Discursos

DOUGLAS MARTINS DE SOUZA
APRESENTAÇÃO DO DR. DOUGLAS MARTINS DE SOUZA, SECRETÁRIO ADJUNTO DA SECRETARIA ESPECIAL DE POLÍTICAS DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL, PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL – SEPPIR: A EXPERIÊNCIA DA SECRETARIA ESPECIAL DE POLÍTICAS DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL NO BRASIL

novembro 29, 2005 - Washington, DC


A atual Constituição Brasileira dispõe em seu Artigo 5º que
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes” (...):
XLI – A lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;
XLII – A prática de racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão nos termos da lei.
No mesmo sentido, o Artigo 3º da Magna Carta estabelece dentre os seus objetivos fundamentais
“promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
Não obstante as determinações constitucionais, o Estado brasileiro, atendendo a uma demanda legítima dos movimentos sociais, reconhece a persistência histórica de racismo estrutural na sociedade brasileira, que tem se manifestado especialmente em prejuízo das populações afro-descendentes e indígenas no País. A forte e recorrente discriminação sofrida por estas populações afeta negativamente a sua capacidade de usufruto do direito tanto à igualdade jurídica, quanto à igualdade material. O Estado brasileiro está comprometido com a superação desta realidade e, a fim de lograr este objetivo, criou um órgão especialmente destinado tratar de questões relativas a este tema: a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – SEPPIR.


ESTRUTURA E COMPETÊNCIAS DA SEPPIR

A Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, criada em março de 2003, consiste de um órgão de assessoramento imediato ao Presidente da República na formulação, coordenação e articulação de políticas e diretrizes para a promoção da igualdade e a proteção dos direitos dos grupos raciais e étnicos vítimas de discriminação, com ênfase na população negra. É a primeira vez que o Governo Federal brasileiro institui um órgão com a competência específica de promover ações visando à garantia não apenas da igualdade jurídica, mas também da igualdade material para as populações tradicionalmente afetadas pelo racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerâncias correlatas. Em detalhes, o Decreto que institui sua Estrutura Regimental, define que à SEPPIR compete:
I - assessoramento direto e imediato ao Presidente da República na formulação, coordenação e articulação de políticas e diretrizes para a promoção da igualdade racial;
II - formulação, coordenação e avaliação das políticas públicas afirmativas de promoção da igualdade e da proteção dos direitos de indivíduos e grupos raciais e étnicos, com ênfase na população negra, afetados por discriminação racial e demais formas de intolerância;
III - articulação, promoção e acompanhamento da execução dos programas de cooperação com organismos nacionais e internacionais, públicos e privados, voltados à implementação da promoção da igualdade racial;
IV - formulação, coordenação e acompanhamento das políticas transversais de governo para a promoção da igualdade racial;
V - planejamento, coordenação da execução e avaliação do Programa Nacional de Ações Afirmativas; e
VI - promoção do acompanhamento da implementação de legislação de ação afirmativa e definição de ações públicas que visem o cumprimento dos acordos, convenções e outros instrumentos congêneres assinados pelo Brasil, nos aspectos relativos à promoção da igualdade e de combate à discriminação racial ou étnica.
A SEPPIR está organizada da seguinte forma:
I – Órgãos de assistência imediata ao Secretário Especial: Gabinete e Ouvidoria;
II – Órgãos específicos singulares:
a) Subsecretaria de Planejamento e Formulação de Políticas de Promoção da Igualdade Racial;
b) Subsecretaria de Políticas de Ações Afirmativas;
c) Subsecretaria de Políticas para Comunidades Tradicionais.
III – Órgão colegiado: Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial, presidido pelo titular da SEPPIR e coordenado por uma secretaria executiva.
É importante ressaltar o fato de a SEPPIR ser um órgão pertencente à estrutura da Presidência da República. Este arranjo institucional confere status de Ministro ao titular da pasta e, ainda mais relevante, confere ao órgão capacidade e legitimidade para induzir a adoção de políticas consoantes com o objetivo da promoção da igualdade racial em outras unidades da Administração Pública Federal. Assim, a capacidade de atuação governamental em prol da promoção da igualdade racial não queda limitada à atuação de uma única Secretaria ou Ministério, mas ganha contornos de política de Estado, uma vez que este objetivo passa a transpassar as iniciativas de várias unidades do Governo Federal.

