Imprensa da CIDH
Washington, D.C. - A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) chama o Estado de El Salvador a restabelecer a plena vigência dos direitos e garantias suspensos durante os últimos 12 meses no âmbito do regime de exceção instalado no país por razões de segurança pública. A CIDH urge o Estado a respeitar os direitos humanos na adoção das medidas para a prevenção, controle e resposta à criminalidade, assim como a investigar, processar e sancionar as atividades criminosas.
Em 15 de março de 2023, a Assembleia Legislativa decretou pela décima segunda vez consecutiva a prorrogação do regime de exceção estabelecido pelo Decreto Legislativo N° 333 de 27 de março de 2022. De acordo com a normativa, se mantém suspensos os direitos e garantias estabelecidos nos artigos 12, inciso 2° e 13, inciso 2° da Constituição de El Salvador. O primeiro dispositivo se refere ao direito da pessoa detida de ser informada de modo imediato e claro dos seus direitos e das razões da sua detenção, e aos direitos de não ser obrigada a se manifestar e de contar com a assistência de um defensor nos trâmites dos órgãos auxiliares da administração da justiça e nos processos judiciais; já o segundo artigo dispõe sobre o período máximo de 72 horas para a detenção administrativa e a custódia da pessoa detida ao juiz competente dentro deste prazo, com os trâmites que tenham sido realizados. O decreto também mantém suspenso o artigo 24 da Constituição, que dispõe sobre a inviolabilidade da correspondência de todo tipo, exceto nos termos previstos na lei, assim como sobre as consequências das interceptações ilegais nas telecomunicações.
Na exposição de motivos do decreto se afirma que "a continuidade das medidas extraordinárias quanto aos direitos [...] segue sendo necessária para realizar as ações operativas idôneas e continuar trazendo segurança em face da ameaça das organizações criminosas e dos seus integrantes [...]". Também se menciona que "as ações necessárias para tal fim [erradicação das estruturas criminosas] não correspondem às estratégias comuns de segurança pública aplicadas para conter, por exemplo, a criminalidade comum". Apesar de se ter informações de que nos últimos meses o país obteve uma redução sem precedentes da criminalidade, contabilizando 317 dias sem homicídios segundo informação do Ministro da Justiça e da Segurança Pública do dia 9 de março de 2023, a CIDH alertou ao Estado de El Salvador que a suspensão de direitos e garantias, especialmente quando aplicada de modo indefinido, constitui um mecanismo inadequado para enfrentar o crime comum.
Quanto a isso, a Corte Interamericana advertiu que a Convenção Americana autoriza a suspensão de certos direitos e liberdades em caráter excepcional "na medida e pelo tempo estritamente limitados às exigências da situação". De acordo com o artigo 27.1 da CADH, os Estados podem recorrer a tal preceito unicamente "em caso de guerra, de perigo público ou de outra emergência que ameace a independência ou a segurança do Estado Parte". Além disso, diante das circunstâncias emergenciais previstas no artigo 27.1 da CIDH, os governantes não gozam de poderes absolutos para estabelecer as medidas restritivas. Para tanto, a atuação estatal deve estar sempre enquadrada no âmbito das obrigações internacionais em matéria de direitos humanos voluntariamente contraídas. A Comissão lembra que o Estado tem a obrigação de assegurar que as garantias judiciais indispensáveis para a proteção dos direitos e liberdades consagrados na Convenção se mantenham vigentes em qualquer circunstância, inclusive durante os estados de exceção.
A CIDH tem informações de que ao menos 65.795 pessoas foram detidas – desde a instalação do regime de exceção – como supostamente vinculadas ao crime organizado, das quais cerca de 90% tiveram a prisão preventiva decretada, segundo informações públicas de 1 de março. Nesse contexto, manifestou reiteradamente sua preocupação quanto às múltiplas denúncias de abusos e irregularidades nas detenções e procedimentos judiciais efetuados, assim como violações aos direitos das pessoas detidas. Também instou o Estado a assegurar as garantias e a proteção judiciais, bem como o tratamento digno de toda pessoa sob a custódia estatal.
A CIDH reconhece os grandes desafios do Estado para enfrentar os altos índices de violência resultantes das atividades de estruturas criminosas como as pandillas, com o fim de cumprir com a sua função de proteger a sua população. Contudo, o Estado deve assegurar que seus esforços no combate ao crime e à violência – tanto no controle como na prevenção enquanto objetivo de toda política de segurança pública – se adequem aos limites assinalados nos sistemas internacionais de proteção aos direitos humanos em conformidade com os princípios do Estado de Direito.
A perspectiva dos direitos humanos permite abordar a problemática da criminalidade e da violência e do seu impacto na segurança pública mediante o fortalecimento da participação democrática e a implementação de políticas focadas na proteção da pessoa humana. Nesse sentido, a CIDH faz um chamado a adotar as medidas necessárias para restabelecer os direitos e garantias suspensos e reitera sua disposição em realizar uma visita ao país e colaborar tecnicamente na implementação dos parâmetros interamericanos de direitos humanos.
A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato surge a partir da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem como mandato promover a observância e defesa dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA na temática. A CIDH é composta por sete membros independentes, que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal, sem representarem seus países de origem ou de residência.
No. 058/23
3:50 PM