Nota à Imprensa


DISCURSO DO SECRETÁRIO-GERAL, JOSÉ MIGUEL INSULZA
SESSÃO EXTRAORDINÁRIA DO CONSELHO PERMANENTE

  6 de março de 2014

Esta reunião do Conselho Permanente tem lugar após uma espera incomum, desde sua convocação, feita por um país membro em uso legítimo de seu direito. A demora provocou tensões desnecessárias entre nós, e digo desnecessárias porque este Conselho enfrentou, muitas vezes, no passado, debates dessa natureza, inclusive com fortes discrepâncias, tendo sempre predominado uma disposição ao diálogo construtivo. Espero, sinceramente, que esta ocasião mantenha essa tradição.

A expectativa provocada, contudo, também tem um sentido positivo: serve para demonstrar, mais uma vez, que esta Organização continua sendo o principal fórum de debate das Américas. Fórum insubstituível, porque somente a este fórum vêm todas as partes, e somente nele argumentos e discrepâncias são apresentados abertamente, como cabe em uma democracia.

Que alguém possa sugerir que uma simples reunião na OEA, realizada de acordo com as normas que nossos próprios países aprovaram de forma unânime, seja uma “ingerência indevida” ou uma forma de intervenção, serve apenas para demonstrar também a importância que a OEA conserva plenamente. Também demonstra que outros pensam que, aqui, podem encontrar soluções para uma crise que só pode ser resolvida em seu país, e exigem que este Conselho ou este Secretário-Geral aplique, fora das leis e atribuições respectivas, sanções a seus adversários.

Nesse sentido, Senhor Presidente, os papéis se cruzam: aqueles que, há alguns anos, brandiam orgulhosos a Carta Democrática Interamericana para exigir severas sanções contra o governo de fato em Honduras, hoje, nos dizem que o simples fato de falar sobre uma crise que já provocou um grande número de mortos é uma ingerência; por outro lado, aqueles que denunciavam (e ainda denunciam) como um atentado à soberania a nossa atuação diante de um evidente golpe de Estado – refiro-me novamente a Honduras – agora exigem que os ajudemos a tirar do poder um governo eleito recentemente de forma democrática.

As crises polarizam, e esta Organização, que é política por natureza, está sempre no centro das crises. O que se fala aqui, se escuta em todas as partes. Porém, estar no centro e tratar de inserir alguma racionalidade no debate sempre motivará desconfianças, menosprezo e até insultos devido às posições exacerbadas de ambos os lados.
Por esse motivo, quero repetir, hoje, que a OEA não está aqui para intervir nos assuntos internos de seus países membros, mas, sim, para ajudar da maneira que seja possível, a superar essa crise, por intermédio de meios que foram acordados em comum. Que, na OEA, todas as opiniões são ouvidas e ninguém pode ser desqualificado, nem maltratado por trazer até aqui as suas queixas ou demandas. Que, aqui, aqueles de esquerda, de direita ou de centro têm direitos iguais. E que a OEA é dirigida de maneira aberta e conhecida, com respeito à democracia e ao Estado de Direito, por seus Estados membros, reunidos neste Conselho e na Assembleia Geral.

Há muito tempo que nenhum país pode dominar a vontade dos demais. Separar conceitualmente a OEA de seus Estados membros é criar uma ficção desrespeitosa.

Todos temos acompanhado com atenção e grande preocupação os eventos das últimas semanas na irmã República Bolivariana da Venezuela. Quando um Estado membro é afetado por grande comoção e divisão interna, e sua democracia é colocada em risco, é natural que todos os demais se preocupem.

É inegável que, hoje, existe uma crise política profunda, cuja característica principal está na divisão e confrontação da grande maioria dos atores políticos e sociais em grupos irreconciliáveis. Quando a oposição se mobiliza, ela o faz em grandes proporções e de maneira exigente; quando os partidários do governo vão às ruas, eles também o fazem com grande participação e intensidade. Os discursos são inflamados e radicais e há muito pouco apelo ao entendimento e à conciliação. Quando alguém fala de diálogo, não o faz com a mão estendida, mas, sim, com o punho fechado.

Duas circunstâncias agravam essa situação: a primeira é que a crise política impede que se enfrente adequadamente a grave situação econômica e de segurança vivida pela Venezuela já há algum tempo. Sem entrar na discussão sobre suas características, é evidente que, se não forem adotadas medidas de fundo, que, às vezes, podem ser difíceis ou impopulares, a crise também se agravará. No entanto, nenhuma ação concreta pode ser adotada em um país dividido e confrontado. Todos temem propor soluções de fundo ou apoiar aquelas provenientes do adversário, para não debilitar sua posição.

