CIDH

Comunicado de Imprensa

CIDH manifesta sua preocupação pela continuação da repressão na Nicarágua

11 de julho de 2019

   Links úteis

 

   Contato de imprensa


Imprensa e Comunicação da CIDH
Tel: +1 (202) 370-9001
[email protected]

   Mais sobre a CIDH
   Comunicados da CIDH

Nesta página encontram-se os comunicados de imprensa que foram emitidos em português. Para ver todos os comunicados emitidos no ano pela CIDH, por favor consultar a página em inglês ou em espanhol

A+ A-

Washington, D.C. – A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) manifesta a sua preocupação pela continuação da repressão depois de quase cinco meses da instalação da Mesa de Negociação na Nicarágua. Além disso, a CIDH lamenta a falta de vontade do Estado da Nicarágua para o restabelecimento das liberdades e direitos de toda a população, assim como para superar a situação de impunidade sobre as graves violações de direitos humanos cometidas desde 18 de abril de 2018.

Graves restrições às liberdades públicas

Apesar do início da Mesa de Negociação entre o Governo e a Aliança Cívica pela Justiça e a Democracia (Aliança Cívica), em 27 de fevereiro de 2018, a CIDH observa a persistência do estado policial na Nicarágua caracterizado pela proibição dos protestos sociais e violações de outros direitos pelos atos de estigmatização, ataques e agressões, assédio e a continuação das detenções arbitrárias em todo o país.

A CIDH adverte que, durante o primeiro semestre de 2019, o Estado rejeitou todos os pedidos apresentados pela sociedade civil para a realização de manifestações públicas e, além disso, manteve a execução de operações policiais desproporcionais nos espaços públicos para evitar quaisquer protestos sociais ou formas de manifestação. Recentemente, o Estado negou à Unidade Nacional Azul e Branco uma autorização para convocar uma marcha em 26 de maio, com o objetivo de exigir a liberação dos presos políticos.

Adicionalmente, nos meses de maio e junho, o MESENI documentou um aumento dos atos de intimidação e repressão para combater e inibir as formas de protesto social improvisadas pela população, entre outras, através de represálias contra os estabelecimentos que participaram da greve nacional de 23 de maio, o assédio permanente aos plantões expressos, assim como qualquer ato do qual participam pessoas que foram colocadas em liberdade ou pessoas identificadas como opositoras ao Governo, incluindo celebrações religiosas e missas.

De maneira particular, em 15 de junho, a CIDH denunciou que grupos afins ao Governo agrediram pessoas que compareceram à missa celebrada na catedral de León em memória de uma das vítimas fatais dos protestos. Esse ataque teria sido perpetrado com a aquiescência e tolerância da Polícia Nacional. Pelo menos cinco pessoas teriam ficado feridas. Segundo as informações recebidas, em 16 de junho, agentes do esquadrão antimotim agrediram pessoas que se manifestavam no interior dos parques ao redor da Catedral de Manágua com balas de borracha, bombas de gás lacrimogênio e de efeito, após uma missa celebrada pela liberação dos presos políticos. Em 30 de junho, agentes antimotim também teriam agredido manifestantes que realizaram uma aglomeração no mesmo lugar, após um serviço religioso. De acordo com informações públicas, pelo menos seis pessoas ficaram feridas. Estes fatos também se inserem em um contexto de ameaças contra a Igreja e líderes religiosos através de mensagens ameaçadoras em redes sociais ou pichações nas paredes de alguns templos. Devido às ameaças de morte, um sacerdote de Estelí teria decidido fugir do país. Além disso, em 3 de julho, o sacerdote Edwin Román, beneficiário de medidas cautelares, teria sido vítima de ameaças por agentes da Polícia Nacional em Masaya.

A CIDH adverte que as restrições impostas aos protestos sociais e os atos para amedrontar qualquer tipo de manifestação social, incluídas as celebrações religiosas, afetam os direitos à liberdade de expressão, de associação e a liberdade de religião. Adicionalmente, nos casos em que ocorrem mobilizações expressas ou atos improvisados de protesto, a CIDH continua observando a realização de detenções arbitrárias, o que resulta em violações aos direitos à integridade pessoal e liberdade pessoal. Em algumas ocasiões, tais detenções seriam temporárias, ou então resultariam na abertura de denúncias penais por narcotráfico e crimes contra a propriedade.

