A CIDH e sua REDESCA chamam os Estados Americanos a colocar a saúde pública e os direitos humanos no centro das suas decisões e políticas sobre vacinas contra o COVID-19

5 de fevereiro de 2021

Links Úteis

Contato de imprensa

Imprensa da CIDH

[email protected]

Lista de distribuição

Subscreva-se a nossa lista de distribuição

Washington, D.C.- A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e sua Relatoria Especial sobre Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (REDESCA) consideram que as vacinas contra o COVID-19 são fundamentais para superar a pandemia. Por isso, fazem um chamado aos Estados da região para que priorizem a saúde pública e o cumprimento de suas obrigações internacionais em matéria de direitos humanos no momento de tomarem decisões ou adotarem políticas relativas à aprovação, aquisição, distribuição e acesso a tais vacinas.

A pandemia do COVID-19 deu origem a uma crise sanitária, econômica e social sem precedentes em nível mundial, excedendo a capacidade dos sistemas de saúde e afetando de maneira especialmente grave os que vivem na pobreza, carecem de cobertura médica, ou enfrentam algum tipo de discriminação. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), a América é o continente com maior número de mortes, superando a marca de um milhão. Consequentemente, a aprovação, fabricação e distribuição de vacinas seguras e efetivas são passos determinantes para enfrentar os riscos derivados da pandemia, diminuir a sobrecarga dos sistemas de saúde e mitigar os efeitos das medidas para conter o contágio.

Nesse âmbito, a CIDH e sua REDESCA consideram que o acesso universal às vacinas e a imunização extensiva contra o COVID-19 são um bem de saúde pública mundial, tal como o reconheceu a Assembleia Mundial da Saúde – órgão deliberativo máximo da Organização Mundial da Saúde (OMS) – em sua Resolução WHA73.1, adotada por unanimidade em 19 de maio de 2020. Consequentemente, todos os Estados devem ter acesso livre e rápido a vacinas seguras, de qualidade, eficazes, exequíveis e acessíveis para garantir a imunização em grande escala em face do vírus como forma de prevenir, conter e deter sua transmissão para pôr fim à pandemia.

Dado que segundo fontes especializadas, ao menos 70% da população precisa ser vacinada para controlar a transmissão em todo o mundo, a CIDH e sua REDESCA observam com preocupação que, até o presente, unicamente 17 Estados do hemisfério contariam com planos concretos e informados de vacinação disponíveis através de canais oficiais, frente a um cenário global de escassez, incompetência, opacidade e dificuldades de negociação na compra de vacinas de empresas farmacêuticas privadas, que, além disso, não estão conseguindo satisfazer a demanda. A urgência da imunização é, todavia, mais patente levando-se em conta o surgimento de novas variações do vírus, inclusive potencialmente mais contagiosas.

Em tal contexto, resulta imprescindível que as políticas públicas e medidas relativas à vacinação estejam centradas na saúde pública e em um enfoque integral e interdependente de direitos humanos, em particular nos direitos à vida, à saúde e a se beneficiar do progresso científico, com base na melhor evidência científica disponível e atendendo aos princípios próprios do enfoque de direitos humanos, a saber: igualdade e não discriminação, participação social, acesso à justiça, acesso à informação e prestação de contas, tais como as perspectivas de gênero e interseccionalidade.

Garantir o acesso universal às vacinas com prioridades baseadas em critérios de saúde pública

A CIDH e sua REDESCA consideram que as vacinas contra o COVID-19 devem cumprir com os parâmetros de disponibilidade, acessibilidade, aceitabilidade e qualidade relativos ao direito à saúde. Particularmente, a acessibilidade a vacinas seguras e efetivas para prevenir o COVID-19 implica em obrigações e medidas concretas para os Estados, entre as quais a CIDH e sua REDESCA destacam as seguintes:

1. Abster-se de tratamentos discriminatórios no acesso às vacinas baseados nas categorias proibidas nos instrumentos interamericanos de direitos humanos, removendo os marcos regulatórios e os obstáculos normativos que possam gerá-los;
2. Garantir a acessibilidade econômica ou exequibilidade para todas as pessoas, o que implica que o acesso às vacinas seja de forma gratuita, ao menos para as pessoas de menor renda ou em situação de pobreza, assegurando que o poder aquisitivo das pessoas não resulte em um fator que impeça ou privilegie sua imunização;
3. Assegurar que todas as pessoas sob sua jurisdição tenham acesso físico às vacinas, dispondo de medidas para fortalecer a infraestrutura necessária para a distribuição de vacinas em todo seu território e garantir o acesso em zonas rurais, periferias, e outras áreas remotas em relação às cidades ou centros urbanos;4. Garantir o acesso a todas as informações relevantes sobre as vacinas, tais como sobre o acesso e a administração delas, assegurando o exercício do direito ao consentimento informado.

