As autoridades e pessoas candidatas a ocupar cargos
públicos no Brasil estão chamadas a proteger o debate público e a liberdade de
expressão
30 de agosto de 2022
Washington, D.C.- A Relatoria Especial para
Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos faz um
chamado para que as autoridades eleitorais, partidos políticos e pessoas que
ocupam ou aspiram a ocupar cargos de eleição popular no Brasil protejam o
debate público e a vigência dos direitos humanos, atendendo às responsabilidades
especiais que lhes cabem no exercício de seu direito à liberdade de expressão.
No marco do início do período de campanha
eleitoral no Brasil, este Escritório tem recebido reportes sobre a agudização da
polarização política e seu impacto no debate público. Nesse contexto, a
Relatoría tem tomado conhecimento sobre distintas declarações
estigmatizantes contra a imprensa e a pessoas defensoras de direitos humanos
por parte de líderes políticos. Além disso, a CIDH e sua RELE têm recebido
informação sobre discursos que se direcionariam a colocar em dúvida o processo eleitoral
e a legitimidade das instituições democráticas, sem aportar informação constatada
ou verificável; discursos que poderiam exacerbar ou favorecer a discriminação e a
violência; e manifestações que desafiariam o cumprimento de
decisões judiciais ou que teriam o potencial de fomentar o repúdio a resultados
eleitorais, sem aportar as evidências inequívocas nas quais se baseiam.
A Relatoria reitera que as expressões sobre
assuntos políticos, incluindo aquelas que poder ser críticas, ofensivas ou
chocantes, devem ser especialmente protegidas durante períodos eleitorais, uma
vez que a liberdade de expressão é uma ferramenta essencial para a formação da
opinião pública, fortalece a contenda política e permite maior transparência
nestes contextos. No entanto, mesmo nesses períodos existem limites ao direito
à liberdade de expressão. Particularmente, as pessoas que exercem funções
públicas e aquelas candidatas a ocupar cargos públicos estão chamadas a velar
pela integridade e qualidade da deliberação pública e a assegurar-se de que
seus pronunciamentos não exacerbem as tensões vinculadas com as eleições, nem
tem o potencial de lesionar os direitos das pessoas.
Ante as considerações anteriores, e conforme os estândares
em matéria de liberdade de expressão em contextos eleitorais, este Escritório enfatiza
que:
1. O artigo 13.5 de
la CADH proíbe "toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao
ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, à
hostilidade, ao crime ou à violência" – manifestações que devem ser sancionadas
pelas autoridades competentes. Conforme estabelece o Plano de Ação de Rabat das Nações
Unidas, para que um discurso seja considerado de
ódio, se exige uma prova contextual – e não semântica – da manifestação, que se
baseia (1) no contexto social e político; (2) na categoria de quem se
manifesta; (3) na intenção de incitar a audiência contra um grupo determinado;
(4) no conteúdo e forma do discurso; (5) na extensão de sua difusão; e (6) na
probabilidade de causar dano, inclusive de maneira iminente dos discursos que
alegadamente incitam à violência. Esses elementos devem ser especialmente
constatados em períodos eleitorais.
2. Há discursos que
afetam negativamente a deliberação pública, pois contribuem com a
estigmatização e a marginalização de grupos em situação de vulnerabilidade,
como mulheres, povos indígenas, população afrodescendente, pessoas LGBTI+,
pessoas com deficiência e pessoas em situação de mobilidade humana, entre
outros. A discriminação impacta na capacidade de as pessoas exercerem
plenamente seus direitos à liberdade de expressão e a participar no espaço cívico.
Os discursos de líderes políticos –
especialmente quem exerce funções públicas – não podem chegar a desconhecer os
direitos humanos. As convicções democráticas exigem que quem participa da contenda
eleitoral reconheça que nenhuma pessoa deve ser discriminada por razões
políticas e que todas devem ser tratadas de forma digna.
3. As lideranças
políticas devem tomar distancia de qualquer discurso que envie mensagens
permissivos à violência durante a contenda eleitoral, incluído os discursos que
ativam, fomentam, acentuam ou exacerbam situações de discriminação, hostilidade
e intolerância.