Um ano após a publicação de seu Relatório final “Graves violações aos direitos humanos no contexto dos protestos sociais na Nicarágua”, a Comissão reitera ao Estado da Nicarágua o dever de cumprir as recomendações 1 e 2, a fim de “cessar imediatamente a repressão aos manifestantes e a detenção arbitrária de pessoas que participam dos protestos,” assim como “respeitar e garantir o gozo pleno do direito de protestar, à liberdade de expressão, à reunião pacífica e à participação política da população.” Também deve cumprir a recomendação 8, para que o Estado “desmantele os grupos parapoliciais e adote medidas para impedir que continuem em ação os grupos de terceiros armados que atacam e intimidam a população civil.”

Situação de pessoas colocadas em liberdade

Desde o início da Mesa de Negociação, a CIDH vem acompanhando a liberação de pessoas detidas por fatos relacionados com a crise na Nicarágua que o Estado vem realizando. Neste sentido, segundo a informação recebida, entre 27 fevereiro e 11 de junho de 2019, o Estado da Nicarágua colocou em liberdade 493 pessoas, das quais duas pessoas estiveram detidas por fatos não relacionado com o contexto da crise. Deste número, 387 foram colocadas em liberdade através de anúncios unilaterais do Estado e 104 teriam sido liberadas em virtude da aprovação da lei de anistia. Apesar da CIDH saudar a liberação dessas pessoas, também nota que, até 25 de junho de 2019, pelo menos 91 pessoas detidas no contexto dos protestos permaneciam privadas de liberdade.

Em relação a isto, a CIDH observa a permanente negação do Estado da Nicarágua para publicar informações oficiais sobre as pessoas detidas e processadas no contexto da crise, assim como as liberações realizadas fora do âmbito dos acordos e a persistência diária de detenções arbitrárias, constituem fatores que dificultam o conhecimento de cifras exatas sobre o número de pessoas privadas de liberdade por fatos vinculados com a crise, o que dificulta o próprio trabalho da Aliança Cívica pela Justiça e a Democracia na Mesa de Negociação.

Recentemente, através do MESENI, a CIDH recebeu informações sobre a emissão de resoluções judicias que ordenaram o arquivamento de distintas ações penais com base na lei de anistia. Apesar disso, a CIDH adverte que as pessoas liberadas continuam majoritariamente sem informações precisas sobre os fundamentos de sua liberação e os direitos vinculados à mesma; adicionalmente, continuam sendo citadas para audiências e seus processos judiciais continuam abertos. De acordo com a informação recebida, em muitos casos, a Polícia Nacional não teria devolvido bens e objetos pessoais, como documentos de identidade, telefones celulares e equipamentos eletrônicos, às pessoas colocadas em liberdade. Além disso, estas são vítimas de assédio, vigilância, intimidação, perseguições e ameaças através de redes sociais. Estes atos são cometidos principalmente por simpatizantes do Governo e pela Polícia Nacional.

“Manter abertas ações penais injustificadas tem impactos negativos para os direitos das pessoas recentemente liberadas, em virtude da própria incerteza de sua situação jurídica,” observou o Comissário Joel Hernández, Relator sobre os Direitos das Pessoas Privadas de Liberdade. “A mera possibilidade de que as ações penais sejam reativadas a qualquer momento cria um efeito dissuasor para o exercício de seus direitos,” acrescentou.

Por outro lado, a CIDH expressa a sua profunda preocupação pelas informações levantadas através de testemunhos de pessoas liberadas recebidos pelo MESENI, as quais indicam que houve a prática de tratamentos cruéis, desumanos e degradantes, que em alguns casos poderiam constituir tortura, enquanto estiveram privadas de sua liberdade. Desde o início da repressão, tais atos foram amplamente denunciados pela própria CIDH e outros órgãos internacionais e nacionais de direitos humanos.

Neste contexto, a CIDH faz novamente um chamado ao Estado para que cumpra a recomendação da letra c) de seu Relatório final da visita ao país a fim de: “iniciar de ofício e imediatamente uma investigação efetiva que permita identificar, julgar e punir os responsáveis pelos maus tratos e tortura. Essa investigação deve ser realizada através de todos os meios legais disponíveis, almejar a determinação da verdade, e ser conduzida dentro de um prazo razoável. Além disso, deve observar os princípios de independência, imparcialidade, competência, diligência e agilidade.”

Impunidade das graves violações aos direitos humanos

Desde o início de 2019, a Comissão condenou a aprovação expedita – e sem quaisquer processos amplos de consulta – de um conjunto de leis incompatíveis com o direito à verdade, o acesso à justiça e a uma reparação integral para as vítimas da repressão iniciada em 18 de abril de 2018; dentre elas, a Lei para uma Cultura de Diálogo, Reconciliação, Segurança, Trabalho e Paz, aprovada em 24 de janeiro de 2019; a Lei de Atenção Integral a Vítimas na Nicarágua, aprovada em 29 de maio de 2019; e a aprovação da Lei de Anistia, aprovada em 8 de junho de 2019.