A Política de Promoção da Igualdade Racial e seus princípios básicos:
Está a cargo da SEPPIR a implementação e coordenação da Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial - PNPIR, instituída pelo Decreto no 4.886/03, que propõe ações exeqüíveis em longo, médio e curto prazo, com base em seis programas e ações programáticas: (1) implementação de um modelo de gestão da política de promoção da igualdade racial; (2) apoio às comunidades remanescentes de quilombos; (3) ações afirmativas; (4) desenvolvimento e inclusão social; (5) relações internacionais; (6) produção de conhecimentos.
A PNPIR fundamenta-se em três princípios em básicos: a transversalidade, a descentralização e a gestão democrática.
A transversalidade diz respeito aos esforços pela inclusão da perspectiva de promoção da igualdade racial nas iniciativas de diversas áreas do Governo brasileiro, seja na economia, na promoção da saúde, da educação, cultura, justiça, etc. Este princípio tem conferido à SEPPIR uma função especial de órgão articulador de políticas desta natureza, mais do que, propriamente, de órgão executor de tais políticas.
A parceria com outros ministérios e órgãos da Administração Pública Federal permite à Secretaria induzir a identificação de demandas específicas dos grupos étnica e racialmente preteridos, buscando soluções conjuntamente com o órgão competente. Percebe-se então que, em muitas situações, não se trata de formular, planejar e executar novas políticas específicas para tais grupos, mas de se adotar uma perspectiva diferenciada de atendimento a suas necessidades nas políticas já existentes.
A descentralização, por sua vez, refere-se à inserção da política de promoção da igualdade racial na atuação de Estados, municípios e do Distrito Federal. Conforme determina a constituição brasileira, o Brasil constitui-se de uma República Federativa, de forma que cada ente federado responsabiliza-se pela oferta de determinados bens públicos à população. A descentralização da Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial, portanto, visa a possibilitar o pleno atendimento das populações excluídas nas áreas de competência especifica destes entes federados.
Por fim, a gestão democrática consiste no processo de legitimação da política de promoção da igualdade racial por meio da consulta e participação dos diversos atores sociais, em especial da sociedade civil organizada. O mais importante e regular mecanismo a viabilizar esta participação tem sido o Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial – CNPIR que, ademais, promove significativo e importante trabalho de controle social das ações governamentais.
A fim de ampliar as oportunidades de participação da sociedade civil organizada na formulação de um Plano Nacional sobre o tema, a SEPPIR organizou a I Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial – I CONAPIR, ocorrida nos dias 30 de junho e 01 e 02 de julho de 2005. A I CONAPIR teve como tema central “Estado e Sociedade – Promovendo a Igualdade Racial”. A representatividade e legitimidade alcançadas pela Conferência são inegáveis, conforme demonstra o Relatório Final da I CONAPIR /:
O processo democrático de construção da I Conapir envolveu governos estaduais e municipais; os poderes legislativo e judiciário; instituições públicas e privadas; e a sociedade civil. Participaram desse movimento mais de 90 mil pessoas, por meio das 26 conferências estaduais e da conferência do Distrito Federal, precedidas de etapas municipais e/ou regionais que mobilizaram 1.332 municípios, cerca de 25% da totalidade de municípios brasileiros. Destacam-se a participação de 100% dos municípios nos estados de Alagoas e Sergipe e o envolvimento massivo da população quilombola na Conferência Regional do Vale do Jequitinhonha - MG, o segundo menor PIB brasileiro, que reuniu três municípios e contou com a presença de 854 pessoas. Esse processo compreendeu ainda reuniões temáticas (mulheres, juventude, religiosos); a Audiência Cigana; e as Consultas Quilombola e Indígena, que legitimam, assim, a representação das(os) 1.136 delegadas(os) de todos os segmentos e a força deste relatório.
A partir dos subsídios oferecidos pela Conferência, um Grupo de Trabalho Interministerial deverá elaborar uma minuta de Plano Nacional de Promoção da Igualdade Racial a ser submetido ao CNPIR.
A participação da sociedade, por outro lado, não deve jamais comprometer a independência e a autonomia das organizações sociais em relação ao Estado, nem vice-versa. A democracia pressupõe o controle social e a participação social; a perda de autonomia, porém, poderia comprometer a adequada capacidade destes agentes de agir criticamente e, dessa forma, contribuir para a avaliação, melhoria e aperfeiçoamento das ações estatais. Por outro lado, o Estado não pode pautar sua atuação unicamente pelas determinações de certos grupos sociais, ainda que estes sejam legítimos; deve buscar maximizar a qualidade da aplicação dos escassos recursos públicos disponíveis para atender à grande demanda que se lhe apresenta.


