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Comunicado de Imprensa

CIDH e sua REDESCA expressam profunda preocupação diante do desmatamento e das queimadas na Amazônia

3 de setembro de 2019

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Washington, D.C. - A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e sua Relatoria Especial sobre Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (REDESCA) expressam sua profunda preocupação diante do crescente desmatamento e das recentes queimadas que afetam a região amazônica.

Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), a região da selva amazônica abarca a maior floresta tropical do mundo e contém aproximadamente metade de sua biodiversidade. Para a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), as principais ameaças identificadas contra esta zona natural de alta relevância para o mundo e o hemisfério incluem a mineração, exploração madeireira, construção de barragens, estradas, expansão de terras agrícolas e diversos projetos de investimento.

Em relação às queimadas Que vem afetando a Amazônia nas últimas semanas, o Estado vem afirmando que os meses de agosto e outubro correspondem ao período de seca, quando a humidade cai drasticamente na região. A isso se soma a situação de grande seca  no norte e centro oeste do país. Igualmente, trata-se do período do ano no qual os agricultores preparam a terra para o plantio. Portanto, é natural que os sistemas de advertência apontem um aumento nos focos de fogo. No entanto, segundo informa o Estado, a grande maioria dessas terras tem sido utilizada para agricultura há muito tempo e não constitui desmatamento e destruição da selva amazônica nativa.  O Ministério da Agricultura destacou que dos 10,000 hectares de área que foram queimados, cerca de 3,000 estão situados na Chapada dos Guimarães, um parque nacional protegido. A Agência Brasil, órgão estatal de comunicação, informou que a maioria dos focos de incêndio ocorre em áreas urbanas.

O Ministério do Meio Ambiente salientou também que os incêndios foram causados pelo clima seco, pelo vento e pelo calor.

Segundo dados preliminares do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (DETER/INPE), uma agência do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações no Brasil, o desmatamento em junho e julho vem aumentando de maneira considerável em comparação com os mesmos meses em 2018. A mesma instituição registrou um recorde de 72,843 queimadas este ano, um aumento de 80% em relação ao ano passado.  Por outro lado, os cientistas que utilizam satélites da NASA para rastrear a atividade de queimadas confirmaram o aumento da quantidade e intensidade das queimadas na Amazônia brasileira em 2019, transformando este ano em o ano com mais queimadas ativas na região desde 2010.

De acordo com a manifestação do Chefe do Laboratório de Ciências Biosféricas no Centro de Voo Espacial de Goddard da NASA, as queimadas no Amazonas variam consideravelmente a cada ano ou a cada mês devido às mudanças econômicas e climáticas. O mês de agosto de 2019 se destaca por ter trazido um aumento notável nos nas queimadas grandes, intensas e persistentes ao longo das estradas centrais do Amazonas central brasileiro. De acordo com o especialista, ainda que a seca tenha tido um papel importante na exacerbação das queimadas no passado, o momento e a localização das captações das queimadas no início da temporada de seca de 2019 são mais consistentes com a limpeza de terras do que com a seca regional. A ferramenta principal da NASA para a detecção de queimadas desde 2002 consiste em instrumentos de espectroradiômetro de imagens de resolução moderada (MODIS) nos satélites Terra e Aquasa. Neste mesmo momento da temporada de queimadas, as detecções ativas de queimadas MODIS em 2019 são mais altas na Amazônia brasileira do que em qualquer ano desde 2010. O estado do Amazonas deve de registrar uma atividade recorde de queimadas em 2019. Ele observou que A NASA e o INPE têm as mesmas estimativas de mudanças nas recentes atividades de queimadas. As detecções MODIS são mais altas em 2019 do que na época do ano passado nos sete estados que compõem a Amazônia brasileira.

A CIDH está preocupada com o fato de o registro da NASA de um aumento recorde de queimadas na Amazônia em 2019 produzir um efeito irreversível no desmatamento da Amazônia brasileira. De fato, o Projeto de Monitoramento do Desmatamento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite (Prodes), de responsabilidade do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), já em seu relatório do ano passado indicou que de agosto de 2017 a julho de 2018 o desmatamento atingiu o nível mais alto de florestas destruídas na última década, atingindo 7,900 quilômetros quadrados. Desde 2013, o Prodes mostra um crescimento do desmatamento na Amazônia. Nesse sentido, a CIDH congratula com o decreto adotado pelo Executivo do Estado brasileiro que impõe uma proibição de sessenta dias às queimadas para fins agrícolas. Sendo uma medida paliativa temporária diante dessa situação alarmante, também é necessário avançar políticas de desenvolvimento sustentável de longo prazo, com o objetivo de respeitar e garantir os direitos humanos, inclusive o meio ambiente. Da mesma forma, essa medida deve ser acompanhada de um fortalecimento dos órgãos responsáveis ​​pela proteção ambiental. Especialmente, é prioritário o fortalecimento do orçamento e equipe de trabalho do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), órgão responsável pela supervisão ambiental no Brasil.