No atual contexto de escassez, os estados devem dar prioridade à vacinação das populações em maior vulnerabilidade frente ao COVID-19; assegurando ao mesmo tempo que as pessoas sob sua jurisdição não sejam discriminadas pela falta de imunização. Quanto à definição de critérios de priorização no acesso à vacinação para prevenir o COVID-19, a CIDH e sua REDESCA instam os Estados a que suas decisões sejam baseadas nas necessidades médicas e de saúde pública, na melhor evidência científica disponível, nas normas nacionais e internacionais de direitos humanos que os obrigam e nos princípios aplicáveis da Bioética. Também estimulam a uma especial consideração das diretrizes e orientações emanadas da OMS na matéria, que incluem as pessoas trabalhadoras de saúde, as pessoas idosas, com deficiência ou com condições médicas preexistentes que ponham em risco sua saúde; como também as pessoas que por fatores sociais ou geográficos subjacentes experimentam um maior risco frente à pandemia, tais como pessoas em condição de mobilidade humana e pessoas em situação de pobreza ou pobreza extrema.

Para garantir o acesso universal às vacinas a todas as pessoas sob sua jurisdição sem nenhum tipo de discriminação e em condições de igualdade, os Estados devem assegurar que não existam limitações que possam afetar de maneira especial as populações que se encontram em situação de maior vulnerabilidade ou discriminação histórica, como são as pessoas em situação de pobreza ou de rua, as pessoas idosas, com enfermidades crônicas, povos indígenas, afrodescendentes, mulheres vítimas de violência de gênero, pessoas trans ou de gênero diverso, pessoas com deficiência ou privadas de liberdade, entre outras. Com relação às pessoas em mobilidade humana, os Estados têm o dever de garantir seu acesso equitativo à vacina em igualdade de condições às nacionais.

Garantir o acesso à informação e à comunicação pública efetiva

Garantir o direito de acesso à informação pública junto com a comunicação efetiva, são aspectos cruciais para o êxito das estratégias de imunização massiva frente ao COVID-19 e a realização do direito ao consentimento informado. Por isso, a Comissão, junto com sua REDESCA e sua Relatoria Especial sobre Liberdade de Expressão (RELE), chamam os Estados a fornecer informações suficientes e com suporte científico para responder às preocupações sobre as vacinas, trazendo de maneira proativa informações em face das inquietudes dos cidadãos – por exemplo, sobre reações adversas ou efeitos secundários – e investir em estratégias de comunicação eficazes e imediatas, como via idônea para combater a desinformação, o ceticismo e as notícias falsas.

Também devem gerar planos de promoção nacionais e regionais que contem com a liderança das mais altas autoridades dos Estados e incluam instituições médicas e científicas, como também organizações da sociedade civil e o jornalismo profissional. Por outro lado, devem assegurar que as pessoas disponham de informações atualizadas sobre o modo de aceder às vacinas e sobre os mecanismos habilitados a este fim. Toda a informação deve ser acessível a todas as pessoas em diferentes idiomas, de maneira inclusiva, com pertinência cultural e deve se propagar através de meios massivos de comunicação social.

Do mesmo modo, a CIDH e suas Relatorias Especiais observam que, no presente contexto de crise sanitária, os Estados têm uma responsabilidade acentuada quanto à aplicação dos parâmetros interamericanos sobre transparência, acesso à informação pública e combate à corrupção, tanto em relação à informação sobre os mecanismos de aquisição, distribuição e aplicação da vacina, como aos recursos disponíveis e mobilizados para garantir o acesso às vacinas à sua população.

Garantir o cumprimento das obrigações em matéria de Empresas e Direitos Humanos

Considerando que a investigação científica e as empresas farmacêuticas privadas jogam um papel principal no processo de vacinação, incluindo o desenvolvimento e a distribuição das vacinas, a CIDH e sua REDESCA chamam especialmente os Estados, empresas e outros atores econômicos à implementação dos critérios, parâmetros e recomendações estabelecidos em seu relatório sobre Empresas e Direitos Humanos: Parâmetros Interamericanos. Nesse sentido, recordam que os Estados têm um papel essencial para garantir o direito à saúde mediante, entre outros, o acesso a medicamentos e tecnologias sanitárias, podendo ser responsáveis por violações de direitos humanos provenientes de atividades empresariais quando elas careçam da devida regulação, supervisão ou fiscalização estatal, ou devido à omissão na adoção de medidas para prevenir o impacto de tais atividades nos direitos humanos de sua população. Por sua vez, as empresas têm a responsabilidade de prestar a devida atenção nos direitos à saúde e à vida das pessoas, resultando crucial o exercício da devida diligência sobre os impactos das suas atividades em tais direitos, uma maior transparência nas suas operações e a prestação de contas efetiva em face de violações ao acesso a medicamentos e tecnologias sanitárias, como são as vacinas contra o COVID-19.

