CONSELHO PERMANENTE DA                                                                   ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS                                  

OEA/Ser.G
GT/CDI-2/01 add 7

6 agosto 2001

Original:espanhol

            Grupo de Trabalho Encarregado de estudar o    

                                              Projeto de Carta Democrática Interamericana

  

COMENTÁRIOS E PROPOSTAS DOS ESTADOS MEMBROS

AO PROJETO DE CARTA DEMOCRÁTICA INTERAMERICANA

 

Equador

 

PROPOSTA DA MISSÃO DO EQUADOR SOBRE

A CARTA DEMOCRÁTICA INTERAMERICANA

 

(Discurso, editado e corrigido, do Embaixador Blasco M. Peñaherrera

na sessão ordinária do Conselho Permanente realizada em 11 de julho de 2001)

 

            Senhor Presidente:

 

            Começo expressando a total concordância da Missão que presido com a exposição do ilustre Embaixador Diego Abente, em nome do grupo ALADI, na qual se refere ao procedimento a ser seguido, à maneira como vamos enfrentar a análise deste tema, ao cronograma aprovado, etc.  Gostaria, de forma exclusiva, de deixar consignado o nosso ponto de vista sobre o assunto que consideramos de substancial importância sobre a matéria.  Refiro-me ao tema da natureza da Carta Democrática, da hierarquia do documento, da categoria do documento que estamos discutindo e que vamos aprovar.  Consideramos que se trata de um tema fundamental porque, se fizermos uma resenha dos antecedentes e dispensarmos atenção às circunstâncias atuais, teremos de estar de acordo em que podemos correr o risco de efetuar ou produzir o que coloquialmente chamamos de “parto dos montes.”

 

            Quanto aos antecedentes, cumpre recordar que a Carta da OEA de 1948 define claramente a Organização como uma entidade constituída por países cujo sistema de governo é a democracia representativa e afirma que a democracia representativa é o sistema que deve imperar no Hemisfério.  Entretanto, essa Carta, especialmente após as reformas introduzidas pelo Protocolo de Cartagena ao estipular esse princípio da identificação da OEA com a democracia representativa, reafirma outro que, de certa forma, entra em conflito com ele.  Refiro-me ao princípio da não-intervenção.   Tomo a liberdade de ler o segundo parágrafo do artigo 1:  A Organização dos Estados Americanos não tem mais faculdades que aquelas expressamente conferidas por esta Carta, nenhuma de cujas disposições a autoriza a intervir em assuntos da jurisdição interna dos Estados membros.”  Portanto, não cabe dúvida de que há um conflito lógico, um conflito jurídico, um conflito semântico, seja como for chamado, entre este postulado e o anterior, a saber, “a democracia representativa é condição indispensável para a estabilidade, a paz e o desenvolvimento da região” e que a Organização como tal deve promover e manter este sistema.

 

            Corroborando tal afirmação, cumpre recordar os fatos históricos aos quais se referiu, no desenvolvimento de nossas discussões anteriores, o ilustre Embaixador Representante Permanente da Guiana que, sem dúvida alguma, não deixaram nossa Organização em posição muito boa no que diz respeito a manter tanto seu compromisso com a democracia representativa como seu respeito ao princípio da não-intervenção.

 

            Com tais antecedentes, os Ministros das Relações Exteriores, reunidos em Santiago do Chile por ocasião do Vigésimo Primeiro Período Ordinário de Sessões da Assembléia Geral, expressaram “sua determinação de adotar um conjunto de procedimentos eficazes, oportunos e expeditos para assegurar a promoção e a defesa da democracia representativa, em conformidade com a Carta da OEA” e, para tornar efetiva esta determinação, aprovaram a memorável resolução 1080, mediante a qual se estabelece um procedimento a ser seguido “caso ocorram fatos que causem interrupção abrupta ou irregular do processo político institucional democrático ou do legítimo exercício do poder por um governo democraticamente eleito em qualquer dos Estados membros da Organização.”  O passo dado teve enorme transcendência e foi recebido como verdadeira identificação da OEA com a democracia representativa e, por outro lado, como o início de uma época diferente na história dos povos do Hemisfério.  Entretanto, tornou-se também evidente que a simples aplicação da resolução 1080 não seria suficiente para sustentar esta evidente “intervenção” da OEA em “assuntos da jurisdição interna dos Estados”, o que não seria possível em virtude da terminante disposição da Carta citada anteriormente, a qual não poderia ser desvirtuada nem iludida com uma mera resolução da Assembléia Geral.