A segunda circunstância é a violência, seja ela no protesto ou na reação ao protesto. Os enfrentamentos das últimas semanas provocaram uma grande quantidade de mortos, feridos e presos que continua aumentando e são conhecidas denúncias múltiplas e documentadas de violações dos direitos humanos.

Muitas das circunstâncias anteriores são reconhecidas pelo Governo e pela oposição; ninguém as nega, todos proclamam a necessidade de superá-las, mas insistem em culpar o adversário e acreditam ainda que, unilateralmente, podem ganhar a batalha.
Essa percepção é profundamente equivocada: o caminho à reconciliação, de que se necessita tão urgentemente na Venezuela, não passa pela derrocada de um Governo que foi eleito há menos de um ano, nem pelo desconhecimento e hostilização permanente de uma oposição que também mostrou sua força nas urnas.

Ambas as forças representam uma parte imprescindível de um país que precisa de todos os seus filhos e filhas para avançar. Pretender "ganhar" essa batalha é o caminho certo para uma divisão nacional que, com vencedores e vencidos, está destinada a durar décadas. Existem muitos exemplos em que a divisão e o confronto destruíram a democracia e trouxeram consigo longos períodos de ditadura. Foi assim no meu país e os mortos foram milhares.

A menos, certamente, que ganhem todos; e nos recusamos a acreditar que isso não seja possível. É possível, mas somente por meio de um verdadeiro diálogo nacional, de que participem todos os atores relevantes e de cuja agenda constem os elementos mais graves da crise. Esta foi a proposta de Rubén Blades, que foi citado pelo Embaixador Chaderton, apesar de ter sido criticado pelo Presidente Maduro. A este respeito, ele teve mais sorte do que eu.

No entanto, insisto, em qualquer caso, que a agenda definitiva é estabelecida pelos venezuelanos por mútuo acordo; nossa única aspiração é que se reúnam, com uma atitude diferente, para negociar esses e outros temas.

Valorizo, nesse sentido, a iniciativa do Governo de convocar um diálogo nacional, bem como a participação dos representantes do setor empresarial e de alguns dirigentes políticos e parlamentares da oposição. Entretanto, é imprescindível que estejam também presentes durante o diálogo os principais dirigentes dos partidos e as figuras com maior convocação da oposição. Isso exige um esforço superior e supõe um compromisso de todas as partes de evitar agressões, condicionamentos e condenações, o que proporcionaria a confiança que atualmente não existe. Com efeito, a crise política é também uma crise de confiança, que somente gestos positivos permitirão superar.

Creio que o ideal é que o diálogo pela reconciliação na Venezuela seja conduzido por cidadãos venezuelanos com a confiança de todos e com a presença pública e a autoridade moral para dar continuidade aos acordos. Isso é o que cabe no caso de uma crise interna e que deve continuar sendo tratada como tal.

Mas se não há confiança interna, existe o recurso da mediação externa. A esse respeito, serei extremamente claro: quem seja o mediador – um organismo internacional, um Governo ou governante de outro país, a Igreja, um grupo de pessoas – não deve ser, neste momento, motivo de discórdia entre nós.

Jamais colocarei o empenho institucional acima das necessidades dos Estados membros, nem reivindicarei para a OEA um papel que não lhe seja requerido por todas as partes envolvidas. Existem muitos exemplos dessa disposição. No diferendo entre Colômbia e Equador (em que a Venezuela também se envolveu), em 2007, a saída pacífica foi alcançada em uma reunião do Grupo do Rio (hoje CELAC); a reincorporação de Honduras à OEA não foi obtida aqui, mas com a mediação dos Presidentes da Colômbia e da Venezuela; na crise do Haiti, há mais de uma década, aceitamos de bom grado a liderança da ONU nesse país e mantivemos ainda nossa associação com ela, em prol da democracia e da estabilidade política no Haiti. Que eu tenha conhecimento, nenhum desses processos, que a OEA ratificou em sua Assembleia, foi qualificado como "ingerência".

Decerto, a OEA estará sempre disponível. Tenho certeza de que este Conselho apoiará o diálogo, o acordo e a reconciliação nacional na Venezuela, qualquer que seja o instrumento institucional que as partes escolham para o diálogo. Queremos a paz na Venezuela e que essa querida nação continue contribuindo para o desenvolvimento e a amizade entre todos os povos das Américas.

Muito obrigado

Referencia: PG-003/14