Ainda, a Comissão e sua REDESCA chamam a assegurar que os regimes de propriedade intelectual não sejam um obstáculo ao acesso universal e equitativo às vacinas seguras e eficazes, conforme o disposto na Resolução 1/2020 sobre Pandemia e Direitos Humanos nas Américas e na Resolução 4/2020 sobre os direitos das pessoas com COVID-19. Em tal sentido, as decisões que se tomem devem apoiar o gozo dos direitos humanos, procurando que tais regimes jurídicos considerem as vacinas e outros medicamentos como bens públicos de saúde. Para tanto, resulta necessário que os Estados façam um uso mais enfático e decidido das cláusulas de flexibilidade ou exceção existentes em sistemas de proteção à propriedade intelectual, contrariando os efeitos negativos nos direitos humanos provocados pelos preços excessivos das vacinas ou pelo abuso no uso de patentes. No mesmo sentido, devem adotar medidas voltadas a prevenir e a combater a especulação, o açambarcamento privado ou a indevida utilização de vacinas.

Por outro lado, a CIDH e sua REDESCA chamam a considerar especialmente a aplicação extraterritorial das obrigações dos Estado no contexto de atividades empresariais relacionadas com a vacina contra o COVID-19, lembrando que as medidas dos Estados de origem das empresas que produzem ou comercializam tais vacinas, em termos de regulação, supervisão, prevenção ou investigação do comportamento das domiciliadas em seu território que afete a realização dos direitos humanos fora dele, podem ter efeitos em sua responsabilidade internacional. Em acréscimo, reforçam o dever de cooperação dos Estados, assegurando que nem eles nem outros atores cuja conduta esteja em posição de influir dificultem o acesso às vacinas em outros países. No atual contexto de emergência sanitária global, de escassez de vacinas e assimetrias quanto aos seus níveis de desenvolvimento ou capacidade aquisitiva, os Estados têm uma responsabilidade reforçada em relação a tais obrigações.

Fortalecer a Cooperação Internacional e os mecanismos existentes através de ações regionais

A Comissão e sua REDESCA fazem um chamado aos Estados Membros da OEA a gerar estratégias e mecanismos que permitam reduzir as brechas no acesso às vacinas entre aqueles países que têm maior capacidade aquisitiva e os de menor renda, evitando o isolacionismo sanitário em função de fatores predominantemente econômicos ou financeiros. Nesse sentido, reforçam o alerta feita pelo Diretor Geral da OMS sobre a urgência de se evitar um "fracasso moral catastrófico" em face do nacionalismo e da acumulação de vacinas por determinados Estados, com o consequente perigo para as pessoas e países mais pobres, como para o prolongamento da pandemia, das restrições necessárias para contê-la e o consequente sofrimento humano e impacto econômico.

Por isto, a CIDH e sua REDESCA chamam a coordenar de maneira urgente ações regionais centradas na solidariedade internacional que garantam um intercâmbio constante de informações sobre desafios e boas práticas, como também de tecnologias sanitárias e conhecimentos sobre as vacinas e tratamentos frente ao COVID-19. Tais ações devem acompanhar os esforços de iniciativas globais já existentes, como são o Fundo de Acesso à Tecnologia (C-TAP), criado para o intercâmbio de conhecimento, ciência e tecnologia; ou o Acelerador do Acesso às ferramentas contra o COVID-19 (COVAX), posto em marcha para fornecer vacinas aos países com menor capacidade financeira ou institucional. Tais espaços procuram favorecer a coordenação de esforços e a cooperação internacional em matéria de vacinas contra o COVID-19 com o apoio da OMS e, no continente americano, da Organização Panamericana da Saúde (OPS). Uma resposta regional americana efetiva e solidária, baseada nos direitos humanos e na saúde pública diante da pandemia, deve começar por evitar que as assimetrias econômicas entre os Estados do hemisfério privem os de menor renda de um acesso equitativo às vacinas.

A Comissão e suas Relatorias Especiais estão à disposição para contribuir com esta resposta e com iniciativas a partir dos seus respectivos mandatos, a fim de assegurar que o enfoque de direitos humanos e de saúde pública seja central para a resposta dos Estados americanos em relação à imunização de pessoas sob sua jurisdição contra a COVID-19. A CIDH reforça o constante monitoramento e as ações sobre esta situação na região, coordenando todos os seus mandatos e mecanismos através da sua SACROICOVID-19, com o objetivo de identificar situações e tendências especialmente preocupantes, fomentar as boas práticas e dotar os Estados da região de orientações para o cumprimento do marco legal interamericano de direitos humanos em suas políticas e planos de vacinação contra o COVID-19, favorecendo a pronta recuperação econômica e social de todos os Estados Americanos.

A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato surge a partir da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem como mandato promover a observância e defesa dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA na temática. A CIDH é composta por sete membros independentes, que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal, sem representarem seus países de origem ou de residência.

No. 027/21