Nas últimas semanas, no âmbito da implementação da Lei de Atenção Integral a Vítimas na Nicarágua, a CIDH recebeu informações sobre a instalação de mais de três mil “Comissões de Reconciliação, Justiça e Paz” em todo o país. Sobre esse ponto, a CIDH reitera a sua preocupação pela falta de consideração das vítimas da repressão estatal e seus familiares no Plano de Atenção Integral a Vítimas adotado pelo Estado, assim como o descumprimento dos parâmetros internacionais em matéria de uma reparação adequada e integral das violações aos direitos humanos.

A CIDH reitera as recomendações formuladas ao Estado da Nicarágua no Relatório Final de sua visita, entre elas, o dever de garantir o direito de vítimas e familiares a conhecer a verdade ; assim como implementar um programa multidisciplinar com o objetivo de atender os impactos psicológicos da população por estes acontecimentos, em particular das vítimas de violações de direitos humanos e seus familiares, mediante ações baseadas em um enfoque de direitos humanos e formuladas desde uma perspectiva de gênero.

A Comissária Antonia Urrejola, Relatora para a Nicarágua e sobre Memória, Verdade e Justiça observou: “O restabelecimento dos direitos e a superação da situação da impunidade são condições indispensáveis tanto para evitar a repetição das graves violações de direitos humanos como para alcançar uma saída para a crise que seja compatível com os direitos humanos. Lamentavelmente, nós da CIDH observamos que a política de reconciliação do Governo e o conjunto de leis aprovadas ficam aquém de cumprir as obrigações internacionais do Estado.”

Situação das pessoas nicaraguenses que foram forçadas a fugir de seu país

A CIDH nota com preocupação que milhares de nicaraguenses continuam fugindo do país em virtude da persistência da repressão. Nos últimos dias, o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) atualizou a cifra para 70.000 nicaraguenses que solicitaram asilo em países como Costa Rica, Panamá, México e Estados Unidos desde o início da crise até maio de 2019.

Neste contexto, a CIDH vem dando seguimento à situação das pessoas nicaraguenses que foram forçadas a fugir para estes países por causa da crise iniciada em 18 de abril de 2018 na Nicarágua. Em 12 de junho de 2019, a CIDH denunciou alguns dos obstáculos enfrentados pela população nicaraguense deslocada para usufruir de seus direitos em Honduras e na Costa Rica, pela falta de acesso a um emprego e à educação oriundo de não possuir documentos de identidade ou de comprovação de estudos. Na visita realizada a Miami em 17 e 18 de junho, a CIDH tomou conhecimento dos desafios enfrentados pelas pessoas que foram forçadas a fugir da Nicarágua rumo aos Estados Unidos.

Neste sentido, a CIDH lamenta profundamente que algumas pessoas que tiveram que fugir no contexto da repressão na Nicarágua tenham perdido suas vidas em circunstâncias ainda não explicadas, como o assassinato de Edgar Montenegro Centeno (56) e de seu filho Jalmar Zeledón Olivas (31), no último 27 de junho, no departamento de El Paraíso, Honduras, na fronteira com a Nicarágua. De acordo com as informações recebidas, ambos teriam fugido da Nicarágua desde novembro de 2018, por terem sido acusados pela Polícia Nacional de ser terroristas devido à sua participação nas barricadas de Wiwilí e el Cuá, na Nicarágua.

Adicionalmente, através do MESENI, a Comissão continua recebendo testemunhos de jovens estudantes exilados e liberados vítimas da repressão. Muitos deles informaram que foram expulsos de suas universidades e seu histórico acadêmico teria sido completamente apagado dos sistemas universitários, e por isso encontram muitas dificuldades para prosseguir com seus projetos de vida no exílio.

A Comissão reitera o seu chamado aos Estados da região para implementar uma estratégia baseada na responsabilidade compartilhada em relação à proteção internacional e na abordagem desde um enfoque de direitos humanos diante da migração forçada das pessoas nicaraguenses. Além disso, a CIDH faz um chamado para tomar todas as medidas necessárias para garantir o restabelecimento do projeto de vida e os direitos dos estudantes exilados e expulsos das universidades, conforme o direito internacional dos direitos humanos. Para tanto, através do MESENI, a Comissão Interamericana reitera a sua disposição para prestar assessoria e cooperação técnica necessária no âmbito do seu próprio mandato.

Persistência do fechamento dos espaços democráticos

Desde dezembro de 2018, a Comissão identificou uma fase de repressão na Nicarágua caracterizada pela adoção de medidas e decretos que, sob a aparência de legalidade e estrita formalidade, restringiram de maneira ilegítima os direitos à liberdade de expressão, associação e de reunião, que são essenciais para o efetivo funcionamento de toda a sociedade democrática. Tudo isto indica uma tendência do Estado que busca silenciar, intimidar e criminalizar qualquer voz contrária à postura do Governo.

