2011
Mecanismos Internacionais para a Promoção da Liberdade de Expressão
DECLARAÇÃO CONJUNTA SOBRE LIBERDADE DE EXPRESSÃO E INTERNET
O Relator Especial das Nações Unidas (ONU) sobre a Liberdade de Opinião e Expressão, a Representante da Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa (OSCE) para a Liberdade dos Meios de Comunicação, a Relatora Especial da Organização dos Estados Americanos (OEA) para a Liberdade de Expressão e a Relatora Especial da Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos (CADHP) para Liberdade de Expressão e Acesso à Informação,
Após analisar as presentes questões conjuntamente com a colaboração da organização ARTIGO 19, Campanha Mundial pela Liberdade de Expressão (ARTICLE 19, Global Campaign for Free Expression) e do Centro para o Direito e a Democracia (Centre for Law and Democracy);
Recordando e reafirmando nossas Declarações Conjuntas de 26 de novembro de 1999, 30 de novembro de 2000, 20 de novembro de 2001, 10 de dezembro de 2002, 18 de dezembro de 2003, 6 de dezembro de 2004, 21 de dezembro de 2005, 19 de dezembro de 2006, 12 de dezembro de 2007, 10 de dezembro de 2008, 15 de maio de 2009, e 3 de fevereiro de 2010;
Enfatizando, uma vez mais, a importância fundamental da liberdade de expressão – incluindo os princípios de independência e diversidade – tanto em si mesma quanto como uma ferramenta especial para a defesa de todos os demais direitos, como elemento fundamental da democracia e para o avanço dos objetivos de desenvolvimento;
Destacando o caráter transformador da internet como um meio que permite que bilhões de pessoas em todo o mundo expressem suas opiniões, enquanto incrementa de modo significativo sua capacidade de acessar informações, e fomenta o pluralismo e a divulgação de informações;
Atentos ao potencial da internet para promover a realização de outros direitos e a participação pública, bem como para facilitar o acesso a bens e serviços;
Celebrando o notável aumento do acesso à internet em quase todos os países e regiões do mundo, e observando por sua vez que bilhões de pessoas ainda não têm acesso à internet ou contam com formas de acesso de menor qualidade;
Advertindo que alguns governos têm atuado ou adotado medidas com o objetivo específico de restringir indevidamente a liberdade de expressão na internet, em contravenção ao direito internacional;
Reconhecendo que o exercício da liberdade de expressão pode estar sujeito às restrições limitadas que estejam estabelecidas na lei e que se tornem necessárias, por exemplo, para a prevenção do delito e a proteção aos direitos fundamentais de terceiros, incluindo menores, e recordando, por outro lado, que tais restrições devem ser equilibradas e cumprir as normas internacionais sobre o direito à liberdade de expressão;
Preocupados porque, mesmo quando são realizadas de boa fé, muitas das iniciativas dos governos em resposta à necessidade acima mencionada não consideram as características especiais da internet, e, como resultado, restringem de modo indevido a liberdade de expressão;
Considerando os mecanismos do enfoque multissetorial do Fórum de Governança da Internet da ONU;
Conscientes do amplo espectro de atores que participam como intermediários da internet – e prestam serviços como acesso e interconexão à internet, transmissão, processamento e encaminhamento do tráfego na internet, hospedagem de materiais publicados por terceiros e acesso a estes, referência a conteúdos ou busca de materiais na internet, transações financeiras e facilitação de redes sociais – e das tentativas de alguns Estados de responsabilizar esses atores por conteúdos nocivos ou ilícitos;
Adotamos, em 1º de junho de 2011, a seguinte Declaração Conjunta sobre Liberdade de Expressão e Internet:
1. Princípios gerais
- A liberdade de expressão se aplica à internet do mesmo modo que a todos os meios de comunicação. As restrições à liberdade de expressão na internet só são aceitáveis quando cumprem os padrões internacionais, que dispõem, entre outras coisas, que elas devem estar previstas pela lei, buscar uma finalidade legítima reconhecida pelo direito internacional e ser necessárias para alcançar essa finalidade (o teste "tripartite").
- Ao avaliar a proporcionalidade de uma restrição à liberdade de expressão na internet, deve-se ponderar o impacto que a restrição poderia ter na capacidade da internet para garantir e promover a liberdade de expressão em relação aos benefícios que a restrição geraria para a proteção de outros interesses.
- As abordagens de regulamentação desenvolvidas para outros meios de comunicação – como telefonia ou rádio e televisão – não podem ser simplesmente transpostas para a internet, mas devem ser desenhadas especificamente para este meio, atendendo as suas particularidades.
- Para responder a conteúdos ilícitos, deve-se atribuir uma maior relevância ao desenvolvimento de abordagens alternativas e específicas que se adaptem às características singulares da internet, e que por sua vez reconheçam que não se devem estabelecer restrições especiais ao conteúdo dos materiais que são difundidos por meio da internet.
- A autorregulação pode ser uma ferramenta efetiva para abordar as expressões injuriosas, e, por isso, deve ser promovida.
- Devem-se fomentar medidas educativas e de conscientização destinadas a promover a capacidade de todas as pessoas de fazer um uso autônomo, independente e responsável da internet ("alfabetização digital").
2. Responsabilidade de intermediários
- Nenhuma pessoa que ofereça unicamente serviços técnicos de internet como acesso, buscas ou conservação de informações em memória cachê deverá ser responsável por conteúdos gerados por terceiros e que se difundam por meio desses serviços, sempre que não intervir especificamente em tais conteúdos nem se negar a cumprir uma ordem judicial que exija a sua eliminação quando estiver em condições de fazê-lo ("princípio de mera transmissão").