AÇÕES DE DESTAQUE DA SEPPIR

Brasil Quilombola

O Brasil possui mais de 1.800 comunidades de remanescentes de quilombos mapeadas. Tais comunidades constituem valiosa herança e memória da resistência das populações negras à escravidão e encontram-se espalhadas em várias regiões do território nacional. Nesses locais, a cultura, a religiosidade e a história do povo negro no Brasil encontram-se preservadas, apesar da ameaça constante derivada da falta de assistência e proteção por parte do poder público. O Programa Brasil Quilombola visa ao atendimento dessas comunidades, oferecendo-lhes infra-estrutura e outros serviços básicos para a melhoria da qualidade de vida dos quilombolas. Fazem parte de tais serviços a titulação e garantia de permanência nas terras que ocupam, o provimento de documentação, moradia adequada, alimentação, saúde, educação, dentre outros direitos.
A coordenação geral do programa está a cargo da SEPPIR. O programa, no entanto, envolve ações de 21 órgãos da Administração Pública Federal e dispõe de uma coordenação colegiada encarregada do seu monitoramento. Ele tem contribuído para a regularização fundiária das terras histórica e culturalmente ocupadas pelos quilombolas, bem como o desenvolvimento local, por meio de atividades que ampliam a capacidade de produção e geração de renda das comunidades. Aumentou-se, também, a oferta de assistência médica por meio do Programa Saúde da Família e Saúde Bucal em mais de trezentos municípios, ademais da previsão de oferta de saneamento básico em onze Estados onde há Quilombos. Integra estes esforços, ainda, o Programa de Educação Quilombola, que tem investido na formação de professores, produção de material didático, construção e estruturação de escolas, dentre outras medidas para elevar o nível educacional dessas populações. Por fim, cabe destacar a capacitação de lideranças para que participem, monitorem e acompanhem as ações desenvolvidas em suas comunidades; desta forma, procura-se fomentar a capacidade e a qualidade da participação e representação dos quilombolas.



Cooperação Internacional

O Estado brasileiro está comprometido com a promoção da igualdade étnico-racial não apenas em seu território, mas também, a nível internacional, em especial pelo cumprimento das determinações contidas na Declaração e Plano de Ação resultantes da III Conferência Mundial Sobre Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas. O País está convencido da necessidade de contribuir para o fortalecimento do Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos no que tange à matéria, propiciando melhores mecanismos de proteção aos povos de todos os Estados da região. Igualmente, considera-se fundamental ampliar as oportunidades de cooperação internacional, bem como o monitoramento da implementação dos compromissos assumidos internacionalmente em relação a tais questões.
Neste sentido, tanto a adoção de um documento regional de proteção, como a criação de uma Relatoria Especial para a questão dos Afro-descendentes sob os auspícios da Comissão Interamericana de Direitos Humanos configuram-se como importantes conquistas na consolidação de um sistema regional de proteção contra o racismo e a discriminação. O empenho do Estado brasileiro por tais avanços conferiu ao País a honra e a legitimidade, conferida por seus pares, para assumir a Presidência do Grupo de Trabalho encarregado de elaborar o Projeto de Convenção Interamericana sobre Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas.
Cabe destacar, ainda, o empenho brasileiro na organização da Conferência das Américas. Esta Conferência insere-se no seguimento da Conferência de Santiago, realizada em 2000 como preparação para a supramencionada Conferência Mundial. O Brasil sediará o evento, que haverá de reunir delegados de vários países do continente, representando Estados, sociedade civil e organismos multilaterais, com a finalidade de avaliar a implementação de políticas de promoção da igualdade no continente, destacando as melhores práticas. Espera-se, ainda, que a Conferência logre constituir um grupo permanente de monitoramento dessas políticas para a troca regular de experiências, aperfeiçoamento e estímulo, concretizando o compromisso formalmente assumido pelos Estados no sentido de combater a discriminação e promover a igualdade.