Durante o primeiro semestre de 2019, a CIDH adverte que este contexto de fechamento dos espaços democráticos no país persiste. Concretamente, as pessoas defensoras de direitos humanos na Nicarágua continuam trabalhando em um cenário de risco para os seus direitos no país pela intensificação de uma campanha de estigmatização e desprestígio contra as mesmas, atos de intimidação e vigilância, e a ameaça permanente do fechamento forçado de outras organizações da sociedade civil pela Assembleia Nacional.

Por outro lado, apesar da CIDH saudar a liberação dos jornalistas que permaneciam privados de liberdade, entre eles, Miguel Mora e Lucina Pineda do canal 100% Notícias, foi constatado que o contexto para o exercício da liberdade de expressão não melhorou. Mais de 70 jornalistas permanecem exilados. Além disso, o Estado não assegurou a devolução imediata de bens a meios de comunicação por confiscos, revistas ou ocupação de instalações.

Finalmente, o MESENI continua recebendo testemunhos e documentação sobre o agravamento da repressão contra integrantes do Movimento Camponês e camponeses em geral, que vivem no interior do país; assim como contra integrantes de povos indígenas e afrodescendentes do Caribe Norte. Em 26 de junho, a CIDH recebeu informações sobre a agressão da defensora Marcela Foster, integrante da comunidade de Kamla território Twi Yahbra, e dois outros membros da comunidade, por simpatizantes do Governo. A CIDH observa que algumas dificuldades como a falta de acessibilidade geográfica e, às vezes, a falta de recursos econômicos, colocam estes grupos em uma situação de especial vulnerabilidade para denunciar a continuação da violência, ameaças e detenções arbitrárias nos diferentes departamentos, assim como para ter uma defesa jurídica adequada.

Interrupção da repressão e abertura ao escrutínio internacional

Em 28 de junho de 2019, a Assembleia Geral da OEA aprovou a Resolução "A Situação na Nicarágua", na qual “reitera a preocupação da comunidade internacional com a deterioração das instituições democráticas e os direitos humanos na Nicarágua, e seu apoio a uma solução pacífica para a crise política que assola este país há mais de um ano,” e insiste “na necessidade de que o Governo da Nicarágua permita o ingresso da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e seus mecanismos, assim como de outros mecanismos internacionais de direitos humanos.” Em relação a isto, a CIDH reitera sua total e imediata disposição de colaborar e prestar a assistência técnica necessária para contribuir ao restabelecimento da plena vigência dos direitos humanos no país, inclusive mediante o retorno ao país.

No Relatório sobre a situação da Nicarágua apresentado pela Alta Comissária Adjunta das Nações Unidas para os Direitos Humanos durante a 41ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos em Genebra, em 10 de julho de 2019, o ACNUDH enfatizou que é crucial garantir a prestação de contas sem nenhuma exceção pelas violações de direitos humanos cometidas no contexto dos protestos sociais de 2018, e garantir o direito das vítimas à verdade e à reparação.

Adicionalmente, a CIDH reitera ao Estado da Nicarágua o seu chamado para interromper a repressão, desativar o ambiente de intimidação que permanece em todo o país e, em particular, garantir de maneira prioritária: a restituição imediata da personalidade jurídica a organizações da sociedade civil; a abertura ao escrutínio internacional com a presença do MESENI da CIDH e do ACNUDH; a devolução imediata de bens a meios de comunicação atingidos por confiscos, revistas ou ocupação de instalações; a garantia de um retorno seguro para todas as pessoas deslocadas no contexto da crise; e a garantia de investigações imparciais e diligentes sobre as violações de direitos humanos. Isto inclui a criação de órgãos que assegurem a imparcialidade na administração da justiça; reparação integral para as vítimas conforme os parâmetros internacionais e garantias de não repetição através de reformas institucionais apropriadas; e o desmantelamento de grupos parapoliciais e de terceiros armados que continuam perseguindo a população civil.

“A CIDH reconhece que a consolidação de qualquer processo de diálogo e as expectativas de alcançar uma reconciliação duradoura requer que estejam baseados no usufruto efetivo dos direitos humanos, assim como nas expectativas e necessidades das vítimas,” destacou a Comissária Esmeralda Arosemena, Presidenta da CIDH.

A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato surge a partir da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem como mandato promover a observância e defesa dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA na temática. A CIDH é composta por sete membros independentes, que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal, sem representarem seus países de origem ou de residência.

 

No. 172/19