- Deve-se considerar a possibilidade de proteger completamente outros intermediários, incluindo os mencionados no preâmbulo, em relação a qualquer responsabilidade pelos conteúdos gerados por terceiros nas mesmas condições estabelecidas no parágrafo 2(a). No mínimo, não se deve exigir que os intermediários controlem o conteúdo gerado por usuários, e os intermediários não devem estar sujeitos a normas extrajudiciais sobre cancelamento de conteúdos que não ofereçam suficiente proteção para a liberdade de expressão (como ocorre com muitas das normas sobre "notificação e retirada" aplicadas na atualidade).
3. Filtragem e bloqueio
- O bloqueio obrigatório de sites inteiros, endereços de IP, portas, protocolos de rede ou certos tipos de usos (como as redes sociais) constitui uma medida extrema – análoga à proibição de um jornal ou de uma emissora de rádio ou televisão – que só pode ser fundamentada de acordo com os padrões internacionais, por exemplo, quando for necessária para proteger menores do abuso sexual.
- Os sistemas de filtragem de conteúdos impostos por governos ou provedores de serviços comerciais que não sejam controlados pelo usuário final constituem uma forma de censura prévia e não representam uma restrição fundamentada à liberdade de expressão.
- Deve-se exigir que os produtos destinados a facilitar a filtragem pelos usuários finais estejam acompanhados por informações claras dirigidas a tais usuários sobre o modo como eles funcionam e as possíveis desvantagens caso a filtragem seja excessiva.
4. Responsabilidade penal e civil
- A competência em relação a processos vinculados a conteúdos de internet deve caber exclusivamente aos Estados com os quais tais processos tenham os contatos mais próximos, normalmente porque o autor reside nesse Estado, o conteúdo foi publicado a partir de lá e/ou se dirige especificamente ao Estado em questão. Os particulares só devem poder iniciar ações judiciais em uma jurisdição na qual possam demonstrar terem sofrido um prejuízo substancial (esta norma busca prevenir o que se conhece como "turismo de difamação").
- As normas de responsabilidade, incluindo as exclusões de responsabilidade, nos procedimentos civis, devem considerar o interesse geral do público em proteger tanto a expressão quanto o foro no qual ela é pronunciada (ou seja, a necessidade de preservar a função de um "lugar público de reunião" que a internet cumpre).
- No caso de conteúdos que tenham sido publicados basicamente com o mesmo formato e no mesmo lugar, os prazos para mover processos judiciais devem ser computados desde a primeira vez em que foram publicados e só se deve permitir a apresentação de uma única ação por danos em relação a tais conteúdos, e, quando for cabível, deve-se permitir uma única reparação pelos danos sofridos em todas as jurisdições (regra da "publicação única").
5. Neutralidade da rede
- O tratamento dos dados e o tráfego de internet não devem ser objeto de qualquer tipo de discriminação em função de fatores como dispositivos, conteúdo, autor, origem e/ou destino do material, serviço ou aplicação.
- Deve-se exigir que os intermediários de internet sejam transparentes em relação às práticas que empregam para a gestão do tráfego ou da informação, e qualquer informação relevante sobre tais práticas deve ser posta à disposição do público em um formato que seja acessível para todos os interessados.
6. Acesso à internet
- Os Estados têm a obrigação de promover o acesso universal à internet para garantir o gozo efetivo do direito à liberdade de expressão. O acesso à internet também é necessário para assegurar o respeito a outros direitos, como o direito à educação, à saúde e ao trabalho, ao direito de reunião e associação, e ao direito a eleições livres.
- A interrupção do acesso à internet, ou a parte dela, aplicada a populações inteiras ou a determinados segmentos do público (cancelamento da internet) não pode ser justificada em nenhum caso, nem mesmo por razões de ordem pública ou segurança nacional. O mesmo se aplica às medidas de redução da velocidade de navegação da internet ou de partes dela.
- A negação do direito de acesso à internet, a título de sanção, constitui uma medida extrema que só poderia ser fundamentada quando não existirem outras medidas menos restritivas, e sempre que tenha sido ordenada pela justiça, considerando o seu impacto para o exercício dos direitos humanos.
- Outras medidas que restringem o acesso à internet, como a imposição de obrigações de registro ou outros requisitos a provedores de serviços, não são legítimas a menos que cumpram os requisitos estabelecidos pelo direito internacional para as restrições à liberdade de expressão.
- Os Estados têm a obrigação positiva de facilitar o acesso universal à internet. Como mínimo, os Estados devem:
- Estabelecer mecanismos regulatórios – que contemplem regimes de preços, requisitos de serviço universal e acordos de licença – para fomentar um acesso mais amplo à internet, inclusive pelos setores pobres e as zonas rurais mais remotas.
- Prestar apoio direto para facilitar o acesso, incluindo a criação de centros comunitários de tecnologias da informação e comunicação (TIC) e outros pontos de acesso público.
- Conscientizar sobre o uso adequado da internet e os benefícios que ela pode gerar, em especial entre os setores mais pobres, as crianças e os idosos, e nas populações rurais isoladas.
- Adotar medidas especiais que assegurem o acesso equitativo à internet para pessoas com deficiências e para os setores menos favorecidos.
- A fim de implementar as medidas acima, os Estados devem adotar planos de ação detalhados com vários anos de duração para ampliar o acesso à internet, que incluam objetivos claros e específicos, bem como padrões de transparência, apresentação de relatórios públicos e sistemas de monitoramento.
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Frank LaRue
Relator Especial das Nações Unidas sobre a Liberdade de Opinião e Expressão
Dunja Mijatović
Representante da OSCE para a Liberdade dos Meios de Comunicação
Catalina Botero Marino
Relatora Especial da OEA para a Liberdade de Expressão
Faith Pansy Tlakula
Relatora Especial da CADHP para Liberdade de Expressão e Acesso à Informação