Saúde da População Negra
A SEPPIR, juntamente com o Ministério da Saúde, está encarregada de implementar a Política Nacional de Saúde da População Negra. O principal propósito desta ação é promover a equidade e diminuir/eliminar as desigualdades no acesso aos serviços de saúde, reduzindo-se a morbidade e a mortalidade precoce da população negra no País. A Política engloba uma ampla e variada gama de ações, dentre as quais inclui-se:
- estabelecimento de mecanismos e estratégias para a inclusão de temas sobre as especificidades da saúde da população negra na formação acadêmica e técnica dos profissionais da área, na pesquisa e extensão universitária. Espera-se comprometer, prioritariamente, instituições públicas – universidades, fundações, institutos de pesquisa, órgãos de fomento e escolas técnicas de saúde;
- formação e capacitação com recorte étnico-racial e de gênero para todos os servidores da saúde;
- fomento à criação de núcleos ou grupos de pesquisa sobre saúde da população negra nas instituições de ensino e pesquisa;
- realização de pesquisas sobre a presença da população negra na força de trabalho no âmbito da saúde;
- desenvolvimento de pesquisas junto às populações tradicionais, especialmente comunidades quilombolas e comunidades religiosas de matrizes africanas;
- garantia do retorno dos benefícios das pesquisas junto às comunidades negras tradicionais;
- prioridade para pesquisas voltadas à saúde da população negra, com destaque para transtornos mentais, danos psíquicos, nutrição, doenças infecciosas e parasitárias, doenças e agravos mais prevalentes;
- inclusão do recorte raça/cor como categoria analítica das pesquisas; estímulo à pesquisa de medicamentos mais efetivos no tratamento das doenças prevalentes na população negra, incluindo fitoterápicos;
- implementação do quesito cor no sistema de saúde e monitoramento da informação;
- elaboração do caderno intitulado “A Saúde da População Negra e o SUS – Ações Afirmativas para Avançar na Eqüidade31”, pela Secretaria Executiva do Comitê Técnico de Saúde da População Negra.
Eliminar as desigualdades existentes no acesso aos serviços de saúde haverá de contribuir para o paulatino aumento da expectativa de vida da população negra no Brasil, hoje muito aquém da média nacional. Trata-se, portanto, um fator de justiça social e de reconhecimento do valor da vida humana dessas pessoas tradicionalmente preteridas na formulação de políticas públicas.


Educação
O sistema educacional pode ser um elemento de reprodução das desigualdades, preconceitos e discriminações historicamente enraizadas na vida social ou um elemento de libertação e promoção do apreço à diversidade e ao respeito aos direitos humanos. Reconhecendo este fato, a SEPPIR, em parceria com o Ministério da Educação, tem buscado converter as instituições de ensino em espaços estratégicos de discussão e aprofundamento sobre as questões raciais, acolhendo não apenas o tema, mas também representantes dos grupos tradicionalmente alijados desse processo. A política de educação para a população negra pauta-se, por conseguinte, tanto nos esforços pela elevação do nível seu educacional, assegurando-se o acesso e as condições para a permanência para os afro-descendentes nas escolas e universidades, como na efetivação da transversalidade da temática racial no sistema de ensino.
Para se lograr tais objetivos, coube à SEPPIR, juntamente com o Ministério da Educação, empenhar-se para lograr as seguintes realizações.
- Incentivo às Universidades – públicas e privadas – para que promovam a Reserva de Vagas para negros e indígenas, sendo que foi proposto um Projeto de Lei neste sentido referente às Universidades Públicas Federais.
- Revisão e inserção do quesito cor nos formulários do Censo Escolar/2005, e realização da Campanha “Assuma sua Raça, Declare a sua Cor”.
- Realização do Fórum Intergovernamental de Promoção da Igualdade Racial, com a realização dos “Seminários Técnicos de Promoção da Igualdade Racial” visando à implementação da Lei no 10.639/03, que obriga o ensino da história e cultura afro-brasileira nos níveis fundamental e médio.
- realização de Fóruns Estaduais de Educação e Diversidade Étnico-Racial, dos quais participaram profissionais de educação, representantes dos Núcleos Afro-Brasileiros (Neab), ativistas dos Movimentos Negros, entidades do Movimento Social, ONGs e representantes das Comunidades Quilombolas.
- Adoção do “Caderno das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana”, material didático pedagógico de apoio à implementação da Lei nº 10.639.
A ações mencionadas orientam-se pelo objetivo de promover uma educação inclusiva do ponto de vista étnico-racial, pavimentando-se assim o caminho para a formação de uma população crítica e consciente da importância do respeito à diversidade. O sistema educacional brasileiro está sendo instado a exercer uma função pro-ativa pela construção de uma sociedade em que as clivagens e injustiças sociais baseadas em critérios étnico-raciais estejam efetivamente superadas.