 

            Assim, por esta razão, tornou-se inelutável dar um passo à frente, firme como o dado antes ao se aprovar, nesta cidade de Washington, o Protocolo de Reforma em virtude do qual a Organização recebeu a faculdade de “suspender” a representatividade dos governos instaurados num Estado membro pelo uso da força.  O artigo 9 da Carta faculta à Assembléia Geral, pela primeira vez e de modo claro e explícito, aprovar essa suspensão, repito, no caso específico de um “governo democraticamente constituído que haja sido “derrubado pela força”.  Assim, mediante o Protocolo de Washington, resolveram-se a antinomia e o conflito:  sustentação e vigência da democracia representativa versus o princípio da não-intervenção, em prol da primeira e em oposição ao segundo.  Para fazer isso, certamente se levou em conta o que tão acertadamente afirmara o Doutor Eduardo Rodríguez Larreta, ilustre Chanceler da República Oriental do Uruguai, no sentido de que “o princípio da não-intervenção não pode ser invocado para atentar contra todos os demais princípios”;   porém, isso foi feito – repito – com referência exclusivamente ao caso específico dos “governos derrubados pelo uso da força”.

 

            Com o correr do tempo surgiram os casos – e rogo aos senhores que me perdoem por citá-los pelo nome – do Peru e do Haiti.  O primeiro felizmente foi solucionado nos melhores termos possíveis e o outro continua pendente de solução.  Estes casos fizeram-nos ver que, além da derrubada dos governos pelo uso da força, há outro perigo, outro risco para a democracia, a saber, o abuso do poder por parte do governo ou do governante.  Com outras palavras, o velho caso do “golpe de estado” propriamente dito, não levado em conta pelos redatores tanto da Carta de 1948 como de seus protocolos de reforma até o de Washington.  E o problema era muito mais complexo, porque já não se tratava de que os órgãos pertinentes da OEA enfrentassem um fato suscetível quase de apreciação objetiva, como é a derrubada de um governo legítimo por um ato de força.  Tratava-se então de governos que tinham perdido sua qualidade ou categoria democrática por abusarem do poder.  Por conseguinte, tratava-se de julgar e analisar o que ocorrera nesses países, qualificar os atos de governantes e de governos e de qualificá-los como enganosos ou atentatórios contra a democracia, como violadores da ordem jurídica interna, da legitimidade constitucional e, conseqüentemente, como merecedores da “suspensão” de sua capacidade representativa perante a Organização.

 

            Por outro lado, começava-se também a observar a existência de um terceiro risco para a democracia, com a mesma gravidade e, de certa forma, mais grave que os anteriores:  o risco não da derrubada pela força ou do abuso do poder, mas do abuso da oposição, ou seja, o risco da anarquia, o pior dos riscos para a democracia, porque, além disso, é inevitavelmente o preâmbulo da tirania.

 

            Surge assim a proposta do Embaixador Javier Pérez de Cuellar, ilustre Chanceler do Peru, recolhida pelos Chefes de Estado e de Governo do Hemisfério reunidos na Cúpula das Américas da Cidade de Québec, em cumprimento de cujo mandato temos de “reforçar os instrumentos da OEA” para que esta possa efetuar uma “defesa ativa da democracia representativa” que consista basicamente na faculdade para excluir dos órgãos e atividades da Organização os governos dos Estados membros em que haja ocorrido qualquer alteração ou ruptura constitucional da ordem democrática”.