 A CIDH está preocupada, neste sentido, com os anúncios por autoridades do país que destacaram que o governo continuaria reduzindo a quantidade de multas por questões ambientais no campo, fazendo referência a uma suposta "indústria da multa". Em agosto, o Congresso aprovou a Medida Provisória N° 881, que autoriza ações que facilitam o desmatamento automático quando houver atraso de licenças ambientais e renúncia à requisição de licenças ambientais para atividades econômicas de baixo risco. A CIDH e sua REDESCA também fazem um chamado ao Estado a fortalecer institucional e orçamentariamente a Secretaria de Mudança do Clima e Florestas que indubitavelmente tem um papel fundamental na situação de seca que afetaria a Amazônia pelo aquecimento global.

Por outro lado, a CIDH e sua REDESCA expressam preocupação com o desenvolvimento de projetos industriais e agroindustriais que tenham como consequência o avanço do desmatamento. Por exemplo, segundo informação pública, no dia 10 de agosto, um grupo de proprietários de terras no sudoeste do estado do Pará realizou o "dia de queimadas" - para coordenar a queima de pastagens e áreas em processo de desmatamento. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), em Novo Progresso, principal município da região, houve um aumento de 300% de focos de queimada durante esse dia.

Essas queimadas estão destruindo ecossistemas, desalojando a vida silvestre e colocando em perigo a subsistência de milhões de pessoas.

A Comissão e sua REDESCA recordam que é indispensável que os governos dos Estados Membros da OEA tomem medidas imediatas e com todos os recursos e meios disponíveis para combater o desmatamento e garantir o direito a um meio ambiente saudável. Tais ações devem enquadram-se no que dispõem os instrumentos do sistema interamericano; em especial os artigos 1 e 2 da Convenção Americana de Direitos Humanos em consonância com o artigo 26 do mesmo instrumento e o artigo 11 do seu Protocolo Adicional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador) vinculados à proteção de um meio ambiente saudável.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos recentemente destacou, em sua Opinião Consultiva OC/23 de 2017, que os Estados têm a obrigação de prevenir danos ambientais significativos dentro e fora de seu território e atuar de acordo com o princípio de precaução contra possíveis danos irreversíveis ao meio ambiente, garantir o acesso à informação, a participação pública e acesso à justiça em matéria ambiental. Além disso, os Estados têm a obrigação de cooperar, de boa-fé, para se proteger contra danos ambientais.

A CIDH e sua REDESCA lamentam profundamente as consequências que os fatos descritos anteriormente têm e podem ter sobre a Amazônia como uma região natural chave e estratégica para a existência e conservação de um meio ambiente saudável e para a realização de outros direitos humanos, como a vida, a integridade pessoal saúde e água potável. Destacam também que o direito a um meio ambiente saudável tem conotações coletivas na medida em que se constitui como um interesse universal devido tanto às gerações presentes como às futuras, e é direito fundamental para a própria existência da humanidade.

A CIDH adverte que os povos indígenas que vivem na Amazônia são os mais afetados. Isso vem provocando deslocamentos forçados de comunidades, a perda de terras destinadas à subsistência e o grave risco de que povos indígenas em isolamento, como os awá do território indígena de Arariboia na Amazônia maranhense, possam desaparecer. Em uma Carta aberta dos povos indígenas de 22 de agosto de 2019, os povos indígenas da Bacia Amazônica se declararam em Emergência Ambiental e Humanitária, denunciando que o Governo, por sua ação e omissão, eliminou todas as estratégias ambientais e sociais para fortalecer a governança ambiental da Amazônia, acrescentando que “é necessária a ação unificada de todos os atores sociais, públicos e privados para intervir e pôr um freio a essa ameaça contra a vida em todas as suas formas, que já coloca em iminente risco de extinção mais de 560 Povos Indígenas da bacia amazônica e milhares de espécies de flora e fauna que a habitam em razão dos 73,843 focos de queimada que incineraram mais de 700,000 hectares de floresta depois de quase 18 dias de negligência e prevenção; e que segundo dados preliminares há mais de 100.000 indígenas afetados".  