Saneamento da Ordem Jurídica
A ordem jurídica de um Estado precisa adequar-se às necessidades de promoção e proteção dos direitos humanos de todas as pessoas sob aquela jurisdição. Mecanismos frágeis, incompletos e imperfeitos podem não apenas dificultar, mas obstar em definitivo o gozo de direitos por parte de grupos vulnerabilizados por processos sociais excludentes e discriminatórios. Ainda que as conquistas legislativas não possam ser consideradas suficientes para a efetiva vigência dos direitos humanos, elas constituem, sem dúvida, importante espaldar sobre o qual se assentarão todas as demais atividades em prol de sua promoção e proteção.
Esta lógica geral aplica-se integralmente ao tema da promoção da igualdade racial e ao enfrentamento do racismo, da discriminação racial, xenofobia e intolerâncias correlatas. A adoção de políticas públicas direcionadas para tais fins terá o caminho para seu êxito mais bem pavimentado em meio a um ambiente jurídico-legal que as respalde e assegure a sua legitimidade.
Por tais razões, a SEPPIR contribuiu para a elaboração do estudo "Revisão do Ordenamento Jurídico para a Igualdade Racial". Trata-se do mais abrangente esforço já envidado pelo Governo Federal para revisão do sistema normativo nacional, visando à eliminação de anacronismos, inadequações terminológicas, bem como o preenchimento de lacunas que obstaculizam, limitam e/ou impedem a efetiva promoção da igualdade racial, o combate ao racismo e à discriminação. O Estudo é composto de doze pareceres de juristas renomados nas diferentes áreas do Direito. Esses pareceres, na forma de publicação única, serão debatidos em cinco oficinas nas diferentes regiões do país, subsidiando-se a adequação nas grades curriculares dos cursos de Direito e das escolas de formação e aperfeiçoamento de profissionais.
Com essa ação, espera-se ampliar o debate, familiarizando operadores de Direito com instrumentos de proteção dos grupos tradicionalmente discriminados pela justiça, além de estabelecer condições estruturais para o efetivo gozo dos direitos humanos por todas as pessoas sob a jurisdição do Estado brasileiro, independentemente de sua raça, credo, cor da pele, origem social ou qualquer outra característica real ou a ela atribuída.


RECOMENDAÇÕES FINAIS

A partir da experiência da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, seria possível sumarizar alguns pontos que o Estado brasileiro considera relevantes para a consolidação de um ambiente institucional propício à promoção da igualdade racial.
O primeiro seria o verdadeiro compromisso com a formulação de políticas públicas especialmente desenhadas para este fim. Este compromisso assenta-se necessariamente no reconhecimento da existência de racismo e de processos discriminatórios na sociedade, bem como na elucidação dos mecanismos que possibilitam sua reprodução. O aprofundamento contínuo das desigualdades e injustiças raciais alimenta-se da resistência em se aceitar a existência do problema e na indisposição em se alocar recursos – financeiros, materiais e humanos – necessários ao seu enfrentamento.
O segundo aspecto seria o aperfeiçoamento da ordem jurídico-legal interna dos Estados para a efetiva garantia da igualdade de direitos, para a proteção contra qualquer forma de discriminação negativa ilegítima e para o respeito à diversidade. O arcabouço jurídico deverá ser o invólucro a oferecer guarida para as ações de promoção da igualdade racial, a despeito dos eventuais movimentos sociais e/ou políticos contrários. Esta ordem precisa prever incentivos positivos e negativos, de forma a respaldar medidas que promovam a diversidade e sancionem os perpetradores contumazes de atitudes racistas e discriminatórias.
Por fim, a cooperação internacional deve ser um elemento propulsor da promoção da igualdade racial e do apreço à diversidade em todas as partes do mundo. O endosso a uma Cultura de Paz e Direitos Humanos, capaz de instituir a convivência harmoniosa entre seres humanos, Estados e Nações e pautada na resolução não violenta dos conflitos será a base para a segurança internacional e para a erradicação do racismo, da discriminação racial, da xenofobia e intolerâncias correlatas. Para isso, os Estados precisam investir no fortalecimento dos sistemas regionais e universais de promoção e proteção dos direitos humanos em geral e dos direitos de grupos étnico-raciais vítimas de discriminação em particular. O direito internacional deverá estabelecer a natureza e extensão do direito à identidade, prover a comunidade internacional dos meios para dirimir conflitos decorrentes da convivência entre culturas distintas e amparar as vítimas em todas as situações.
A promoção da igualdade racial e do combate ao racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerâncias correlatas não consiste de um tema simples, mas de um objetivo complexo, tão diverso quanto a própria diversidade humana. Conflitos e dissensões emergirão, mesmo entre aqueles e aquelas que comungam do mesmo ideal de fraternidade. O desafio proposto, portanto, será o estabelecimento dos mecanismos sócio-institucionais mais adequados para a regulação da vida social em conformidade com princípios e valores de profundo respeito à dignidade humana em todas as suas manifestações étnico-raciais, culturais e religiosas.