 

            Senhor Presidente e distintos Senhores Embaixadores, estamos diante de uma situação não só parecida porém ainda mais complexa do que aquela em que se decidiu subscrever um protocolo de reforma para legitimar, para tornar viável a resolução 1080 e o Compromisso de Santiago que, por si sós, não teriam facultado à Organização “suspender” o direito de participação nas atividades da OEA de um governo estabelecido pela força.  Isso é assim porque, se agora quisermos dar este transcendental passo à frente – o que significa instaurar a faculdade de não somente “suspender” mas também “excluir” da Organização um governo ou governante que perpetre algo tão difícil de julgar objetivamente ou disso seja resultado como seja “qualquer alteração ou ruptura institucional da ordem democrática” – não resta outra solução senão dar esse passo adiante com adequada firmeza, ou seja, mediante a aprovação e assinatura de um protocolo de reforma e não de uma mera declaração ou resolução.

 

CP08668P04

            Sem dúvida, as dificuldades deste procedimento são óbvias.  Por conseguinte, poder-se-ia pensar que se deveria repetir o processo anterior, ou seja, assumir agora um novo compromisso de Santiago ou uma nova resolução 1080 e posteriormente, com a devida parcimônia, chegar à aprovação de um protocolo de reforma que definitivamente coloque as coisas no devido lugar.  Entretanto, isso não é possível.  Parece-nos não ser possível porque criamos tantas expectativas no Continente e talvez inclusive em escala mundial que não podemos, conforme afirmei no início do meu discurso, correr o risco de produzir “um parto dos montes”.

 

            O Diretor do Escritório de Informação Pública indica-nos que poucas horas depois de aberto o portal da página na Web já tivemos uma dezena ou mais de propostas individuais ou de grupos sobre o conteúdo da Carta.  Segundo as previsões, receberemos um verdadeiro dilúvio de iniciativas, um aluvião de pedidos e sugestões, perante os quais não podemos produzir um documento que ainda não resolva o problema básico:  facultar devidamente a Organização a intervir em assuntos da jurisdição interna dos Estados e a intervir em duplo sentido:  evitar o abuso do poder e evitar o abuso da oposição.  Estes dois riscos da democracia devem ser cobertos e evitados de forma devida e sustentada.  Portanto, a minha delegação considera que, no decorrer dos próximos dias, devemos pensar fundamentalmente no tema da hierarquia, categoria ou natureza apropriadas do documento que vamos negociar e não nos outros aspectos meramente formais ou complementares.

 

            Por último, Senhor Presidente, no tocante à consulta da Comissão Jurídica Interamericana, a minha delegação concorda com a proposta de que seja feita imediatamente e de forma integral.  A meu ver, não corremos o risco de que a Comissão nos diga que se reunirá em 30 de julho e que somente em fins de agosto nos poderá dar seu parecer, porque, segundo consta do Relatório Anual da referida Comissão, documento CP/doc. 3406/01, de 23 de janeiro de 2001, a Comissão Jurídica Interamericana já tratou do tema de encontrar uma solução jurídica para o problema do fortalecimento e promoção da democracia e emitiu uma resolução, à qual foi acrescentado um voto ressalvado do ilustre jurista Eduardo Vio Grosi, o qual foi incumbido de preparar um estudo, provavelmente já feito ou que será realizado em breve.  Portanto, essa consulta integral à CJI pode ser muito útil e positiva.  A nenhum de nós interessa que este Conselho Permanente seja encarregado de fazer tudo, mas que o faça bem e que levemos a Lima um documento que não receba objeções nem mesmo formais e muito menos conceptuais de tanta transcendência como as que acabo de assinalar.

 

            Muito obrigado, Senhor Presidente.  Lamento ter-me estendido, contra meu costume, no uso da palavra.