4. As pessoas que
ocupam ou aspiram a ocupar cargos de eleição popular estão chamadas a combater
a intolerância e a discriminação e a promover o entendimento cultural e o
respeito pela diversidade, aproveitando sua alta investidura e o alcance de
seus discursos. Considerando que em
muitas ocasiões os contextos eleitorais estão caracterizados pela agudização da
polarização e de conflitos sociais, as lideranças políticas estão chamadas a
endereçar essas tensões por meio do diálogo, assegurando a plena vigência do
Estado de Direito e o respeito às decisões do eleitorado e aos direitos
humanos.
5. A crítica à
atuação de autoridades públicas, as manifestações sobre o funcionamento do
Estado e as reflexões sobre a institucionalidade democrática e eleitoral são
temas de interesse público e que devem estar abertos ao escrutínio cidadão. No
entanto, as lideranças políticas, especialmente as autoridades estatais, devem
atuar com uma diligência maior do que a de qualquer cidadã ou cidadão ao se
pronunciar sobre esses assuntos – o que compreende o dever de constatar de
forma razoável os fatos em que fundamenta suas opiniões e críticas. Os
apontamentos de funcionários públicos e líderes políticos que não se coadunam a
esses princípios podem potencializar a disseminação de informação falsa.
6. As lideranças políticas
devem se abster de difundir informação falsa conscientes de sua falsidade. Em
vez disso, têm a obrigação de assegurar ao máximo possível que suas declarações
sejam verazes, constatadas e precisas. As pessoas candidatas e os partidos
políticos devem tomar medidas para evitar a divulgação de informações falsas,
enganosas ou duvidosas e devem corrigir as informações de forma oportuna quando
são advertidos de que se trata de um conteúdo falso ou enganoso.
7. O acesso à
informação é um direito da cidadania e contribui à formação da vontade
coletiva, manifestada no voto. É essencial que as e os candidatos estejam
abertos ao escrutínio da população e voluntariamente compareçam a entrevistas e
outros espaços de debates sobre distintos projetos políticos. A Relatoria
recorda que o debate político é imprescindível para a consolidação de
sociedades democráticas.
8. O jornalismo
cumpre a função crucial de canalizar o debate público entre as e os
representantes públicos e a cidadania. As lideranças políticas devem abster-se
de estigmatizar ou ameaçar os jornalistas e de debilitar o respeito pela
independência da imprensa. Em conferências de imprensa, devem tratar as pessoas
participantes com respeito e garantir que elas tenham as mesmas oportunidades
de fazer perguntas.
9. As lideranças
políticas devem recordar que o artigo 15 da CADH protege o direito à reunião
pacífica e sem armas. Nesse sentido, as pessoas que exercem funções públicas e
quem aspira a ocupar cargos públicos devem ter especialmente em conta seu papel
como garantes dos direitos humanos das pessoas que participam de manifestações
sociais. Estigmatizar e criminalizar manifestantes pode levar a uma escalada de
episódios de violência e violações dos direitos humanos.
10. A CIDH e sua RELE
reconhecem a solidez das instituições democráticas no Brasil. Um elemento
central do Estado de direito é o respeito às decisões judiciais e às decisões
das respectivas autoridades eleitorais. O exercício da liberdade de expressão
não autoriza aqueles que ocupam ou aspiram a ocupar cargos eleitos a
desconsiderar tais decisões. As inconformidades ou questionamentos contra tais
decisões devem ser tratados pelos canais institucionais apropriados e previstos
por lei, priorizando alegações baseadas em fatos verdadeiros e em informações
verificadas ou factualmente verificáveis, e com respeito às instituições
democráticas. Em consonância com isso, as lideranças políticas, especialmente
as autoridades públicas de alto escalão, devem assegurar que seus
pronunciamentos "constituam uma forma de ingerência ou pressão lesiva da
independência judicial, ou possam induzir ou sugerir ações por parte de outras
autoridades que violem a independência ou prejudiquem a liberdade daquele que
julga", conforme assinalado pela Corte Interamericana.
A Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão é
um escritório criado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)
para estimular a defesa hemisférica do direito à liberdade de pensamento e
expressão, considerando seu papel fundamental na consolidação e desenvolvimento
do sistema democrático.
R192/22