As queimadas no Brasil, sua magnitude e prolongamento não apenas representam um grave risco, claro e tangível, para os diversos direitos das populações vizinhas, mas também ameaçam se tornar um fator previsível que aumente os danos causados a toda a humanidade e gere efeitos agravados para as pessoas em situação de maior vulnerabilidade.  Nesse contexto, a Relatora Especial, Soledade García Muñoz, sublinhou que "o Estado brasileiro deve continuar implementando medidas para mitigar os efeitos das queimadas e evitar mais danos ao meio ambiente, assim como implementar um plano para prevenir e punir efetivamente ações que geram essas queimadas". 

Nesse sentido, para a CIDH e sua REDESCA, a obrigação de adotar medidas para a proteção da Amazônia como zona vital para o direito a um meio ambiente saudável e a realização de outros direitos humanos se estende, pelo menos, a outros Estados que compartilham jurisdição sobre a bacia do Amazonas e lhes impõe a obrigação de coordenar adequadamente suas políticas para controlar o desmatamento, garantir  ciclos vitais dos ecossistemas e fazer um uso adequado dos solos a partir do fortalecimento da institucionalidade e do marco normativo ambiental.   

A CIDH e sua REDESCA destacam o papel que o Estado brasileiro e a comunidade internacional têm no enfrentamento das causas que geraram essa situação, bem como na construção de estratégias de cooperação para fortalecer a proteção do meio ambiente e da Amazônia à luz dos parâmetros internacionais sobre a matéria. Em consequência, a Presidenta da CIDH, Esmeralda Arosemena de Troitiño enfatizou que a CIDH já assinalou que "a falta de regulação, regulação inapropriada, falta de supervisão ou promoção de atividades que possam criar sérios problemas ao meio ambiente por parte dos Estados, podem se traduzir em violações de direitos humanos protegidos pela Convenção Americana". Nesse contexto, acrescentou que qualquer plano ou política de desenvolvimento ou política deve ser implementada considerando o respeito aos direitos humanos. 

Por outro lado, a Relatora do país e dos direitos dos povos indígenas, Antonia Urrejola, enfatizou que "o Estado brasileiro, que tem jurisdição sobre um vasto patrimônio natural como o Amazonas, tem uma posição privilegiada para que sua população dela desfrute, assim como um dever relacionado de formular e implementar políticas e normas de acordo com as suas obrigações de direitos humanos, incluindo aquelas relacionadas à proteção do meio ambiente". Acrescentou que o Brasil e a comunidade internacional também devem conduzir seus esforços para reconhecer os direitos dos povos indígenas em virtude da sua estreita relação e conhecimento no manejo dos seus territórios e recursos naturais, bem como o papel transcendental que as defensoras e defensores de direitos humanos possuem nesse tipo de contexto.

Nesse contexto, a CIDH e sua REDESCA reiteram que os funcionários públicos devem abster-se de fazer declarações que estigmatizam os defensores e defensoras de direitos humanos ou que sugiram que as organizações ambientais atuem de maneira inadequada ou ilegal, unicamente pelo fato de realizarem seu trabalho de promoção e defesa dos direitos humanos. Os governos devem dar instruções precisas aos seus funcionários para que se abstenham de fazer declarações que estigmatizem esses atores sociais e devem ter extremo cuidado para que suas políticas ou declarações públicas não fomentem que gerem o desmatamento da Amazônia e que a danifiquem.

Finalmente, a CIDH e sua REDESCA chamam os Estados Membros da OEA, em particular aqueles fronteiriços à bacia amazônica, e particularmente o Brasil, a  coordenar ações em torno dessa tragédia ambiental transfronteiriça, investigar adequadamente suas origens, e, quando corresponda, punir os responsáveis, assim como adotar medidas preventivas reforçadas a partir de uma perspectiva de direitos humanos  para evitar situações similares no futuro. Além disso, as pessoas e grupos que se vejam particularmente afetados por essas queimadas devem ser devidamente protegidos e terem acesso a formas de reparação. Em particular, deve-se prestar especial atenção aos povos indígenas e tribais presentes na área e os territórios afetados que tenham a presença de povos em isolamento voluntário ou em contato inicial, com o objetivo de implementar um plano de emergência que evite mais danos aos seus direitos humanos.

A REDESCA é um Escritório da CIDH, especialmente criado para apoiar a Comissão no cumprimento dos seus mandato de promoção e proteção dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais no continente americano.    

A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato surge a partir da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem como mandato promover a observância e defesa dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA na temática. A CIDH é composta por sete membros independentes, que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal, sem representarem seus países de origem ou de residência.

No. 215/19