonas rurais e as minorias.

 

 

IV

Fortalecimento e preservação da institucionalidade democrática

 

Artigo 17

 

            Quando o governo de um Estado membro considerar que seu processo político institucional democrático ou seu legítimo exercício do poder está em risco poderá recorrer ao Secretário-Geral ou ao Conselho Permanente, a fim de solicitar assistência para o fortalecimento e preservação da institucionalidade democrática.

 

Artigo 18

 

            Quando, em um Estado membro, ocorrerem situações que possam afetar o desenvolvimento do processo político institucional democrático ou o legítimo exercício do poder, o Secretário-Geral ou o Conselho Permanente poderão, com o consentimento prévio do governo afetado, determinar visitas e outras gestões com a finalidade de fazer uma análise da situação.  O Secretário-Geral encaminhará um relatório ao Conselho Permanente, o qual realizará uma avaliação coletiva da situação e, caso seja necessário, poderá adotar decisões destinadas à preservação da institucionalidade democrática e seu fortalecimento.

 

Artigo 19

 

            Com base nos princípios da Carta da OEA, e sujeito às suas normas, e em concordância com a cláusula democrática contida na Declaração da Cidade de Québec, a ruptura da ordem democrática ou uma alteração da ordem constitucional que afete gravemente a ordem democrática num Estado membro constitui, enquanto persista, um obstáculo insuperável à participação de seu governo nas sessões da Assembléia Geral, da Reunião de Consulta, dos Conselhos da Organização e das conferências especializadas, das comissões, grupos de trabalho e demais órgãos estabelecidos na OEA.

 

Artigo 20

 

            Caso num Estado membro ocorra uma alteração da ordem constitucional que afete gravemente sua ordem democrática, qualquer Estado membro ou o Secretário-Geral poderá solicitar a convocação imediata do Conselho Permanente para realizar uma avaliação coletiva da situação e adotar as decisões que julgar convenientes.

 

            O Conselho Permanente, segundo a situação, poderá determinar a realização das gestões diplomáticas necessárias, incluindo os bons ofícios, para promover a normalização da institucionalidade democrática.

 

            Se as gestões diplomáticas se revelarem infrutíferas ou a urgência da situação aconselhar, o Conselho Permanente convocará imediatamente um período extraordinário de sessões da Assembléia Geral para que esta adote as decisões que julgar apropriadas, incluindo gestões diplomáticas, em conformidade com a Carta da Organização, o Direito Internacional e as disposições desta Carta Democrática.

 

            No processo, serão realizadas as gestões diplomáticas necessárias, incluindo os bons ofícios, para promover a normalização da institucionalidade democrática.

 

Artigo 21

 

            Quando a Assembléia Geral, convocada para um período extraordinário de sessões, constatar que ocorreu a ruptura da ordem democrática num Estado membro e que as gestões diplomáticas tenham sido infrutíferas, em conformidade com a Carta da OEA tomará a decisão de suspender o referido Estado membro do exercício de seu direito de participação na OEA mediante o voto afirmativo de dois terços dos Estados membros.  A suspensão entrará em vigor imediatamente.

 

            O Estado membro que tiver sido objeto de suspensão deverá continuar observando o cumprimento de suas obrigações como membro da Organização, em particular em matéria de direitos humanos.

 

            Adotada a decisão de suspender um governo, a Organização manterá suas gestões diplomáticas para o restabelecimento da democracia no Estado membro afetado.

 

Artigo 22

 

            Uma vez superada a decisão que motivou a suspensão, qualquer Estado membro ou o Secretário-Geral poderá propor à Assembléia Geral o levantamento da suspensão.  Esta decisão será adotada pelo voto de dois terços dos Estados membros, de acordo com a Carta da OEA.

 

 

V

A democracia e as missões de observação eleitoral

 

 

Artigo 23

 

            Os Estados membros são os responsáveis pela organização, realização e garantia de processos eleitorais livres e justos.

 

            Os Estados membros, no exercício de sua soberania, poderão solicitar à OEA assessoria ou assistência para o fortalecimento e o desenvolvimento de suas instituições e seus processos eleitorais, inclusive o envio de missões preliminares com esse propósito.

 

Artigo 24

 

            As missões de observação eleitoral serão levadas a cabo a pedido do Estado membro interessado.  Com essa finalidade, o governo do referido Estado e o Secretário-Geral celebrarão um convênio que determine o alcance e a cobertura da missão de observação eleitoral de que se tratar.  O Estado membro deverá garantir as condições de segurança, livre acesso à informação e ampla cooperação com a missão de observação eleitoral.

 

            As missões de observação eleitoral realizar-se-ão em conformidade com os princípios e normas da OEA.  A Organização deverá assegurar a eficácia e independência dessas missões, para o que as dotará dos recursos necessários.  Elas serão realizadas de forma objetiva, imparcial e transparente, e com a devida capacidade técnica.

 

            As missões de observação eleitoral apresentarão oportunamente ao Conselho Permanente, por meio da Secretaria-Geral, os relatórios sobre suas atividades.

 

Artigo 25

 

            As missões de observação eleitoral deverão informar o Conselho Permanente, por meio da Secretaria-Geral, caso não existam as condições necessárias para a realização de eleições livres e justas.

 

            A OEA poderá enviar, com o acordo do Estado interessado, missões especiais a fim de contribuir para criar ou melhorar as referidas condições.

 

VI

Promoção da cultura democrática

 

Artigo 26

 

            A OEA continuará desenvolvendo programas e atividades dirigidos à promoção dos princípios e práticas democráticos e ao fortalecimento da cultura democrática no Hemisfério, considerando que a democracia é um sistema de vida fundado na liberdade e na melhoria econômica, social e cultural dos povos.  A OEA manterá consultas e cooperação contínua com os Estados membros, levando em conta as contribuições de organizações da sociedade civil que trabalhem nesses campos.

 

Artigo 27

 

            Os programas e as atividades terão por objetivo promover a governabilidade, a boa gestão, os valores democráticos e o fortalecimento das instituições políticas e das organizações da sociedade civil. Dispensar-se-á atenção especial ao desenvolvimento de programas e atividades orientados para a educação da infância e da juventude como meio de assegurar a continuidade dos valores democráticos, inclusive a liberdade e a justiça social.

 

Artigo 28

 

 

AGE00011P03

 
            Os Estados promoverão a participação plena e igualitária da mulher nas estruturas políticas de seus respectivos países, como elemento fundamental para a promoção e o exercício da cultura democrática.